O sonho da casa própria não pode virar um pesadelo e existe um motivo para a revisão urgente do contrato de financiamento habitacional que você já possua ou negocia. Há uma lógica monstruosa imposta pelos bancos ao cidadão em boa parte dos acordos de compra dos imóveis que o leva a uma dívida de décadas e, na prática, sem fim. O sórdido mecanismo está na capitalização de juros compostos numa manobra matemática chamada de Tabela Price. O cálculo, desenvolvido há 300 anos pelo estatístico britânico Richard Price, visa a obtenção de “uma montanha de ouro” para os credores. O devedor tem o dinheiro assaltado do bolso porque a fórmula estipula disfarçadamente a cobrança de juros sobre juros. A ironia, price significa preço quando traduzido do inglês.
Quase todos os bancos cobram capitalização de juros com a Tabela Price, ou outras similares. Alguns a utilizam para que o fator seja multiplicado em duas vezes (outros). A Price, mais feroz, três. Como o financiamento habitacional no Brasil é feito tradicionalmente em até 30 anos, o cidadão tem uma dívida parcelada em 360 meses. Ou seja, serão 360 vezes em que os juros serão multiplicados sobre eles mesmos. O resultado é uma quitação inviabilizada por um saldo devedor que se torna 99% de juros e 1% de amortização. O passivo não diminui e a consequência, você já sabe, é a perda do imóvel em algum momento das três décadas.
Um laudo pericial apropriado, elaborado por peritos oficiais, é capaz de demonstrar se a capitalização de juros compostos, proibida pela lei, está presente no seu financiamento habitacional. Bem como expor o quanto os valores foram pagos a maior e o cálculo correto das parcelas mensais a serem pagas, com imprescindível dedução do aumento indevido. Com a documentação, o consumidor pode ajuizar um pedido para que a Justiça autorize o pagamento das prestações restantes, recalculadas pela Lei, em depósito judicial. A medida, de fato, proíbe que os bancos citados tentem qualquer atitude de cobrança, protesto ou execução.
O cliente passa a depositar a nova parcela com observância aos preceitos legais e em valores bem menores do que os taxados pelo banco. O pagamento é feito mensalmente em conta judicial e os valores ficam bloqueados até que a demanda se resolva. Geralmente, a questão é resolvida em um ano por meio de acordo com o banco que, até então, não recebe nenhum centavo. O cidadão pode pagar bem menos, ou melhor, o justo, se recorrer ao Poder Judiciário porque os cálculos, laudos, e fundamentos seguem e provam a jurisprudência pátria. Escapa do sufoco imposto pelo credor e diminui os riscos de perda do imóvel.
O financiamento habitacional se torna um monstro da capitalização de juros proibidos porque bancos persistem na ilegalidade e se fazem de desentendidos quanto à Súmula 121 do STF. O Supremo Tribunal Federal proíbe a composição de juros e define que fica vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada. No país, os imóveis são financiamentos de metade da vida do comprador a taxas de juros médias de 10% ao ano. O problema surge quando os juros são capitalizados sobre juros e a conta vira rápido contra o cidadão. Um financiamento de 30 anos, como dito anteriormente, desenvolve-se em 360 meses numa dívida que cresce até 3.600%.
Ressalta-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também reconhece a ilegalidade. Em decisão, o ministro José Delgado proíbe a capitalização de juros em financiamento habitacionais, pelo longo prazo do contrato, que cresce exponencialmente, tornando-se impagável. Atualmente, o STJ entende que o financiamento deva ser feito por juros simples. Primeiro se deduz a amortização e depois os juros. Se a prestação não quitar a parcela, os juros restantes serão listados em separado, calcula-se a correção monetária e, por fim, a dívida é capitalizada uma vez por ano.
Entretanto, a capitalização anual dos juros a parte é uma vitória parcial dos bancos, já que existe vedação total do STF. E este é outro imbróglio a ser discutido nos tribunais.
Nelson Lacerda - Sócio fundador do Lacerda & Lacerda Advogados
Fonte: Jus Navigandi
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