quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

REDUÇÃO DE NÚMERO DE DISTRATOS TRAZ MELHORA DO MERCADO IMOBILIÁRIO


Para brevemente tratar do que se viu no mercado imobiliário em 2017, parece importante dar um passo atrás e voltar, ao menos, até o ano de 2014, quando a economia nacional passou a sentir com certa angústia as dificuldades do mercado. Nessa época, aos olhos dos afetos aos estudos econômicos, teria se evidenciado, com certa clareza, que o modelo de crescimento econômico adotado pelo governo federal havia se esgotado e precisava de medidas urgentes de renovação e definição de novas bases.

Para o mercado imobiliário, especificamente, o ano de 2014 foi marcado por incertezas e grandes expectativas vinculadas à Copa do Mundo e às Olimpíadas. Ambos os eventos, com potencial de grande captação de investimentos e de desenvolvimento e/ou, ao menos, impulso, para a economia nacional, trouxeram momentos de esperança e de receio por parte dos empresários da área imobiliária e da construção civil.

Sem prejuízo dos acontecimentos de 2014, o ano de 2015 apresentou cenário político mais incerto do que no ano anterior, tendo se visto a piora de indicadores econômicos, o enxugamento das concessões de crédito, em geral e em especial para a aquisição de imóveis e, como consequência lógica, os lançamentos de unidades imobiliárias tiveram queda significativa. Entramos em 2016 e dele saímos sem encontrar as tão buscadas e necessárias saídas para o momento político e econômico vivido.

Iniciamos 2017 novamente com esperança. Receio e cautela presentes, como não se pode deixar de ver como reação natural decorrente de experiências negativas, mas certamente com esperança. Ano identificado como “de transição” por alguns, em que pese no Brasil não se tenha visto uma curva ascendente regular e significativa de crescimento, no aspecto global, a economia viveu momentos de melhora.

Fazendo uma retrospectiva dos principais movimentos do mercado no ano de 2017, é importante mencionar, em especial, (i) o cenário político, que em continuidade ao que se viu em 2016, permaneceu sob a mira de investigações de atos de corrupção envolvendo as cúpulas governistas mais influentes e tomados de decisões do país, causando incertezas e receios para o desenvolvimento econômico interno e para as relações com outros países e (ii) as reformas econômicas e de institutos democráticos da economia, que tiveram papel significativo na criação de medidas que visavam viabilizar a alavancagem do crescimento do país.

O cenário político não permitiu que a economia atingisse índices de desenvolvimento necessários à retomada do crescimento econômico. No entanto, há que se destacar que a situação, apesar de ainda bastante crítica, não foi pior do que aquela vista em 2016. Isso, por si só, foi fator que não atrapalhou as tentativas de recuperação dos mercados, permitindo que se verificasse, ao menos, que a economia brasileira não piorou em 2017 em decorrência das incertezas políticas da nossa jovem democracia.

Neste ano, foi possível ver a economia brasileira iniciando trajeto crescente de recuperação, trazendo esperanças de se ver em 2018, algum crescimento efetivo, pois em aspecto global, é possível reconhecer a existência de tendência de fortalecimento econômico e aumento de estímulos governamentais que permitam o crescimento econômico na maioria dos países, em especial, daqueles de economias emergentes.

Tendo-se em mente o cenário econômico que marcou o ano de 2017, passa-se a trazer alguns eventos e indicativos de performance e principais acontecimentos que atingiram o mercado imobiliário no período.

Do cenário político, destaca-se que grandes construtoras e empresas atuantes no ramo da construção civil foram personagens marcantes na divulgação dos escândalos de corrupção que acabaram por derrubar, se não governos, a segurança da governabilidade nos níveis federal, estadual e municipal. As maiores construtoras do Brasil, com atuação internacional, reconheceram a prática de atos ilícitos, fizeram acordos de leniência, seus representantes, grandes influenciadores do mercado, celebraram acordos de delação premiada, foram presos e as operações e desenvolvimento das atividades operacionais das empresas, como não poderia deixar de ser, foram intensa e instantaneamente abaladas.

Esta situação provocou o pedido de recuperação judicial e até a falência de parte das empresas investigadas pela Polícia Federal. O abalo que atingiu o mercado imobiliário não foi só moral, mas também financeiro, visto que obrigações assumidas por estas empresas sofrerem interferência decorrente dos atos praticados e, portanto, não puderam ser cumpridas nos termos originalmente previstos.

De forma comparativa ao que se viu do mercado no ano de 2016, em razão da fragilidade econômica do país e das incertezas políticas, apesar dos escândalos envolvendo as maiores construtoras, foi possível ver alguma reação das incorporadoras, construtoras e demais agentes do mercado imobiliário.

Pesquisa divulgada em aula ministrada na Universidade Secovi no dia 25 de agosto de 2017 pelo economista chefe da instituição, Celso Petrucci, demonstrou aumento no volume de unidades imobiliárias residenciais lançadas no primeiro semestre de 2017 em São Paulo se verificado o índice aplicável no primeiro semestre de 2016. Ainda, se comparável ao que se viu entre os anos de 2015 e 2016, o resultado de 2017 é ainda mais animador, visto que anteriormente, de um ano a outro, o volume havia caído, ao invés de se manter equilibrado ou de se recuperar.

Na mesma oportunidade foram divulgadas informações relacionadas à comercialização de unidades imobiliárias residenciais da cidade de São Paulo. Enquanto houve queda importante no volume de unidades vendidas entre o primeiro semestre de 2015 e de 2016, a análise deste dado para o primeiro semestre de 2017 mostra crescimento de 10% entre o volume de unidades comercializadas entre estes dois anos.

Análise semelhante a esta acima mencionada, do Secovi, foi realizada não apenas para a cidade de São Paulo, mas abrangeu todo o território nacional. A tendência de crescimento do mercado, neste caso, não é vista ao compararmos o número de unidades lançadas e comercializadas, individualmente, entre os mesmos períodos de 2016 e 2017, mas por meio da análise conjunta destes dados. De forma mais objetiva e utilizando os números divulgados pela CBIC, por meio de pesquisa realizada pela Brain, no quarto trimestre de 2016, foram lançadas 21,6 mil unidades residenciais, e comercializadas 20,9 mil. Enquanto isso, apesar de no primeiro trimestre de 2017 ter se visto número menor de lançamentos de unidades residenciais (8,2 mil unidades), foram comercializados 18,6 mil imóveis.

Em outro formato de divulgação de dados, o que se viu em 2017 foi a comercialização de unidades em volume muito acima dos lançamentos realizados na mesma época, demonstrando que a demanda de aquisição de imóveis permaneceu firme, mesmo em momento de queda na produção imobiliária. A mesma tendência se manifestou ao longo do segundo trimestre de 2017, tendo as unidades imobiliários sido comercializadas em maior volume do que as unidades lançadas.

Fora do cenário político e da análise de dados a respeito de unidades lançadas e comercializadas, merecem destaque alguns acontecimentos vistos em 2017, que tiveram início já em 2016, seja em razão das consequências provocadas neste setor, seja em razão do potencial de que interferência que possuem.

Um destes acontecimento envolve a questão dos distratos, por exemplo, cujos pedidos vistos nos últimos anos abalaram o mercado imobiliário, seja por terem colocado em risco sistêmico a produção imobiliária em escala, seja por terem dado espaço a interpretação e construção jurisprudencial de precedentes que, se mal aplicados, podem colocar em xeque a saúde e estabilidade do mercado imobiliário como um todo.

Risco sistêmico porque é de suma importância que se tenha clareza a respeito das consequências do desfazimento de contratações de aquisição de imóveis vendidos na planta, portanto em construção, em grande escala. A não continuidade dos contratos e o descumprimento da promessa feita pelos adquirentes afeta não apenas o bolso da incorporadora, diretamente, mas por óbvio, afeta as obras propriamente ditas e os demais adquirentes de imóveis do mesmo empreendimento.

Felizmente, ao longo de 2017, o volume de pedidos de distrato reduziu, se comparado ao visto nos anos de 2015 e 2016, o que indica que talvez este assunto não gere novamente o nível de reflexos antes visto no desenvolvimento das operações imobiliárias.

A publicação da Lei 13.465/17 foi outro ponto importante para o mercado, e que merece análise. Esta lei, em suma, trouxe novas regras aplicáveis para a regularização fundiária urbana. A legislação não se limitou a regrar este tema, mas também tratou de assuntos que vinham sendo objeto de discussões no mercado imobiliário por anos. Entre eles, pode-se citar o regramento da possibilidade de desenvolvimento de condomínios de lotes, o reconhecimento da legitimidade de implantação de loteamentos de acesso controlado, a revisão de determinadas regras aplicáveis à alienação fiduciária de imóveis, em especial, aquelas relativas à realização dos leilões extrajudiciais e adoção de regras que tornam viáveis, sob o aspecto operacional, a realização dos procedimentos administrativos de usucapião extrajudicial.

Sem prejuízo de tratar de diversos assuntos que atingem o mercado imobiliário, o objetivo precípuo da lei envolve interesse social de regularização de área e titulação de domínio. Aplicáveis em todo o território nacional, as normas trazidas pela legislação tem características gerais e detalham os procedimentos a serem seguidos, abrangendo medidas jurídicas, providências urbanísticas, cuidados ambientais e ações sociais necessárias à permitir que as ocupações irregulares existentes e consolidadas até o dia 22 de dezembro de 2016, sejam incorporadas e reconhecidas pelas sociedades e seus órgãos de gestão e organização como parte integrante das cidades.

De forma objetiva, define a legislação em vigor que são objetivos da Reurb, a serem observados pela União, estados, Distrito Federal e municípios:

I - Identificar os núcleos urbanos informais que devam ser regularizados, organizá-los e assegurar a prestação de serviços públicos aos seus ocupantes, de modo a melhorar as condições urbanísticas e ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior;

II - Criar unidades imobiliárias compatíveis com o ordenamento territorial urbano e constituir sobre elas direitos reais em favor dos seus ocupantes;

III - Ampliar o acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, de modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos informais regularizados;

IV - Promover a integração social e a geração de emprego e renda;

V - Estimular a resolução extrajudicial de conflitos, em reforço à consensualidade e à cooperação entre Estado e sociedade;

VI - Garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida adequadas;

VII - Garantir a efetivação da função social da propriedade;

VIII - Ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes;

IX - Concretizar o princípio constitucional da eficiência na ocupação e no uso do solo;

X - Prevenir e desestimular a formação de novos núcleos urbanos informais;

XI - Conceder direitos reais, preferencialmente em nome da mulher;

XII - Franquear participação dos interessados nas etapas do processo de regularização fundiária.

A regularização das áreas, com o novo texto legislativo, trata todos os núcleos informais que possuem características urbanas, observada a data limite de consolidação da ocupação, como aptos a serem objeto do reconhecimento pretendido, ainda que situados em zonas rurais. Tal tratamento permite, a partir de então, que vilas, povoados e quaisquer assentamentos que estejam fora do perímetro urbano (ou de expansão urbana quando assim definidos pela municipalidade) sejam objeto de regularização.

Acredita-se que com a nova lei o mercado imobiliário receba injeção de ânimo, traduzida em investimentos financeiros, seja como reflexo da comercialização e regularização de áreas antes fora do comercio por impossibilidade jurídica, seja por meio da sensação de maior segurança jurídica no desenvolvimento de empreendimentos imobiliários e/ou na instituição de garantias de alienação fiduciária.

Como terceiro elemento a ser citado na qualidade de ter interferido nas relações imobiliárias em 2017, traz-se à baila a utilização de moedas virtuais. Isso porque o aparecimento das chamadas criptomoedas já é uma realidade no mercado econômico, tendo sido fortemente utilizada, em especial, nas transações de commodities.

Nessa linha, como não se considerar sua utilização, em número crescente, para operações imobiliárias? É claro que aqui se trata de mercado com características culturais e tradicionais conservadoras, mas em contraposição a isso, há que se lembrar que o mercado virtual vem se aperfeiçoando a cada dia, sendo a tecnologia blockchain, atualmente, forme demonstrativo desta evolução e, consequentemente, do grande potencial te interferência que esta tecnologia pode provocar no mercado imobiliário.

No sentido de se verificar a credibilidade das moedas virtuais e a aceitação do mercado na sua utilização, pode-se mencionar a bitcoin, moeda digital mais famosa no mercado, que valorizou cerca de 900% ao longo do ano de 2017. Nesse sentido, declarou Ariano Cavalcanti de Paula, presidente da Rede Netimóveis, conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário e Sindicato das Empresas do Mercado Imobiliário de Minas Gerais - CMI/Secovi-MG e presidente da cooperativa de crédito Sicoob Secovicred:

“O blockchain pode mudar o mercado imobiliário de algumas maneiras, como facilitar transações imobiliárias e evitar fraudes. Ele pode possibilitar que todas as informações de uma propriedade possam ser digitalmente criptografadas, contendo informações habitacionais, financeiras, legais e estruturais, e atributos físicos que mantenham todo o histórico de transações e as transmitam perpetuamente. Além disso, oferece uma ferramenta 100% inviolável, em que o remetente e o destinatário dos fundos estão logados e os ‘certificados digitais de propriedade’ estão salvos, evitando a falsificação de títulos de propriedade, por exemplo”.

Afora os eventos notáveis de 2017 acima mencionados, também parece importante considerar as estratégias adotadas por grandes players do mercado para desenvolvimento de suas atividades ao longo do ano.

Nessa linha, nota-se que empresas atuantes especificamente na área de investimentos imobiliários propriamente ditos, enxergam o passado como período bom sob o ponto de vista de aquisição de ativos baratos, com expectativa de retornos financeiros futuros bastante rentáveis. Para estes profissionais e empresas, o valor dos ativos deixou de ser tão atraente, passando a receber maior foco de atenção as oportunidades de vendas de ativos de suas carteiras.

Agentes que atuam com fundos imobiliários estão de olho na queda da taxa de juros que se viu ao longo de 2017 e que se espera para 2018. Isso porque os fundos imobiliários podem proporcionar ganhos em valores superiores ao rendimento da taxa Selic, tornando-se ferramentas de investimento bastante interessantes, em especial para pessoas físicas, diante da possibilidade de otimização fiscal do investimento.

Incorporadores, por sua vez, indicam que o ano de 2017 foi período de observação do mercado, com lançamentos reduzidos e esforços direcionados à comercialização de estoques e equacionamento de distratos. Boa parte deles, entretanto, já manifesta interesse por novas aquisições e/ou pela adoção das providências necessárias a aprovação de projetos para lançamento de novas empreendimentos – ainda que de forma tímida ao longo dos próximos meses.

No segmento de loteamentos, o comentário geral é que o mercado sofreu de forma menos significativa do que as demais áreas do mercado. O elemento de maior relevância e interferência que se viu ao longo de 2017 teria sido o volume de distratos e a inadimplência dos adquirentes de lotes.

Assim, o ano de 2017 foi marcado por grandes acontecimentos políticos e econômicos que interferiram fortemente na evolução do mercado imobiliário. Os indicadores econômicos demonstram que o pais está em fase de início de recuperação, com curvas indicativas de crescimento, de retomada de empregos e de estabilização financeira da sociedade. Se assim for e a tendência se estabilizar, o mercado imobiliário ganhará força e terá grandes chances de reagir como se espera desde 2014, até mesmos porque, sendo o setor imobiliário um dos mais influentes da economia, os reflexos nesta área resultantes da retomada econômica são diretos, permitindo que se conclua pela melhora e recuperação do mercado imobiliário no mesmo sentido e direção.

Há que se ter em mente, entretanto, que em que pese a economia nacional estar, claramente, a caminho de apresentar resultados melhores ao longo do ano de 2018, o setor imobiliário deve reagir, talvez não no período de tempo que se gostaria, uma vez que, nesta área, os movimentos e resultados são de longo prazo. Não há como se deixar de considerar, apesar disso, que o ano de 2018 será essencial para a consolidação da retomada esperada.

Juliana Rubiniak de Araújo - Advogada, coordenadora da área imobiliária da CaselliNavarro Advogados e membro da Comissão de Direito Urbanístico do Iasp.
Fonte: Revista Consultor Jurídico

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