I – A ALTERAÇÃO POR INEXATIDÃO E RETIFICABILIDADE: OS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO E DA FÉ PÚBLICA
Como ensinou Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, volume XX, pág. 147, ed. Bookseller) se o registro não reflete a verdadeira história do imóvel(eg, faltou ou foi nulo o acordo de constituição, faleceu ou incorreu em falência a pessoa que figura como sujeito no registro, nunca existiu o crédito, ou j á não existe), tem o interessado na coincidência do registro com a situação jurídica verdadeira a pretensão à retificação. Tal pretensão é imprescritível, mas preclui sempre que a fé pública protege contra qualquer retificação, o terceiro. Daí ser de todo o interesse que os legitimados à retificação a promovam o mais cedo possível para que não se torne intempestiva.
Ensinou ainda Pontes de Miranda(obra citada, pág. 148) que quem tem a pretensão à verificação, ou exige e obtém da pessoa que figura no registro a colaboração na retificação, ou propõe a ação de retificação. A ação de retificação é ligada ao direito real que a inexatidão do registro ofende. Tem-na o titular do direito real sobre coisa imóvel se há engano no registro, que não corresponde à realidade.
A retificação pode ser feita enquanto não se opõe um direito de terceiro.
A retificabilidade cessa se alguém adquire direito que não depende da exatidão do registro.
Se a retificação é de erro evidente, de modo que não possa prejudicar a terceiro à correção, incide o § 1º do artigo 213 da Lei nº 6.015/73, onde lá se diz:
“ 1º Uma vez atendidos os requisitos de que trata o caput do art. 225, o oficial averbará a retificação. (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)”.
O Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939, artigo 227, já advertia que o registro do processo de retificação pode ser ordenado de ofício.
Os gastos que resultem da retificação correm por conta de quem a pediu, salvo se é caso de responsabilidade de ato ilícito extraprocessual ou ainda o constante nos artigos 31 ou 35 do CPC de 1973.
Na Alemanha a ação de retificação é imprescritível (§ 898 do Código Civil alemão) e vigora em favor dos herdeiros da pessoa indevidamente inscrita.
Lecionou Afrânio de Carvalho (Registro de Imóveis, 2ª edição, pág. 170) que a retificação destina-se a assegurar o direito do prejudicado pela inexatidão do registro, isto é, daquele que, titular da propriedade, da hipoteca, de outro direito real como a propriedade fiduciária, por exemplo, o vê violado pela inscrição que, de qualquer modo, o nega. A violação prejudicial ao titular cria entre este e o violador um vínculo obrigacional, do qual o primeiro é o sujeito ativo e o segundo o sujeito passivo, facultando a ação conta este, para obter, amigável ou judicialmente, a restauração do direito violado.
Assim ensinou Afrânio de Carvalho que “a restauração do direito violado pela inexatidão do registro pode dar-se primeiramente mediante acordo entre as partes interessadas em virtude do qual o beneficiário da inscrição inexata, reconhecendo a sua inexatidão, autorize o seu cancelamento, solicitando, conjuntamente com o verdadeiro titular do direito, a retificação do registro, ressalvados os direitos que intercorrentemente hajam adquirido terceiros, entre os quais, por exemplo, o do credor de uma hipoteca constituída por herdeiro aparente. Assim a retificação não pode ser promovida ex officio devido ao principio da instância, abrem-se ao verdadeiro titular do direito duas vias: a amigável, que finda na autorização pertinente ao titular falsamente inscrito e a contenciosa, que termina no mandado judicial(mandamental) ao Registro de Imóveis, como se lê de Serpa Lopes (Registros Públicos, 2ª edição, volume IV, n. 705 a 713).
Assim ao ensejar que a presunção de veracidade do registro seja destruída pela retificação do prejudicado, já o Código Civil de 1916 valia-se de um preceito, o do artigo 860, ao contrário do seu congênere alemão, que, após a declaração principal concernente à retificabilidade do registro inexato de um direito sobre imóvel ou sobre direito (§ 894).
É importante, sob o império dos princípios da presunção e da fé pública, aduzir que a inexatidão do registro enseja, pois, ao titular do direito a faculdade de propor a ação de retificação, a fim de que o registro volte a refletir a situação jurídica real. A restauração do paralelismo entre e a realidade condiz com o princípio da legitimidade, em virtude do qual toda inscrição há de apoiar-se em declaração de vontade válida e em faculdade de disposição, como se lia dos artigos 530, I, 676, combinado com o artigo 834, do Código Civil revogado.
Mas tenha-se em mente que a retificação, no direito brasileiro, se exerce em maior amplitude do que no direito alemão, porquanto vigia a regularidade dos dois estágios em que se desdobra a inscrição, a saber, o da formação do título e do lançamento da inscrição, avançando até a menção dos fatos entremeados no título.
É missão do registro assegurar os direitos inscritos, não os fatos mencionados na inscrição. Os direitos inscritos é que gozam da presunção de pertencerem àqueles em cujo nome se acham no livro. A presunção é verdadeira cidadela que somente poderia ser destruída por meio de ação contenciosa e ordinária. A contradita exclui a fé pública da inscrição.
A título de proprietário possui aquele que, além da posse, tem a inscrição do imóvel, pelo que, com base nesta, pode estabelecer um direito real, como o da hipoteca.
II – UM PROBLEMA E SOLUÇÕES APRESENTADAS
Veja-se então o seguinte problema:
A, B, C, D e E constam em certidão emitida por um Cartório de Imóveis competente para inscrição desses imóveis, sob fé pública, mas uma delas, por exemplo, C, já está morta e consta como titular de uma fração do imóvel.
Que fazer? Dividir simplesmente essa fração do de cujus aos demais e somar a cada um dos coherdeiros?
Parece-nos que essa não é a solução.
A exemplo do Direito Alemão, o Direito Brasileiro adota o princípio da legalidade em virtude do qual a validade da inscrição depende da validade do negócio jurídico que lhe dá origem e da faculdade de disposição do alienante. No Direito Alemão, porém, põe-se esse negócio jurídico na figura artificial de um acordo jurídico-real-abstrato, por força do qual as partes, perante a autoridade, meramente, dão seu consentimento à inscrição. No Direito Brasileiro, há um acordo jurídico-obrigacional, em que as partes dão o seu consentimento a todas as estipulações entre elas ajustadas.
A inscrição, seja no Direito Brasileiro, seja no Direito Alemão, não tem o efeito saneador de passar a esponja sobre o passado, não torna liquido o domínio ou outro qualquer direito real.
A inscrição tem um efeito constitutivo para aquisição do direito real sobre coisa imóvel, mas não tem o saneador, isto porque o lugar da tradição em virtude da qual o alienante não transmite senão o direito que lhe assiste, pelo qual, se nenhum lhe assiste, nenhum transmite. Assim, quem quer que, fiado na inscrição, adquire a propriedade ou outro qualquer direito real está exposto ao risco de ver contestada a sua aquisição, se o alienante inscrito no registro não era o verdadeiro titular: a aparência registral é sobrepujada pela realidade jurídica.
Não adianta ao proprietário utilizar-se do que se tem como presunção criada em seu benefício.
Assim porque há o princípio da legalidade no Registro de Imóveis, que determina o exame prévio da legalidade dos títulos na medida em que se visa a estabelecer a total confiança no seus serviços.
O princípio da legalidade está exposto na Lei dos Registros Públicos, Lei n. 6015, e suas alterações, onde se dispõe sobre a exigência do registrador e o processo de dúvida.
Desta forma a transmissão imobiliária se dá no sistema registral imobiliário em duas fases: a primeira da obrigação de transmitir, constante do título causal; a segunda de sua concretização em direito real, que emerge da inscrição, que fez surgir a pratica de inserir nos contratos de compra e venda e de mútuo com garantia de hipoteca ou ainda de garantia da propriedade fiduciária, a cláusula de ficar retida a prestação do preço ou do empréstimo, até que se haja efetuado a inscrição.
A fase de transição tende a encurtar com a obrigatoriedade de serem os títulos notariais e judiciais passados à vista de certidão do registro imobiliário, a original da matrícula ou outra atualizada(artigo 225).
Veja-se, outrossim, o artigo 229:
Art. 229 - Se o registro anterior foi efetuado em outra circunscrição, a matrícula será aberta com os elementos constantes do título apresentado e da certidão atualizada daquele registro, a qual ficará arquivada em cartório. (Renumerado do § 1º do art. 225 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975).
Marca-se um prazo de vigência, se não for contemporânea a matrícula, dentro do qual, para a proteção da boa-fé dos negócios, não se expedirá outra sem que dela conste a expedição da anterior, para o que será esta lançada em averbação na folha do imóvel.
Na lição de Tito Fulgêncio (Hipoteca, São Paulo, 1928, pág. 322), o registrador deve se ater, no exame da legalidade, às nulidade de pleno direito, que são pronunciáveis de ofício, se ater às anulabilidades, como ensinou Pontes de Miranda(Tratado de Direito Privado, volume 11, § 1.233, pág. 279).
Filadelfo Azevedo (Registro de Imóveis. Valor da transcrição, 1942, n. 35, pág. 53) já entende que o exame da legalidade chegue até às anulabilidades, desde que estas se origem de um vício visível, ostensivo na face do instrumento como a incapacidade das parte ou defeito extrínseco, do ato, só não atingindo o vício invisível ou subjetivo, oculto na vontade das partes, como erro, dolo, simulação, fraude, uma vez que eles dependem de comprovação.
De algum tempo, há uma prática dos cartórios, onde se tem que o exame da legalidade dos títulos, e, por conseguinte, o levantamento das dúvidas deve ultrapassar as nulidades para alcançar as anulabilidades ostensivas.
Veja-se o artigo 221 da Lei que enumera os títulos que poderão ser objeto de registro:
Art. 221 - Somente são admitidos registro: (Renumerado com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975).
I - escrituras públicas, inclusive as lavradas em consulados brasileiros;
II - escritos particulares autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, com as firmas reconhecidas, dispensado o reconhecimento quando se tratar de atos praticados por entidades vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação;
III - atos autênticos de países estrangeiros, com força de instrumento público, legalizados e traduzidos na forma da lei, e registrados no cartório do Registro de Títulos e Documentos, assim como sentenças proferidas por tribunais estrangeiros após homologação pelo Supremo Tribunal Federal;
IV - cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de autos de processo.
V - contratos ou termos administrativos, assinados com a União, Estados, Municípios ou o Distrito Federal, no âmbito de programas de regularização fundiária e de programas habitacionais de interesse social, dispensado o reconhecimento de firma; e (Redação dada pela Medida Provisória nº 700, de 2015)
VI - contratos ou termos administrativos, assinados com os legitimados a que se refere o art. 3º do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, no âmbito das desapropriações extrajudiciais. (Incluído pela Medida Provisória nº 700, de 2015)
§ 1º Serão registrados os contratos e termos mencionados no inciso V do caput assinados a rogo com a impressão dactiloscópica do beneficiário, quando este for analfabeto ou não puder assinar, acompanhados da assinatura de 2 (duas) testemunhas. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)
§ 2º Os contratos ou termos administrativos mencionados no inciso V do caput poderão ser celebrados constando apenas o nome e o número de documento oficial do beneficiário, podendo sua qualificação completa ser efetuada posteriormente, no momento do registro do termo ou contrato, mediante simples requerimento do interessado dirigido ao registro de imóveis. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)
§ 3º Os contratos e termos administrativos mencionados no inciso VI deverão ser submetidos à qualificação registral pelo Oficial de Registro de Imóveis, previamente ao pagamento do valor devido ao expropriado. (Incluído pela Medida Provisória nº 700, de 2015)
Mas a enumeração dos direitos registráveis da Lei de Registros é taxativa e não exemplificativa.
Na lição de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil, volume IV, 2ª edição, pág. 118) registra-se a sentença, que, nos inventários e partilhas adjudica bens de raiz em pagamento de herança, caso em que a sentença produz o efeito de uma alienação inter vivos, aidna que o beneficiado seja o herdeiro. Os bens integram o espólio, e, nesta qualidade, eram dos herdeiros. Reembolsando a quem exonerou a herança de encargos, a sentença lhe atribui um bem de espólio como solução de um débito do monte, e investe o credor na propriedade exclusiva do que até então se achava em estado indiviso. Sendo ele imóvel, a respectiva carta de adjudicação constitui título a ser transcrito, como ensinou Filadelfo Azevedo (Registro de Imóveis, pág. 62).
Fácil é entender que o princípio da legalidade exige título próprio para inscrição no Registro de Imóveis.
Mas, daí, poder-se-á dizer que será necessário que se peça uma sobrepartilha desse bem que fora anteriormente partilhado? Entendo para o caso enfrentado que não.
Ora para o caso não parece ter existido sonegação, que é pena no direito sucessório.
Ocorre a sonegação quando bens do espólio são dolosamente ocultados para não se submeterem ao inventário e a colação(obrigação e reciprocamente o direito, que liga os herdeiros e os descendentes, chamados à sucessão do mesmo ascendente, em virtude da qual cada um deve conferir na massa a dividir as doações que lhe foram feitas pelo defunto). Nesse último caso, o conceito, no qual se inspira o instituto é o de que o ascendente, ao doar em vida a seus filhos ou descendentes, tenha querido simplesmente antecipar-lhes no todo ou em parte a porção que com a sua morte lhe caberia, isto é, que não tenha pretendido procurar-lhes uma vantagem sobre os outros coherdeiros na sua futura sucessão. Na verdade, quando uma doação tivesse sido feita pelo pai a um dos filhos e todos, compreendido o filho donatário, viessem depois à herança para a dividir tal como restava, deduzida pois da doação, o tratamento seria mais favorável para este filho, que além de uma quota ideal no acervo, lucraria os bens recebidos por doação. Com a colação, como ensinou Roberto de Ruggiero (Instituições de direito civil, 3ª edição, volume III, tradução Ary dos Santos, pág. 461), apresenta-se um instituto que se destina a remover a desigualdade entre coherdeiros do de cujus, mas desaparece quando não conste, e na parte em que conste, uma vontade contrária do defunto.
A sonegação de bem pelo inventariante não se concretiza pela simples omissão no declarar a sua existência. A sonegação é a ocultação maliciosa (TJSP, Ap. 285.094, RT 533/79).
Em relação ao elemento subjetivo, na doutrina, Euclides de Oliveira, Sebastião Amorim (Inventários e partilhas. 20. ed. São Paulo: Leud, 2006, p. 363), Maria Helena Diniz (Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 6: Direito das sucessões, p. 391), Zeno Veloso (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 21, p. 398), Dimas Messias de Carvalho e Dimas Daniel de Carvalho (Direito das sucessões. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, v. III, p. 287-288) entendem pela necessidade da prova do dolo por quem alega a ocultação. Essa também é a posição doutrinária deste autor, em obra sobre o tema (Flávio Tartuce. Direito civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, v. 6: Direito das sucessões, p. 584).
A lei pune a sonegação de duas maneiras:
Se o sonegador é apenas o herdeiro, perderá o direito sucessório sobre o objeto sonegado; se já não mais o tiver em seu poder, terá de pagar ao espólio o respectivo valor mais as perdas e danos;
Se o herdeiro também for inventariante, além da perda do direito mencionado, sofrerá a remoção do cargo.
Temos da redação do artigo 1.992 do Código Civil:
Art.1.992. O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário quando estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de outrem, ou que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia.
Tem-se no artigo 669 do Código de Processo Civil:
São sujeitos à sobrepartilha os bens:
I - sonegados;
II - da herança descobertos após a partilha;
III - litigiosos, assim como os de liquidação difícil ou morosa;
IV - situados em lugar remoto da sede do juízo onde se processa o inventário.
Parágrafo único. Os bens mencionados nos incisos III e IV serão reservados à sobrepartilha sob a guarda e a administração do mesmo ou de diverso inventariante, a consentimento da maioria dos herdeiros.
Por certo, a exigência de sobrepartilha de direitos e créditos discutidos em juízo onera o trâmite processual da ação, notadamente para o caso de demandas coletivas ou litisconsórcios numerosos, bem como desnatura os princípios da celeridade processual e da instrumentalidade das formas.
Para o caso em discussão há evidente imperfeição, pelo fato de constar no Registro do Imóvel, como titular, pessoa morta como titular de uma parte do bem imóvel.
Desde já, diga-se que não se trata de bem da herança descoberto após a partilha. Por óbvio, no exemplo, não se trata de bem litigioso e nem sujeito à local remoto.
Observo, na matéria, importante nota no site Migalhas, em 15 de dezembro de 2014, em que se disse: :
“O juiz de Direito Cristiano Cesar Ceolin, da 1ª vara de Mairiporã/SP, julgou procedente pedido formulado em procedimento de jurisdição voluntária de dúvida para autorizar a retificação, por escritura pública, de Formal de Partilha em processo de inventário judicial. O pedido de retificação foi negado pelo Oficial de Registro de Imóveis da comarca pela ausência de previsão legal.
Segundo o magistrado, por analogia à possibilidade da sobrepartilha por escritura pública, é razoável, a partir da vigência da lei 11.441/07, admitir a possibilidade de retificação da partilha do mesmo modo que se faz a própria partilha, ou seja, “por escritura pública que, em caso de retificação, será de aditamento retificativo à partilha realizada.”
O juiz Cristiano Cesar Ceolin ainda ressaltou que é possível, e de ocorrência comum, uma situação de erro, omissão, ou imperfeição em partilha homologada em processo de inventário ou arrolamento.
"Uma escritura pública, a partir da vigência da lei 11.441/07, quando todas as partes interessadas forem maiores e capazes e entre elas existir consenso, se apresenta como um meio adequado para a necessária retificação da partilha efetivada com erro ou imperfeição."
Seria errôneo proceder a pedido de registro de imóvel envolvendo imperfeição, onde conste como titular pessoa morte, sem que se atualize essa parte, mediante correta partilha. Se apresentada a Cartório de Imóveis, certamente, seria objeto de procedimento de dúvida.
Sabe-se que quando o respectivo Formal de Partilha ou Carta de Sentença for efetivamente apresentado ao oficial de registro de imóveis, no processo de qualificação registrária, a imperfeição pode vir a ser percebida e, diante de tal situação, enquanto não superada, não será permitido o acesso ao registro imobiliário e a efetiva transmissão da propriedade do bem imóvel partilhado.
Em correta simples tem-se daquela decisão:
“O legislador previu no artigo 1.040 do Código de Processo Civil a possibilidade da realização de sobrepartilha para o acréscimo de bens ou direitos ao inventário. No uso de suas atribuições, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução n° 35, definiu claramente a competência do tabelião para realizar sobrepartilhas. Por sua vez, para retificação dos erros verificados na descrição dos bens, previsão do artigo 1028 do CPC, o instrumento adequado, de regra, é o aditamento retificativo, que sempre se fez no seio do processo, sob a exclusiva dependência da tutela do juiz do feito. Resta analisar, tão somente, a forma como esta deverá ocorrer para adquirir a eficácia necessária. Trata-se de uma questão fundamental, pois o respeito à forma prescrita para o ato é requisito de validade do mesmo. Ao meu sentir, por analogia à possibilidade da sobrepartilha por escritura pública, é razoável, a partir do início da vigência da Lei n° 11.441, de 04 de janeiro de 2007, admitir-se a possibilidade de retificação da partilha do mesmo modo que se faz a própria partilha, ou seja, por escritura pública que, em caso de retificação, será de aditamento retificativo à partilha realizada.
Se, a partir da vigência da Lei n° 11.441/07, que inegavelmente tem caráter procedimental, a escritura pública lavrada em tabelionato é forma capaz de efetivar partilha entre maiores e capazes, quando entre todos os interessados existir consenso, ela também será apta à realização de sobrepartilhas, como expressamente afirma o Conselho Nacional de Justiça (art. 25 da Resolução 35), e também para retificações de partilhas. Na medida em que a Lei n° 11.441/07 conferiu ao tabelião, por meio da realização de escritura pública, capacidade para praticar atos tipicamente processuais, conferindo-lhe competência para a realização de Inventários e separações, exigindo, entretanto, em exceção à regra geral da atividade notarial, como condição de validade do ato e para maior segurança jurídica, a assistência de advogado, implicitamente atribuiu à escritura pública capacidade de rescindir e, evidentemente, de alterar e retificar partilhas e atos em que a sentença existente seja meramente homologatória da vontade dos interessados. Contrariamente a tais argumentos, seria possível argumentar que, a teor do disposto no já citado artigo 1028 do Código de Processo Civil, toda e qualquer emenda deve ser feita, necessariamente, nos mesmos autos de inventário e que, portanto, não seria possível o uso de escritura pública para qualquer espécie de retificação de inventário ou partilha. Este dispositivo, entretanto, deve ser interpretado de maneira flexível e em consonância com os objetivos da Lei n° 11.441/07 e de todo esforço que se realiza na atualidade para tornar a justiça mais ágil e acessível ao cidadão. Esta foi a interpretação do Conselho Nacional de Justiça, e do Grupo de Estudos criado pela C. G. J. de São Paulo, ao fazer constar expressamente que sobrepartilha é possível ser realizada por meio de escritura pública.”
Uma escritura pública, a partir da vigência da Lei 11441/07, quando todas as partes interessadas forem maiores e capazes e entre elas existir consenso, se apresenta como um meio adequado para a necessária retificação da partilha efetivada com erro ou imperfeição.
Será caso de registro de escritura pública retificatória feita pelos herdeiros, capazes, em Cartório, em havendo consenso com relação ao negócio jurídico pactuado.
Situação como essa poderá ocorrer diante de óbitos de vários herdeiros, que sucedam um deles, durante o inventário ou arrolamento amigável, ficando a cota de cada herdeiro objeto de diversas mudanças no seu transcorrer.
Obedecidos estarão os princípios da instância, presunção, fé pública, legalidade (artigo 221, I, da Lei nº 6.015/73), dentre outros, de forma a que se proceda essa retificação devida apresentada no problema acima.
Por sua vez, no direito tributário pátrio, diante da mudança de titulares, poder-se-á pensar no fato gerador próprio para o imposto transmissão causa mortis.
Daí se tem da Lei nº 11.441/07:
Art. 2º O art. 1.031 da Lei no 5.869, de 1973 – Código de Processo Civil, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 2º O art. 1.031 da Lei no 5.869, de 1973 – Código de Processo Civil, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 1.031. A partilha amigável, celebrada entre partes capazes, nos termos do art. 2.015 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, será homologada de plano pelo juiz, mediante a prova da quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, com observância dos arts. 1.032 a 1.035 desta Lei.
III – PRINCIPIO DA CONTINUIDADE E SUA APLICAÇÃO PARA O CASO
Com a negociação feita através de escritura pública, obedecendo aos ditames civis, se dará pela efetividade ao princípio da continuidade.
Como expôs Nicolao Balbino Filho (Direito imobiliário registral, 2012), o princípio da continuidade no direito pátrio compreende as seguintes espécies: a) trato sucessivo formal, quando o titular anterior ao atual figura no registro no assento distinto e exclusivo; b) trato sucessivo e material, quando, com precedência à nova situação jurídica imobiliária, comprova-se a legitimidade do titular anterior; c) trato sucessivo voluntário quando o consentimento é outorgado pelo titular registral; d) trato involuntário, quando o consentimento é suprimido judicialmente.
Assim tem-se no princípio da continuidade:
A história registral de cada imóvel;
Cada título registrado e cada assento pertence a um titular, um sujeito de direito a quem se atribuem os direitos constantes no registro.
Rogério Tadeu Romano - Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.
Fonte: Artigos Jus Navigandi
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