1. Introdução
Deve o perito judicial ter a necessária visão sistêmica das diferentes disciplinas envolvidas nas demandas judiciais, além do Direito, para que bem possa desempenhar o munus. Ele não é parte, não é advogado, não é juiz, dele se espera que, além de ter conhecimento técnico suficiente para o desempenho da função, tenha também facilidade de expressar-se clara e concisamente, habilidade no trato de conflitos, conhecimentos jurídicos e experiência em produção de prova pericial. Pode parecer paradoxal o fato de que um perito sempre começa sua carreira com a primeira perícia, mas atenção especial deve ser dada à nomeação de peritos inexperientes e despreparados, que via de regra conduzem a provas que não esclarecem adequadamente a matéria fática para o Juízo.
2. O perito do juízo e o perito assistente
A participação do perito judicial como auxiliar da justiça (art. 139 do CPC – Código de Processo Civil) é de grande importância na prestação jurisdicional quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico (art. 145 do CPC). Da mesma importância do mister atribuído ao perito nomeado pelo juízo, reveste-se a função do perito assistente, o qual possibilita que se instaure o contraditório na matéria técnica, para que não reine absoluto o entendimento do perito nomeado pelo Juízo, que deve ter a mesma postura de imparcialidade do Juiz que o nomeou.
O perito judicial é ser humano, sujeito a falhas por diferentes motivos. A indicação de perito assistente é de fundamental importância para dar segurança e eficiência à produção da prova pericial, cabendo-lhe fazer a interface de comunicação com o perito do juízo, já que, como é sabido, tem em princípio resistência em manter contato diretamente com as partes ou seus procuradores, os quais são parciais em relação às suas pretensões.
Em alteração ocorrida no CPC retirou-se do texto a possibilidade de se questionar a suspeição do perito assistente técnico. Nada mais correto, pois se ele é indicado pela parte, é óbvio que tem interesse que a parte que o contratou tenha sucesso. Diga-se bem claro, o perito assistente deve defender o interesse da parte que o contratou para o deslinde do processo da forma mais favorável possível, dentro dos limites da legalidade e da razoabilidade. A sua função é acompanhar o desenrolar da prova pericial, apresentar sugestões, criticar o laudo do perito nomeado e apresentar as hipóteses possíveis, desde que técnica e juridicamente sustentáveis. Havendo quesitos fora da área de especialização, o perito assistente deve esquivar-se de dar parecer técnico, emitindo apenas, caso se considere conhecedor do assunto, parecer de cunho pessoal, deixando claro que a questão deverá ser definitivamente avaliada e decidida pelo juiz da causa.
Algumas vezes argumenta-se que o assistente técnico tem dez dias após o protocolo do laudo para apresentar seu parecer, quando então faria uma análise aprofundada do trabalho pericial, tornando-se desnecessário o acompanhamento da produção da prova. O que se olvida é que quando o processo é devolvido à secretaria do juízo fica sujeito aos trâmites como conclusão, prazo para emissão de alvará de levantamento de honorários, vistas sucessivas para as partes ou outros procedimentos que impossibilitam o acesso do assistente técnico ao inteiro teor do laudo e seus anexos, assim como ao processo como um todo, única forma de desempenhar a contento a sua tarefa.
Uma forma de contornar esta possível dificuldade é ter consigo uma cópia completa do processo, dispensando o exame dos autos originais até a carga pelo Perito. É importante salientar também que o prazo para a apresentação de quesitos suplementares preclui com o protocolo do laudo, portanto se o perito do juízo entrega o laudo sem dar acesso ao perito assistente pelo menos por 48 horas (ou mais, dependendo da complexidade da prova), impede a parte de exercer o seu direito a quesitos suplementares decorrentes do texto do laudo.
O CPC continha previsão de que o perito teria que conferenciar com os assistentes técnicos antes de entregar o laudo, previsão esta que foi retirada do Código. Uma modificação do CPC, entretanto, pela Lei nº 10.358, de 27 de dezembro de 2001, introduziu o art. 431-A que prevê que “As partes terão ciência da data e local designados pelo juiz ou indicados pelo perito para ter início a produção da prova”. Entendemos, diante deste novo artigo, que o perito do juízo é quem deve entrar em contato com os assistentes técnicos para que tenham a oportunidade de participar ativamente da produção da prova, o que não elimina a necessidade de comportamento pro-ativo do perito assistente, como veremos mais adiante.
3. O parecer técnico
O principal trabalho do perito assistente não é, como acham muitos, apenas elaborar um laudo independente, um laudo divergente ou uma crítica ao laudo pericial, mas sim diligenciar durante a realização da perícia no sentido de evidenciar junto ao perito do juízo os aspectos de interesse ao esclarecimento da matéria fática sob uma ótica geral e mais especificamente sob a ótica da parte que o contratou. Somente após esgotadas todas as possibilidades junto ao perito do juízo é que caberá ao perito assistente elaborar o seu parecer técnico.
Uma questão que tem sido levantada por alguns juízes é de que o perito assistente tem a função de elaborar laudo completo apartado, caso não se contente com o trabalho elaborado pelo perito do juízo. Não entendemos desta forma, s.m.j., pois o parágrafo único do artigo 433 do CPC faculta aos peritos assistentes oferecer seu parecer no prazo de dez dias da intimação das partes sobre a juntada do laudo. Entendemos por “parecer” uma peça que tanto critique o laudo oficial, quanto apresente outras informações e alternativas de respostas aos quesitos, não necessariamente elaborando outro laudo completo. Não cabe, pois, que o juiz da causa manifeste censura à critica proferida pelo assistente técnico, como já vimos acontecer, pois o seu papel é exatamente de criticar o trabalho do perito nomeado, e não a pessoa do perito, através de parecer técnico e não exatamente de elaborar um laudo completo.
Qualquer argumentação no sentido de inquinar de vício o trabalho do assistente técnico cai por terra, pois assim como a parte que o contratou exerceu o direito de estabelecer o contraditório técnico, também a parte contrária pode exercer este direito, cabendo, a final, ao juízo, analisando o laudo do perito por ele nomeado e os pareceres dos assistentes técnicos das partes, formar seu entendimento sobre a matéria de fato. Ressalte-se que o Juízo tem ampla liberdade de formar seu convencimento, não se vinculando nem mesmo à prova pericial produzida pelo Perito Oficial (Art. 436 do CPC).
Há circunstâncias, entretanto, em que o perito assistente técnico antecipa o seu trabalho e faz o protocolo de seu parecer antes do laudo do perito nomeado pelo juiz ou então antes do prazo de 10 dias após intimadas as partes da apresentação do laudo, conforme previsto no parágrafo único do art. 433 do CPC. O procedimento é, no mínimo, anti-ético, vai na contra-mão do procedimento usual dos peritos do juízo não darem acesso à minuta do laudo pelos assistentes técnicos. Não é correta tal antecipação, s.m.j., a despeito de não gerar qualquer consequência processual. Entendemos que o perito assistente que adota este procedimento prejudica seu cliente, pois o seu parecer que deveria ser um parecer crítico ao trabalho do perito do juízo, perde força por se antecipar, por subverter a ordem processual e o bom senso. O perito assistente que assim procede perde a oportunidade de exercitar o contraditório técnico, de dialogar com o perito do juízo buscando melhor esclarecer a matéria de fato sob o ponto de vista da parte que o contratou. Não há que se argumentar que se procedeu assim por se tratar de matéria objetiva ou singela, pois é fato que os mínimos detalhes muitas vezes são objeto de longas discussões no campo jurídico.
Ao elaborar seu parecer técnico ao laudo, deve o assistente técnico abster-se de fazer referências adjetivas ao procedimento do perito do juízo, visto que lhe compete fazer críticas ao laudo resultante da prova pericial e não à pessoa do perito nomeado. Ao procurador da parte é que caberá, se for o caso, tecer considerações sobre a conduta técnica e ética do expert do juízo, restringindo-se o perito assistente à crítica técnica do documento gerado ao final da perícia. Exceção se faz à hipótese de o expert nomeado não permitir o acesso do perito assistente às diligências, aos documentos ou à minuta do laudo ou se não lhe conceder prazo suficiente para fazê-lo. É muito comum que o expert do juízo, após trabalhar longamente na preparação do laudo oficial, tenha uma certa pressa em entregar o laudo, dificultando, às vezes, o necessário acesso do assistente técnico. Neste caso cabe a este último relatar os fatos na introdução ao seu parecer, para que o juiz tome conhecimento de que a parte não teve o acesso necessário para o estabelecimento do contraditório técnico, prejudicando a ampla defesa da parte.
4. O papel do perito assistente
Ao perito assistente cabe diligenciar criteriosamente no sentido de verificar as diferentes hipóteses de abordagem da matéria técnica objeto da prova pericial, tentando fazer com que o perito nomeado pelo juízo perceba as diferentes interpretações da matéria fática sob estudo, para que não seja o seu cliente prejudicado com visões unilaterais, distorcidas da realidade ou que não sejam suficientemente abrangentes para dar ao juiz da causa subsídios amplos para o esclarecimento da matéria fática sob exame. Não há que se falar em imparcialidade absoluta do perito assistente, diferentemente do perito nomeado pelo juízo, pois a sua contratação pela parte objetiva precipuamente que acompanhe o trabalho técnico a ser desenvolvido pelo perito com os olhos voltados para as alternativas que melhor esclareçam a matéria de fato sob o ponto de vista da parte que o contratou, dando assim ao Juízo condições de tranquilamente decidir a questão sub judice.
Para que o assistente técnico possa desempenhar com perfeição o seu mister é importante que procure acompanhar todas as diligências realizadas pelo perito do juízo, ou na pior das hipóteses, antes que o laudo seja finalizado, pedir o prazo necessário ao perito para examinar as peças do processo e ter claras em mente as teses jurídicas da parte que o contratou e da parte contrária, para que possa melhor assessorar a parte, através de seu procurador, na condução da prova técnica. Fato inconteste é que após apresentado o laudo com imperfeições, torna-se mais difícil a sua retificação.
Antes mesmo do início dos trabalhos e também durante a produção da prova pericial, deve o perito assistente técnico avaliar cuidadosamente a eventual necessidade de apresentação de quesitos suplementares para melhor esclarecer a matéria, os quais somente poderão ser apresentados antes de protocolado o laudo em juízo. Após a entrega do laudo somente cabem esclarecimentos, nos termos do art. 435 do CPC. Como o perito nomeado pelo juiz deve ater-se aos quesitos formulados e não emitir juízo de valor sobre a questão examinada, cabe ao perito assistente técnico sugerir eventuais quesitos suplementares durante a perícia e em seu parecer aprofundar o estudo técnico da prova, extraindo conclusões sobre a prova produzida de modo a municiar o procurador da parte de elementos para o pedido de esclarecimentos.
Na formulação de quesitos é fundamental a participação do assistente técnico, profissional que deve ter o preparo necessário para assessorar o advogado de forma que os quesitos sejam formulados objetivamente, focados na matéria técnica e com a delimitação clara dos parâmetros a serem seguidos na perícia. É público e notório que os advogados não dominam a área técnica fora de sua área de formação, carecendo, portanto, de assessoria do perito assistente na formulação dos quesitos, evitando-se a formulação de quesitos incorretos, desnecessários, prejudiciais, impertinentes ou de mérito. Ninguém melhor que o assistente técnico, com formação específica na área técnica e com bons conhecimentos de Direito, para saber quais os elementos de prova serão necessários para o esclarecimento do juízo. A partir dos quesitos elaborados pelo assistente técnico, terá o procurador da parte a oportunidade de adequá-los ao contorno jurídico apropriado à instrução do processo.
No caso de perícias que envolvem cálculos de liquidação, por exemplo, há que se cuidar para que o termo inicial e final para a aplicação de correção monetária e juros sejam consentâneos com a decisão exequenda, assim como as verbas deferidas com suas particularidades determinadas pelas decisões judiciais. Numa perícia desta espécie é fundamental, também, que os cálculos sejam atualizados até a mesma data dos cálculos apresentados com a inicial da execução, para que o juiz da causa possa bem avaliar se houve ou não excesso de execução. É muito comum que as decisões não sejam suficientemente claras e permitam mais de uma interpretação na liquidação. Nestes casos, cabe tanto ao perito do juízo quanto ao assistente técnico, apresentar as hipóteses de interpretação das decisões exequendas, abrindo o leque de possibilidades e submetendo-o ao crivo do juiz da causa, a quem cabe a análise de Direito. Muitas vezes o perito sente-se na posição de julgar o que é legal ou correto, deixando até mesmo de responder os quesitos conforme formulados, usurpando a função do juiz.
Ao perito assistente cabe apresentar ao perito do juízo, caso este não tenha considerado em seu trabalho, estas diferentes hipóteses de interpretação, além de questionar todos os valores a fundo, a partir da origem do débito, conferindo todos os índices utilizados e sua pertinência, os termos iniciais e os cálculos efetuados, eventuais suprimentos de lacunas, passo a passo e de forma aprofundada. Caso o perito não faça esta análise abrangente da liquidação, deve o perito assistente ressaltar este fato em seu parecer, desenvolvendo os cálculos nas diferentes alternativas e submetendo à apreciação do juízo e, eventualmente, sugerir ao advogado que requeira seja determinado ao perito que desenvolva tais cálculos através dos esclarecimentos.
5. Conclusão
Do exposto conclui-se que a atuação do perito assistente técnico se reveste de importância muito maior que se presume e que as possibilidades de sua intervenção nos processos, sejam judiciais ou extrajudiciais, se ampliam num grande leque muitas vezes não percebido pelos operadores de Direito. A observância dos vários aspectos citados abre várias possibilidades para uma prestação jurisdicional mais justa e efetiva.
Gilberto Melo - Engenheiro e Advogado, Parecerista jurídico-econômico-financeiro, especialista em liquidação de sentença e cálculos judiciais, extrajudiciais e de precatórios...
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