Nos tempos idos, com o crescimento das cidades ouvia-se muito falar nos "condomínios fechados", que inclusive continuam existindo e seguem em plena ascensão no Brasil. Outrora, o termo "condomínio fechado" era considerado atécnico, como será analisado a seguir.
Isto porque quando se dizia "condomínio fechado", queria-se efetivamente referir ao chamado loteamento.
Um loteamento, nos termos do art. 2º, parágrafo 1º, da Lei 6.766/79 é a subdivisão de glebas em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos e prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes. As vias e espaços públicos são transferidos à titularidade do Município (art. 22 da Lei 6.766/79).
Ademais, voltando ao termo atécnico "condomínio fechado", é preciso entender também o que é condomínio. Tendo em vista que o termo menciona esta palavra. Vejamos.
Existem três formas de condomínio em nosso ordenamento jurídico: o voluntário, o necessário e o edilício. E neste ponto vamos tratar especificamente do condomínio edilício, regulamentado pela Lei 8.245/91. Aí, cada condômino possui a propriedade exclusiva da unidade privativa e cada unidade recebe matrícula própria no cartório de registro de imóveis.
É o famoso prédio de apartamentos em que grande parte da população vive, que possui sua unidade privativa (o apartamento) e a área comum, cuja fração ideal do solo é de titularidade do condômino. Neste caso não há vias públicas, grosso modo todo o prédio é do particular (condôminos, cada qual com sua parte).
Portanto, o chamado "condomínio fechado" não é condomínio edilício, mas na verdade loteamento, pois o que realmente ocorre na prática é a subdivisão de glebas em lotes destinados à edificação. Ou seja, cada lote é uma unidade de propriedade individual. E como as vias são públicas, normalmente o Município concede o uso exclusivo das áreas públicas daquele empreendimento aos proprietários de lotes. E confere à associação formada pelos moradores a competência para gerir a "coisa comum"que, diga-se, é de propriedade pública, mas com uso cedido ao particular.
Com esta realidade, a figura do popularmente conhecido "condomínio fechado" ficou de fora da correta regulamentação do direito, já que não existia na legislação uma regulamentação específica. O que por um bom tempo gerou insegurança jurídica, pois muitos cartórios, corregedorias estaduais e municípios não reconheciam esta figura.
Além disso, houve controvérsia ao se atribuir ao proprietáriodo lote a obrigatoriedade na cobrança da taxa de associação, por serviços prestados. O que, fazendo um paralelo com o condomínio edilício, seria a taxa condominial.
Quanto a isto, o STJ decidiu poucas vezes e de maneira não unânime. Acompanhe os julgados:
CIVIL. LOTEAMENTO. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. COBRANÇA DE CONTRIBUIÇÃO POR SERVIÇOS PRESTADOS. O proprietário de lote não está obrigado a concorrer para o custeio de serviços prestados por associação de moradores, se não os solicitou. Recurso especial conhecido e provido. (STJ - REsp: 444931 SP 2002/0067871-2, Relator: Ministro ARI PARGENDLER, Data de Julgamento: 12/08/2003, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 06.10.2003 p. 269RJADCOAS vol. 52 p. 68)
Civil. Agravo no recurso especial. Loteamento aberto ou fechado. Condomínio atípico. Sociedade prestadora de serviços. Despesas. Obrigatoriedade de pagamento. - O proprietário de lote integrante de loteamento aberto ou fechado, sem condomínio formalmente instituído, cujos moradores constituíram sociedade para prestação de serviços de conservação, limpeza e manutenção, deve contribuir com o valor correspondente ao rateio das despesas daí decorrentes, pois não se afigura justo nem jurídico que se beneficie dos serviços prestados e das benfeitorias realizadas sem a devida contraprestação. Precedentes.(STJ - AgRg no REsp: 490419 SP 2003/0007665-8, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 10/06/2003, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: --> DJ 30/06/2003 p. 248)
No entanto, em julgamento no âmbito da sistemática de recursos repetitivos, o STJ definiu que "As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou os que a elas não anuíram"(REsp 1439163/SP).
Diante de toda a problemática acima apresentada, o legislador criou a Lei número 13.465/17, uma verdadeira colcha de retalhos que modificou diversas legislações afetas ao Direito Imobiliário. Dentre as quais, houve a criação do chamado Condomínio de Lotes e Loteamento de Acesso Controlado.
Houve, portanto, a inserção do art. 1.358-A no Código Civil brasileiro, segundo o qual
Art. 1.358-A. Pode haver, em terrenos, partes designadas de lotes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos.
Na verdade, o chamado condomínio de lotes nada mais é do que um desdobramento do condomínio edilício vertical (o de casas) de que tratava o art. 8º da Lei nº 4.591/2017. Mas esta modalidade não cria lotes, mas unidades imobiliárias vinculadas a uma fração ideal do solo e das áreas comuns. Essas unidades autônomas consistem necessariamente em construções existentes, e não em lotes avulsos.
Já o novo dispositivo inserido na lei civil passa a permitir a criação de um condomínio composto por lotes, que estarão necessariamente vinculados a uma fração ideal das áreas comuns na proporção a ser definida no ato da instituição. Ou seja, na prática as vias e áreas comuns não serão de propriedade do município, e sim de propriedade privada, pertencendo aos titulares do lote na proporção de sua respectiva fração ideal.
O que naturalmente acabará com a discussão acerca da compulsoriedade no pagamento da taxa de associação, tendo em vista que neste caso haverá a instituição de condomínio, de forma que serão cobrados de cada particular taxas condominiais, e não aquela taxa de associado acima referida.
Como se não bastasse, foi criada também a figura do "loteamento de acesso controlado", art. 2º, parágrafo 8º da Lei 6.766/79, vejamos:
§ 8º Constitui loteamento de acesso controlado a modalidade de loteamento, definida nos termos do § 1º deste artigo, cujo controle de acesso será regulamentado por ato do poder público Municipal, sendo vedado o impedimento de acesso a pedestres ou a condutores de veículos, não residentes, devidamente identificados ou cadastrados.
Já esta figura consiste no parcelamento em que resultam lotes sob forma de imóveis autônomos, e não como unidades condominiais. O que possibilitará a instalação de portarias nas ruas com o controle da entrada de pessoas e veículos, a depender de ato administrativo do município.
Com as novidades trazidas pela legislação, espera-se que algumas antigas discussões sejam pacificadas e deve-se aguardar o amadurecimento da aplicação das novas figuras.
Fellipe Duarte - Advogado, especialista em Direito Imobiliário e Ambiental.
Fonte: Artigos JusBrasil
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