sexta-feira, 2 de outubro de 2015

TABELA PRICE E A CAPITALIZAÇÃO DE JUROS NO SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO


Por se tratar de direito constitucional, o direito à moradia é tão essencial quanto ao direito à vida. Logo, os contratos que permeiam a respeito deste direito devem apresentar grande facilidade a seu acesso.

O direito a moradia é de suma importância pois o ser humano necessita, para a sua sobrevivência, de um ponto fixo de localização, certo e conhecido por todos, para centrar suas atividades, realizar suas necessidades mais básicas, ter privacidade, construir sua família e guardar seus bens, enfim, ter uma referência. No entanto, o perfil dos contratos de compra de habitação e do próprio consumidor brasileiro apresentam obstáculos para o efetivo cumprimento do direito à moradia.

Primeiramente, ao analisar o perfil do tradicional consumidor brasileiro observa-se que ele gasta muito além do que ganha, e pior, gasta todo salário antes do fim do mês. Além disso, as compras com pagamento a prazo são muito comuns, o que aumenta as despesas cotidianas, e as a dificuldade de compra à vista de bens de valor elevado. Tal cenário, consequentemente, dificulta que o consumidor guarde dinheiro para comprar um imóvel à vista.

Ainda pode-se verificar que a baixa escolaridade e o elevado índice de analfabetismo funcional dificultam a compreensão sobre os custos e riscos da utilização do crédito, o que minimiza a possibilidade de decisão racional e ponderada sobre o custo-benefício das operações de crédito, aumentando o risco de superendividamento.

E não diferente de outros setores, no mercado imobiliário o consumidor também se endivida para adquirir sua casa própria e a prestação mensal decorrente do contrato celebrado passa a ser dívida constante na vida familiar.

A partir da reflexão que consiste no difícil acesso aos bens de elevado valor, vislumbra-se então que os contratos bancários no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação devem ser considerados, portanto, a principal ferramenta de acesso ao direito à moradia, tendo em vista que a maioria da população brasileira não tem a cultura de poupar para firmar contratos de grande monta com pagamento à vista.

Existem diversos sistemas de amortização para pagamento de contratos bancários. Hoje, no Brasil, majoritariamente utiliza-se a Tabela Price como sistema de amortização nos contratos do Sistema Financeiro de Habitação, o qual causa grande prejuízo aos consumidores que dele se utilizam, como será demonstrado.

Os contratos do sistema financeiro de habitação são regidos pelo CDC, e é certo que suas cláusulas têm o dever de serem claras e transparentes, possibilitando ao consumidor o entendimento pleno acerca das obrigações assumidas. A vulnerabilidade inerente ao consumidor deve ser sopesada de modo a evitar desequilíbrio nas relações de consumo.

Nesse tocante, a tabela Price é um método usado em amortização de empréstimo cuja principal característica é apresentar prestações (ou parcelas) iguais, no entanto, nessas parcelas estão inclusos os juros dos contratos de forma capitalizada.

Considerando essa vulnerabilidade inerente nas relações de consumo, o legislador pactuou no inciso III do art. 6º do CDC, ora transcrito:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

Conclui-se que a pactuação dos juros capitalizados devem ser clausula CLARA e EXPRESSA nos contratos de adesão. Não bastam instruções em letras minúsculas ou em folhetos ilegíveis, devendo as informações e advertências ser prestadas com clareza. As informações devem ser prestadas em linguagem de fácil compreensão, enfatizando-se, de forma especial, as advertências em torno de situações de maior risco.

O que não se observa nos casos em tela, pois os contratos geralmente são impressos em fonte pequena, com clausulas quase ilegíveis, onde há a previsão de juros remuneratórios capitalizados mas consta escrita em uma linguagem que não é facilmente entendida por leigos. Portanto deve ser considerada abusiva.

Portanto a controvérsia existente nos contratos do Sistema Financeiro de Habitação ocorre pois, por se tratarem de contratos que devem aumentar o acesso à população mais carente, deveriam ser os contratos com a menor capitalização de juros no Sistema Financeiro brasileiro, o que não verifica, pois, se os contratos imobiliários são os contratos de maior duração na vida dos brasileiros.

E nestes contratos, por possuírem uma vida muito longa, apresentam a maior aplicação de juros capitalizados, pois ao adotar a composição de juros, quanto maior o período de duração do contrato, maior é a disparidade entra a taxa nominal (ao mês) e a taxa efetiva (que compreende à taxa nominal, capitalizada por determinado período).

Logo, mesmo que o mutuário manifeste boa-fé e intenção de pagar o contrato, a capitalização de juros por muitas vezes, inviabiliza seu cumprimento integral e fere o equilíbrio contratual, ante a onerosidade excessiva gerada ao mutuário. Pois a redução do saldo devedor contratado é muito lenta, decorrente do fato de que, na primeira metade do contrato, pouco se amortiza da dívida, pois os juros mensais consomem parte substancial da prestação, paga pelo mutuário.

Diante disto, demonstra-se que a Tabela Price, é prejudicial ao acesso à moradia, pois é o sistema de amortização que mais capitaliza juros em todo o sistema bancário brasileiro e fortalece ainda mais as instituições financeiras.

Gabriela Carias / Fonte: Artigos JusBrasil

NOTA DO EDITOR: A Lei 4.380/1964, em sua redação original, não previa a possibilidade de cobrança de juros capitalizados, vindo essa permissão apenas com a edição da Lei 11.977/2009, que acrescentou ao diploma de 1964 o art. 15-A. Antes da vigência da Lei 11.977/2009, era vedada a cobrança de juros capitalizados em qualquer periodicidade nos contratos de mútuo celebrados no âmbito do SFH.

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