Sabemos que o Código de Defesa do Consumidor trata de matéria especifica em que o objeto principal são as relações de consumo. No entanto, quando pensamos na aplicação do CDC nas relações condominiais, a primeira questão que enfrentamos é tocante à natureza jurídica do condomínio, mesmo porque precisamos ter ela bem clara para conseguirmos entender quais ordenamentos jurídicos podem ser aplicados ao direito condominial. Distinguir a natureza jurídica do condomínio nos ajudaria enquadrá-lo em possíveis ações consumerista. Sabemos que a grande dificuldade de definição está justamente por se tratar de uma junção do patrimônio individual (propriedades exclusivas) com o patrimônio coletivo (propriedade comum). E toda essa indefinição faz com que a legislação e a doutrina tratem o condomínio como um ente despersonalizado. Seguindo o pensamento de Caio Mario da Silva Pereira,
“O condomínio dito edilício explica-se por si mesmo. É uma modalidade nova de condomínio, resultante da conjugação orgânica e indissolúvel da propriedade exclusiva e da copropriedade”.
Diante da celeuma jurídica, o Legislativo não poderia deixar uma lacuna em relação ao assunto, e no decorrer do texto, não de maneira conclusiva, daremos alguns exemplos de leis, doutrinas e jurisprudência, a fim de proteger o condomínio da mencionada lacuna. De início apontamos o Código de Processo Civil, que inclui a possibilidade de o condomínio entrar em juízo, desde que representado pela pessoa do síndico. Vejamos:
Código de Processo Civil.
Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:
XI - o condomínio, pelo administrador ou síndico.
Com efeito, prevalece o entendimento de que o condomínio não tem personalidade jurídica, porém, está legitimado a atuar em juízo, ativa e passivamente, representado pelo síndico conforme dispõe o artigo acima. Nesse sentido o referido artigo vai ao encontro dos critérios elencados pelo Código de Defesa do consumidor ao definir quem pode ser nivelado como consumidor. Em seu art 2º o código de defesa do consumidor elenca duas espécies de consumidor:
Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se ao consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Sabemos que quando a figura do síndico representa o condomínio, em qualquer aspecto, ele está primeiramente defendendo interesses coletivos, ou seja, enquadrando-se regularmente no parágrafo único do art. 2º ultracitado. Recentemente no julgado (REsp nº 1560728 / MG) o STJ se posicionou favorável em processo demandado por condomínio contra uma construtora. Para os ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, lides entre um condomínio de proprietários e empresas podem caracterizar relação de consumo direta, o que possibilita a aplicação do Código de Defesa do Consumidor para resolver o litígio.
O Ministro relator do caso, Paulo de Tarso Sanseverino, entendeu que o conceito de consumidor previsto no CDC deve ser interpretado de forma ampla, pois o condomínio representa cada um dos proprietários, e a ação busca a proteção dos mesmos. O magistrado afirmou que tal restrição não faz sentido.
“Ora, se o condomínio detém legitimidade para defender os interesses comuns dos seus condôminos, justamente por ser constituído da comunhão dos seus interesses (artigo 12, inciso IX, do CPC/73; artigo 75, inciso XI, do NCPC), não se pode restringir a tutela legal colocada à sua disposição pelo ordenamento jurídico”, explicou.
Vejamos a ementa do julgado:
RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. DEMANDA ENVOLVENDO CONDOMÍNIO DE ADQUIRENTES DE UNIDADES IMOBILIÁRIAS E A CONSTRUTORA/INCORPORADORA. PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. COLETIVIDADE DE CONSUMIDORES. POSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS PROBATÓRIO. PRECEDENTES DO STJ. [...] 2. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao condomínio de adquirentes de edifício em construção, nas hipóteses em que atua na defesa dos interesses dos seus condôminos frente a construtora/incorporadora. 3. O condomínio equipara-se ao consumidor, enquanto coletividade que haja intervindo na relação de consumo. [...] 5. Possibilidade de inversão do ônus probatório, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC. 6. Aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova (art. 373, § 1º, do novo CPC). 7. Precedentes do STJ. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. STJ. 3ª TURMA. REsp nº 1560728 / MG) RELATOR: MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO. DJ 18/10/2016.
Essa decisão é de grande proveito aos condomínios, pois ao equipará-los a consumidor todas as benesses que envolvem esse instituto será aproveitada como, por exemplo; a facilitação de acesso à justiça, a possibilidade de escolha do foro, a rescisão do contrato em caso de descumprimento da oferta, a não vinculação do que não é informado previamente e a interpretação mais favorável ao consumidor, a inversão de ônus da prova ao fornecedor que é quem possui mais capacidade técnica e econômica frente ao consumidor, a responsabilidade objetiva do fornecedor, dilação de prazos prescricionais e decadenciais ao consumidor, salvo quando profissional liberal, reconhecimento de vulnerabilidade técnica, econômica, financeira e jurídica. Ademais, pelo artigo 7º do CDC, ainda se pode pedir emprestado direitos regulados em outras leis e que interessam ao consumidor como, por exemplo, a possibilidade de parcelamento, implícita nos artigos 478 a 480 do Código Civil. O que devemos ficar atentos é que o Código de Defesa do Consumidor só pode ser aplicado nas relações dos condomínios com terceiros, como as construtoras, incorporadoras, os fornecedores em geral, os prestadores de serviços, como assistência técnica de elevadores e segurança. E também na condição de usuários de serviços públicos, tais como energia elétrica, gás, água e esgoto.
O Código de Defesa do Consumidor não se aplica às relações estabelecidas entre condomínio e condômino!
De fato não existe relação de consumo entre o condomínio e o condômino, o que existe é uma relação de convivência. E para essa relação aplicamos legislações específicas, de forma hierárquica: a Constituição Federal de 1988, o Código Civil, o Código de Processo Civil, a lei 4591/64 que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias, a convenção condominial e o regimento interno. Outro aspecto importante está nas quotas condominiais, e o fato de essas não serem oriundas de uma relação de consumo. As quotas são um rateio das despesas do próprio condomínio, despesas de manutenção, encargos trabalhistas, e outras de interesse comum da coletividade, de acordo com o que ficou definido na convenção condominial, respeitando art. 1336 do Código Civil.
Vejamos o artigo mencionado:
Art. 1.336. São deveres do condômino:
I - Contribuir para as despesas do condomínio, na proporção de suas frações ideais;
I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção; (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)
II - não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;
III - não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;
IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
§ 1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.
§ 2º O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembléia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa.
Portanto, as quotas são cobranças para manutenção de áreas comuns. São valores aprovados em Assembleia Geral, podendo ser modificados também em Assembleia. As multas também são resultados de um fazer ou deixar de fazer aquilo que foi previsto na convenção condominial ou assembleia. Todavia, é importante ressaltar que assuntos relativos às quotas, ou multas, devem ser discutidos nas leis pertinentes, e não sobre a exegese do direito do consumidor.
O que tanto o síndico quanto os condôminos precisam ter em mente é que a convenção condominial, o regimento interno, somados a decisões tomadas em assembleias formam um corpo jurídico normativo, auto-sustentável, capaz de resolver grande parte dos problemas encontrados na relação condominial. É claro que quando não forem capazes de tutelar o problema, outras leis serão aplicadas, de forma hierárquica, de acordo com a necessidade. No entanto, o Código de Defesa do Consumidor é aplicado de forma especifica, quando o condomínio for consumidor.
Miguel Zaim – Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, Palestrante, Especialista em Direito Imobiliário, Direito e Processo Penal, Direito e Processo Civil, Direito Constitucional, Direito Tributário, e Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB Mato Grosso.
Fonte: Artigos Jus Navigandi
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