A competência constitucional para a instituição do Imposto de Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis (ITIV/ITBI) é conferida aos municípios pelo art. 156, II da CF/88, senão vejamos:
Art. 156. compete aos municípios instituir impostos sobre:
II - Transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;
Neste espeque, é cediço que a Carta Magna traça os elementos mínimos e contornos básicos que devem ser obrigatoriamente observados pelos diferentes entes tributantes na efetivação da sua competência legislativa tributária.
Ao tratar do ITBI, o constituinte estabeleceu de forma bem clara a hipótese de incidência do tributo como sendo "transmissão intervivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição. Assim, entende-se que qualquer legislação infraconstitucional que venha a distorcer o quanto disposto pela Constituição padecerá de vício insanável.
Traçando os contornos gerais desta espécie de imposto, nos termos do art. 35, inciso II, doCTN (com as suas devidas adaptações), e do art. 156, II, da CF/88, o fato gerador do ITBI é a transmissão efetiva da propriedade do bem imóvel, dos seus direitos reais (exceto os de garantia) e a cessão dos direitos de aquisição. Assim, a hipótese de incidência do imposto somente irá ocorrer quando as formas acima se concretizarem juridicamente.
No que tange especificamente à transmissão efetiva de propriedade, objetivo este da análise aqui realizada, cumpre destacar um ponto importantíssimo de influência na determinação do momento da ocorrência da hipótese de incidência do ITBI, a definição promovida pelo artigo 1.245 do Código Civil de 2002, a respeito da efetivação de transferência de propriedade, segundo o qual: “transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”.
A leitura do texto supracitado é consideravelmente cristalina ao determinar que a transferência da propriedade somente ocorrerá mediante a realização do registro do título translativo no respectivo Cartório de Registro de Imóveis.
Ao eventual questionamento se a disposição legal seria de observância pela legislação tributária na determinação do momento de incidência, o próprio Código Tributário Nacional promove a resposta em seu artigo 110, o qual determina:
Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
Isto posto, a não utilização da legislação civil que determina o alcance do instituto da transferência de propriedade se reveste de verdadeira afronta à própria legislação tributária.
A bem da verdade, verifica-se que em diversas legislações municipais ocorre a nítida exacerbação da competência ao promoverem o elastecimento do conceito trazido pela CF/88, pelo CC/02, bem como pelo CTN, pretendendo que a incidência do ITBI ora ocorra desde o momento da simples realização de contrato de compra e venda, ora da lavratura da escritura pública de permuta.
Nestas situações, ao exigir a cobrança do ITBI no momento da realização do contrato de compra e venda e/ou na lavratura da escritura pública de permuta, o Fisco Municipal antecipa – de forma arbitrária, ilegal e inconstitucional – a ocorrência do fato gerador do tributo, com a única finalidade de promover uma maior coerção ao pagamento do tributo.
Além da latente antijuridicidade exposta acima, há ainda outro fato impeditivo à incidência do imposto em momento anterior à averbação no Registro de Imóveis, qual seja, no caso exemplificado pela realização de uma operação de permuta entre um terreno e um apartamento a ser construído pela incorporadora, o bem imóvel permutado sequer existe, carecendo nessa situação hipotética, portanto, de próprio registro imobiliário de matrícula do imóvel, o que torna mais evidente a ilegalidade da cobrança do ITBI neste momento.
É importante salientar, ainda, que a hipótese de incidência do ITBI aqui defendido – quando da ocorrência da averbação no Registro de Imóveis – guarda idêntica correlação com a jurisprudência sedimentada do Supremo Tribunal Federal, de modo que apenas com o registro imobiliário do imóvel adquirido pelo contribuinte haverá a transferência da propriedade imobiliária do bem, o que atrairá a incidência do ITBI nos termos dos arts. 35, inciso II, art. 110, ambos do CTN; art. 156, II, da CF/88; e art. 1.245 do CC/02 senão vejamos:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO TRIBUTÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DEVIDO PROCESSO LEGAL. ITBI. FATO GERADOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. 1. A jurisprudência do STF se consolidou no sentido de que suposta ofensa aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e dos limites da coisa julgada, quando a violação é debatida sob a ótica infraconstitucional, não apresenta repercussão geral. Precedente: RE-RG 748.371, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, DJe 1º.8.2013. 2. A transferência do domínio sobre o bem torna-se eficaz a partir do registro público, momento em que incide o Imposto Sobre Transferência de Bens Imóveis (ITBI), de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Logo, a promessa de compra e venda não representa fato gerador idôneo para propiciar o surgimento de obrigação tributária. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE 807255 AgR, relator(a): min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 6/10/15, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-218 DIVULG 29-10-2015 PUBLIC 3/11/15)
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS. FATO GERADOR PROMESSA DE COMPRA E VENDA. IMPOSSIBILIDADE. A obrigação tributária surge a partir da verificação de ocorrência da situação fática prevista na legislação tributária, a qual, no caso dos autos, deriva da transmissão da propriedade imóvel. Nos termos da legislação civil, a transferência do domínio sobre o bem torna-se eficaz a partir do registro. Assim, pretender a cobrança do ITBI sobre a celebração de contrato de promessa de compra e venda implica considerar constituído o crédito antes da ocorrência do fato imponível. Agravo regimental a que se nega provimento (ARE 805.859-AgR/RJ, rel. min. Luís Roberto Barroso)
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO - IMPOSTO DE TRANSMISSÃO INTERVIVOS DE BENS IMÓVEIS - FATO GERADOR - CESSÃO DE DIREITOS. A cobrança do imposto de transmissão intervivos de bens imóveis está vinculada à existência de registro do instrumento no cartório competente. (AI 646443 AgR, relator(a): min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 16/12/08, DJe-075, DIVULG23-04-2009 PUBLIC24-04-2009 EMENT VOL-02357-08, PP-01702).
É este também o entendimento esposado pelo prof. Hugo de Brito Machado1:
A rigor, esse é o seu âmbito constitucional, estabelecido pelo art. 156, inciso II, da vigente Constituição Federal, dentro do qual o legislador municipal deve definir suas hipóteses de incidência. Aliás, por força do disposto no art. 146, inciso III, da Constituição Federal esse âmbito constitucional deve ser detalhado, explicitado, de sorte a evitar que os legisladores dos diversos Municípios brasileiros estabeleçam tratamento diferentes, como atualmente se está verificando, com a lei de alguns Municípios colocando entre as hipóteses de incidência do ITBI a promessa de compra e venda, que nos parece estar fora do âmbito constitucional desse imposto.
Diante de todo o exposto, verifica-se que a legislação municipal que determina momento anterior ao registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis extrapola a competência outorgada pela Constituição e tenta fazer incidir o imposto sobre fato não autorizado pelo texto constitucional e legal (CTN e CC/02), restando evidente a inconstitucionalidade e ilegalidade do texto legal pelos motivos acima aduzidos, ocorrendo, portanto, a hipótese de incidência apenas com o registro da transferência no Registro de Imóveis.
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1 Curso de Direito Tributário, 28ª edição, São Paulo: Malheiros, 2007, p. 415
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Igor Bastos de Almeida Dias é advogado tributarista da Mosello Lima Advocacia.
Fonte: Migalhas de Peso
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