1 Direito de Vizinhança: Ponderações Inaugurais
Ab initio, evidenciar se faz carecido que o direito de vizinhança alberga uma gama de limitações, estabelecidas, de maneira expressa, pelos diplomas legais em vigor, que cerceiam, conseguintemente, o alcance das faculdades de usar e gozar por parte de proprietários e possuidores de prédios vizinhos, estabelecendo um encargo a ser tolerado, com o objetivo de resguardar a possibilidade de convivência social e para que haja o mútuo respeito à propriedade. “Cada proprietário compensa seu sacrifício com a vantagem que lhe advém do correspondente sacrifício do vizinho”[1]. Cuida anotar que se não subsistisse tais termos limitadores, cada proprietário poderia utilizar de seu direito absoluto, na colisão de direitos todos restariam tolhidos de exercerem suas faculdades, eis que as propriedades aniquilar-se-iam. Há que se destacar, também, que o direito de vizinhança tem como fito maciço a satisfação de interesses de proprietários opostos, o que se efetiva por meio das limitações ao uso e gozo dos proprietários e possuidores.
Nessa trilha de exposição, saliente-se que há restrições decorrentes da necessidade de conciliar o uso e gozo por parte de proprietários confinantes, vez que a vizinhança, por si, é uma fonte permanente de conflito. Como bem aponta Monteiro Filho, ao lecionar acerca da essência do tema em comento, “trata-se de normas que tendem a compor, a satisfazer os conflitos entre propriedade opostas, com o objetivo de tentar definir regras básicas de situação de vizinhança”[2]. Imprescindível se faz anotar que o conflito de vizinhança tem sua origem, intimamente, atrelada a um ato do proprietário ou possuidor de um prédio que passa a produzir repercussões no prédio vizinho, culminando na constituição de prejuízos ao próprio imóvel ou ainda transtornos a seu morador. Além do pontuado, prima gizar que o direito de vizinhança contempla uma pluralidade de direitos e deveres estabelecidos em relação aos vizinhos, em razão de sua específica condição.
Mister se faz colacionar ainda que o “objeto da tutela imediata do legislador com os direitos de vizinhança são os interesses privados dos vizinhos”[3]. Doutra banda o escopo mediato da norma assenta na essencial manutenção do princípio da função social da propriedade, eis que a preservação de relações harmoniosas entre vizinhos se apresenta como carecido instrumento a assegurar que cada propriedade alcance o mais amplo uso e fruição, obtendo, desta forma, os objetivos econômicos ao tempo em que salvaguarda os interesses individuais. “O direito de vizinhança é o ramo do direito civil que se ocupa dos conflitos de interesses causados pelas recíprocas interferências entre propriedades imóveis próximas”[4].
Em evidência se faz necessário colocar que a locução “prédio vizinho” não deve ser interpretada de maneira restritiva, alcançando tão somente os prédios confinantes, mas sim de modo expansivo, já que compreende todos os prédios que puderem sofrer repercussão de atos oriundos de prédios próximos. Há que se citar, por carecido, o robusto magistério de Leite, no qual a definição de imóveis confinantes não se encontra adstrito a tão somente aos lindeiros, “mas também os que se localizam nas proximidades desde que o ato praticado por alguém em determinado prédio vá repercutir diretamente sobre o outro, causando incômodo ou prejuízo ao seu ocupante”[5]. Neste diapasão, infere-se a possibilidade de sofrer interferências provenientes de atos perpetrados em outros prédios apresenta-se como suficiente a traçar os pontos delimitadores do território do conflito da vizinhança.
Denota-se, desta sorte, que a acepção de vizinhança se revela dotada de amplitude e se estende até onde o ato praticado em um prédio possa produzir consequências em outro, como, por exemplo, é o caso do barulho provocado por bar, boate ou ainda qualquer atividade desse gênero, o perigo de uma explosão, fumaça advinda da queima de detritos, badalar de um sino, gases expelidos por postos de gasolina, dentre tantas outras hipóteses, em que se apresenta uma interferência de prédio a prédio, não importando a distância, acabam por ensejar conflito de vizinhança. Neste alamiré, com o escopo de fortalecer as ponderações já acinzeladas, quadra trazer à colação o seguinte entendimento jurisprudencial:
“Ementa: Direito de Vizinhança. Obrigação de Fazer. Chaminé. Fumaça. Uso Anormal de Propriedade. Chaminé do imóvel vizinho em altura inferior ao telhado da casa lindeira. Terreno em declive. Fumaça exalada em direção à residência da autora que inviabiliza a abertura de janela. Uso anormal da propriedade. Art. 1.277, CCB. Prova documental e testemunhal que comprova os fatos alegados. Princípio da imediação da prova aplicado no caso concreto. Sentença de procedência mantida. Negaram provimento.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Décima Nona Câmara Cível/ Apelação Cível Nº. 70035708205/ Relator: Desembargador Carlos Rafael dos Santos Júnior/ Julgado em 25.05.2010).
As relações de vizinhança estimulam divergências que alcançam dimensões desproporcionais aos interesses materiais disputados, uma anormalidade que ocorre pelo recrudescimento dos sentimentos agastados pela proximidade indesejada e ou intolerável. Não raro, uma disputa por insignificantes centímetros de áreas consome anos de litigiosidade, criando despesas vultosas, sem que se possa compreender a razão de tanto empenho por uma situação jurídica que sequer dano efetivo causa. Portanto, é real a possibilidade de se verificar abuso do direito em assuntos do gênero; às vezes, o acirramento dos ânimos dos litigantes inebria a racionalidade.
2 Breve Análise acerca da Natureza Jurídica do Direito de Vizinhança
In primo oculi, reconhecer se faz imprescindível que houve rotunda discussão acerca da natureza jurídica do direito de vizinhança, havendo defensores da natureza obrigacional dos direitos de vizinhança, enquanto outros sustentavam o caráter real dos aludidos direitos. Entrementes, as discussões supramencionadas não prosperaram por longo período, sendo, ao final, pela doutrina majoritária, adotada acepção do direito de vizinhança enquanto detentor de essência de obrigação propter rem, pois se vinculam ao prédio, assumindo-os quem quer que se encontre em sua posse. Nesta toada, há que se citar o entendimento estruturado por Waquin, no qual:
“[...] a natureza jurídica destes direitos [direitos de vizinhança], na opinião majoritária da doutrina, é que tratam-se (sic) de obrigações propter rem, ‘da própria coisa’, advindo os direitos e obrigações do simples fato de serem os indivíduos vizinhos”[6].
A característica mais proeminente, no que concerne ao direito de vizinha, tange ao fato dos sujeitos serem indeterminados, já que o dever não incide imediatamente sobre específica pessoa, mas a qualquer um que se vincule a uma situação jurídica de titularidade de direito real ou parcelas dominiais, como se infere no caso do usufrutuário, ou mesmo a quem exerça o poder fático sobre a coisa, como se verifica na hipótese do possuidor. A restrição, deste modo, acompanha a propriedade, mesmo que ocorra a alteração da titularidade, sendo suficiente que o imóvel continue violando o dever jurídico contido no arcabouço normativo.
Além disso, cuida anotar, por necessário, que o sucessor terá os mesmos direitos e obrigações do sucedido perante os vizinhos. Leciona Silvio Rodrigues que “o devedor, por ser titular de um direito sobre uma coisa, fica sujeito a uma determinada prestação que, por conseguinte, não derivou da manifestação expressa ou tácita de sua vontade”[7]. Nesta situação, o que torna o proprietário ou possuidor do imóvel devedor é a circunstância de ser titular do direito real. São excluídas, desta feita, dos conflitos de vizinhança, as situações nas quais se verifica a chamada interferência direta ou imediata. Há que se elucidar, ao lado do pontuado, que a aludida modalidade de interferência tem assento quando seus efeitos já tem início no prédio vizinho, como ocorre quando há canalização para que a fumaça seja lançada diretamente no prédio vizinho. Doutro modo, a interferência é mediata quando tem início no prédio de quem a causa e, posteriormente, é transmitida ao prédio alheio. Por oportuno, quando se trata de interferência imediata, o que se tem, na realidade, é ato ilícito, robusta violação da propriedade alheia, que como tal deve repelida, alocando-se fora da área da vizinhança.
Urge verificar que as limitações oriundas do direito de vizinhança afetam, de modo abstrato, a todos os vizinhos, contudo só alcança a concretização em face de alguns. Isto é, os direitos de vizinhança são potencialmente indeterminados, porém só se manifestam em face daquele que se encontre diante da situação compreendida pelo arcabouço normativo. “Ademais, os direitos de vizinhança são criados por lei, inerentes ao próprio direito de propriedade, sem a finalidade de incrementar a utilidade de um prédio”[8], entrementes com o escopo de assegurar a convivência harmoniosa entre vizinhos. Nessa toada, os direitos de vizinhança podem ser gratuitos ou onerosos, sendo verificada a primeira espécie quando não gera indenização, sendo compensados em idêntica limitação ao vizinho, já a segunda espécie tem descanso quando a supremacia do interesse público estabelece uma invasão na órbita dominial do vizinho para a sobrevivência do outro, afixando-se a devida verba indenizatória, eis que inexiste a reciprocidade.
Calha gizar que os direitos de vizinhança onerosos se aproximam das servidões, não em decorrência de darem azo a novas espécies de direitos reais, mas pela imposição do arcabouço jurídico de deveres cooperativos de um vizinho, no que concerne ao atendimento da necessidade de outro morador. Desta feita, a propriedade de uma pessoa passa a atender aos interesses de outrem, que poderá extrair dela as necessidades. Trata-se, com efeito, de maciça valoração dos postulados de solidariedade, os quais condicionam à propriedade como um instrumento robusto para o desenvolvimento não apenas de seu proprietário, mas também dos vizinhos que o cercam.
Conquanto a norma jurídica ambicione limitar a amplitude das faculdades de proprietários e possuidores vizinhos com o intento de alcançar a harmonia social, não pertine ao Direito regular e estabelecer os marcos delimitadores de todas as atividades exercitadas a partir de um prédio. Saliente-se que ao Direito interessa regular as interferências, tão somente à medida que estas se revelam prejudiciais aos seus vizinhos, ameaçando sua incolumidade e o seu próprio direito de propriedade, porquanto, uma vez materializadas, corrompem o ideário de pacificação social.
3 Do Limite entre Prédios
Ao se apreciar o tema em comento, cuida salientar, em uma primeira plana, que a demarcação surgiu juntamente com a propriedade, eis que os marcos ou cercas que delimitam os pontos limítrofes, além de estimulares os interesses de cunho privado, asseguram a paz e a harmonia social, notadamente em decorrência dos inúmeros problemas provenientes de questões atreladas aos limites de prédios, já que conferem direitos recíprocos aos proprietários dos prédios contíguos. Tal fato decorre, gize-se, em razão da manutenção, por meio dos pontos limítrofes, da linha lindeira. Ao lado disso, saliente-se que é possível ao proprietário constranger o confinante a proceder com ele à demarcação entre os prédios, aviventando rumos apagados, assim como renovar marcos destruídos ou arruinados, sendo repartido, proporcionalmente, entre os interessados as respectivas despesas.
Cuida anotar que o direito de demarcar é do proprietário que, em sentido amplo, abrange todo aquele que é titular de um direito real, como, por exemplo, o enfiteuta, o condômino, o usufrutuário, o usuário e o nu proprietário. Todavia, tal direito não é estendido ao possuidor, como o locatário, credor pignoratício ou depositário, nem ao sucessor da herança que ainda não foi objeto de partilha. “O proprietário ou qualquer um dos indivíduos que têm legitimidade pode propor, a qualquer tempo, a ação demarcatória, que é imprescritível e irrenunciável”[9]. Extrai-se como escopos da ação demarcatória o levantamento da linha divisória entre dois prédios, aviventar rumos apagados e renovar marcos destruídos ou arruinados. O Código de Processo Civil[10], em seu artigo 946, limitou-se a alocar duas possibilidades da ação demarcatória, a saber: fixar novos rumos e aviventar os já existentes, sendo que este compreende tanto a reconstrução da linha apagada como a renovação de marcos destruídos ou arruinados.
Como bem anota Diniz[11], o proprietário poderá lançar mão dessa ação, ainda que não esteja na posse do imóvel demarcando, devendo, inclusive, cumular ação ora mencionada com a restituição de áreas. Assim, verifica-se a presença de duas demarcatórias, a saber: a simples e a qualificada. A primeira tem por objetivo precípuo a sinalização de limites, ou seja, restabelecer ou mesmo aviventar os marcos da linha lindeira, de dois prédios contíguos. São elencados, deste modo, como conditio sine qua non: a contiguidade de prédios confinantes, porquanto se os prédios não limítrofes, tal ação será descabida; a titularidade de domínio dos prédios vizinhos seja de pessoas distintas; e, necessidade de restabelecer os marcos delimitatórios já existentes ou ainda fixar novos, caso não haja confusão no que tange à linha divisória. A sentença exarada na espécie em testilha tem caráter meramente declaratório.
A segunda espécie, por seu turno, cumula o pedido de fixação de rumos e aviventação dos que já existem com o de restituição de glebas indevidamente ocupadas pelo proprietário do prédio confinante, caso o interessado não queira, antes de aforar aludida ação, recorrer diretamente aos interditos possessórios. Deverá, então, demonstrar que uma parcela de seu terreno, sem área especificada, encontra-se, de maneira indevidamente, integrando parte do domínio do lindeiro. Calha anotar que a sentença faz coisa julgada em referência à propriedade, quando a questão atinente a isso houver sido resolvida de maneira contenciosa.
4 Do Direito de Tapagem
Dicciona o caput do artigo 1.297 do Código Civil[12] que o proprietário tem o direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio urbano ou rural, com o escopo de proteger, dentro de seus limites, a exclusividade de seu domínio, desde que se atenha para as disposições regulamentares e não provoque danos ao seu vizinho. Segundo Diniz[13], é inequívoco o direito de tapar o prédio, também o é de confinante, e, sendo tão legítimo o deste quando daquele, de que os prédios sejam separados por tapumes, o concurso de ambos para a obra divisória pode ser considerado carecido ou não, ensejando-se, desta sorte, direitos e obrigações de vizinhança.
O dispositivo aludido acima traz as disposições no que toca a forma pela qual se pode estabelecer, de maneira material, a divisa entre os prédios. Trata-se, com efeito, de mais uma restrição ao direito de limites que assegura justamente tal exclusividade, conquanto se afixe, na maioria dos casos, comunhão na divisória, qualquer que seja a matéria empregada no estabelecimento do ponto limítrofe das propriedades. Subsiste, segundo o entendimento de Venosa[14], a presunção de que a ambos os proprietários confinantes pertencem os tapumes divisórios e congêneres, dando corpo a verdadeira obrigação propter rem as despesas de sua edificação, manutenção e conservação. Isto porque, prevalece na doutrina que referidas regras de direito de vizinhança possuem natureza propter rem e, portanto, podem ser opostas a todos aqueles que se encontrem na posse da coisa, inclusive, aos possuidores. Com o intuito de robustecer as ponderações apresentadas até o momento, cuida citar o seguinte aresto:
“Ementa: Apelação. Ação de Obrigação de Fazer com Pedido de Tutela Antecipada. Direito de Vizinhança. Pedido para que a proprietária do imóvel limítrofe fosse impedida de obstar a construção do muro divisório. Procedência. Possibilidade. Direito do proprietário de edificar muro nos respectivos limites de seu bem (Art. 1.297, CC) Direito de tapagem. Regras aplicadas aos possuidores em decorrência da natureza “propter rem” da obrigação. Ato abusivo da ré que impossibilita os autores, seus vizinhos, de exercer a posse sobre o bem. Negado provimento.” (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Vigésima Quinta Câmara de Direito Privado/ Apelação Cível Nº. 0014364-83.2009.8.26.0576/ Relator: Desembargador Hugo Crepaldi/ Julgado em 07 dez. 2011).
O Diploma Civilista em vigência anota a repartição proporcional das despesas gastas com a construção de marcos delimitantes, tratando-se, por imperioso, de presunção relativa, a qual permite prova em contrário. Aliás, tal presunção relativa recebe grosso destaque na dicção do §1º do artigo 1.297 da Lei Nº 10.406/2002[15]. “Essa presunção é juris tantum, incumbindo o onus probandi em contrário àquele a quem interessar tal meação”[16]. Vigora como regra que as divisórias serão edificadas sobre a linha lindeira ou, ainda, dividindo a espessura em duas partes iguais, pelos lados da linha divisória, contudo se o dono do prédio edificar somente de seu lado, não subsistirá o condomínio necessário ao marco limítrofe.
Anote-se, por imperioso, que, em não sendo possível a comprovação de sua exclusividade, no que tange ao ponto lindeiro, incidirá a presunção. Verbaliza, ainda, o §1º do artigo 1.297 do Codex Civil que os lindeiros estão obrigados, em conformidade com os costumes adotados na região, a contribuir em partes iguais para as despesas de construção e conservação das divisórias. Prima realçar que a vedação das divisas se afigura como um direito do proprietário e não uma obrigação, exceto de for proveniente de imposição administrativa ou contratual entre os lindeiros. Frise-se, ainda, se for atribuída pelo loteador e se encontrar presente no registro imobiliário, terá o mesmo efeito de imposição administrativa.
É permitido ao proprietário que cobre a quota do lindeiro que não concorreu com as despesas. Todavia, tais disposições não prosperarão se o vizinho que erigiu a obra divisória o fez por iniciativa sua, logrando êxito o confinante em demonstrar não possuir interesse, “bem como se efetuou obras ou despesas desnecessárias ou voluptuárias na separação, o que deve ser apurado no caso concreto”[17]. Desta feita, por exemplo, em sendo empregado plantas raras e exóticas nas cercas vivas ou mesmo material luxuoso na construção da divisória, o lindeiro não terá que suportar metade das despesas tidas como supérfluas.
4.1 Do Tapume: Tapume Comum e Tapume Especial
Em uma primeira plana, ao se apreciar o tapume divisório, cuida assinalar que este compreende um amplo lastro de termos, dentre as quais se destacam as sebes vivas, as cercas de arame ou de madeira, as valas ou banquetas. Pela dicção contida no §2º do artigo 1.297 do Código Civil[18], as sebes vivas, árvores ou mesmo quaisquer outras plantas que são destinadas a marco divisório, só poderão ser objeto de corte ou ainda arrancadas se houver comum acordo dos confinantes. “Os usos do local definirão a qualidade e espécie de material a ser utilizados: muro simples ou pintados, com tijolos aparentes ou revestidos, cercas com moirões de madeira ou de concreto[19]”, ou mesmo gradis simples ou luxuosamente trabalhados, arames farpados, cercas vivas com arbustos ou árvores de médio ou grande porte.
Encontram-se, ainda, albergados pela denominação de tapume divisório quaisquer outros meios de separação de terrenos, atentando-se, com efeito, para as dimensões estabelecidas nos Códigos de Postura Municipais, em atinência aos costumes de cada localidade, desde que tenham por escopo impedir a passagem de animais de grande porte, como é o gado bovino, equino e muar. “Trata-se de tapume comum ou ordinário, que constitui um direito do proprietário do prédio contíguo, devendo sua construção ser paga em partes iguais pelos confinantes porque é uma imposição legal[20]”. Como bem assinala Hely Lopes Meirelles[21], o tapume que se presume como sendo o comum é aquele corriqueiramente usado pela localidade, a fim de promover a vedação de animais tidos de grande porte.
Doutro modo, os tapumes especiais se destinam a obstar a passagem de animais de pequena dimensão, a exemplo de aves, porcos, cabras e carneiros, afigurando-se como uma obrigação dos proprietários e detentores desses animais, que suportarão sozinhos as despesas de sua edificação. Desta feita, não poderá o vizinho exigir o pagamento equivalente à metade do valor da quantia despendida a seu confinante, eis que tal espécie busca a satisfação de interesses particulares daquele que o construiu. “Não têm o direito de criar em aberto esses animais, salvo se houver terreno baldio, caso em que se estabelece o compáscuo, regulado pela legislação municipal”[22].
Ao lado disso, não é considerado tapume comum a cerca, o gradil artístico ou o muro construídos para promover o embelezamento da propriedade, ou mesmo o tabique de proteção às obras em andamento. Há que se citar, por imperioso, o paradigmático aresto do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria da Ministra Nancy Andrighi, que delimitou, com clareza solar, a distinção das duas espécies de tapume:
“Ementa: Direito Civil. Direito de Tapagem. Arts. 588, §1º e 571, ambos do CC. Obrigação propter rem. Cerca divisória entre imóveis rurais. Meação de Tapumes Divisórios Comuns. Cobrança de despesas efetuadas pelo proprietário lindeiro. Diversidade de atividades rurais dos vizinhos confinantes. Reflorestamento e criação de gado. Substituição de cerca antiga, que imprescindia de recuperação, para impedir passagem do gado. Legalidade. - São comuns os tapumes que impedem a passagem de animais de grande porte, como o gado vacum, cavalar e muar (art. 588, § 2º, CC), sendo obrigados a concorrer para sua construção e conservação os proprietários de imóveis confinantes (art. 588, §1º, CC), ainda que algum deles não se destine a atividade pecuária, mas a reflorestamento. - Apenas na obrigação de cercar imóveis, com a construção de tapumes especiais - estes considerados como próprios para deter aves domésticas e animais como cabrito, porcos e carneiros, em seus limites -, é que seria indevida a meação do valor gasto com os reparos neles realizados (art. 588, §3º, CC).” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 238.559/MS/ Relatora: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 20.04.2001/ Publicado no DJ em 11.06.2001, p. 202).
Insta assinalar que a parte do lindeiro para a construção e conservação de tapumes divisórios só será passível de vindicação se firmar avença antes da realização de obras ou, ainda, se forem edificados em decorrência da exigência administrativa entalhada na lei ou em regulamento. O direito a vedação só se reveste de aspecto de obrigação quando decorre de alguma norma administrativa complementar da lei civil ou, ainda, quando os próprios interessados se obriguem por meio de acordo entabulado. Os tapumes divisórios comuns observam a regra de presunção de pertencimento a ambos os vizinhos confinantes, admitindo, inclusive, prova em contrário. Já os tapumes especiais, em razão de atenderem interesses privados pertencem apenas ao proprietário que o edificou. Neste sentido Hely Lopes Meirelles, ao tratar do tema, pontuou que “a sua construção, conservação e utilização podem ser exigidas daquele que provocou a necessidade”[23].
Anota, ainda, Maria Helena Diniz[24] que não se excede no direito de propriedade aquele que coloca ofendículos, como cacos de vidro em cima do muro divisório, grades de ferro terminadas em pontas de lança, cercas eletrificadas, com o intuito de ferir aquele que, sub-repticiamente, tenta ingressar em sua propriedade. A utilização de tais ofendículos objetiva a defesa preventiva do domínio do proprietário do imóvel.
4.2 Do Muro Divisório
Inicialmente, calha assinalar que o muro divisório é assim considerado como todo aquele que se ergue rente à linha divisória da propriedade. Distintamente das paredes divisórias, os muros em comento não podem ser erigidos além dos limites do terreno, eis que a diversidade de tratamento deriva da premissa que muro é elemento de vedação, ao passo que a parede é elemento de sustentação. Tal distinção, inclusive, pode-se facilmente observada no tratamento diferenciado dispensado pelo Código Civil, notadamente quando aloca o muro divisório sob a epígrafe do direito de tapagem e a parede divisória sob a rubrica direito de construir. “Dessa distinção resulta, ainda, que os muros só podem ser utilizados pelos vizinhos para vedação de suas propriedades, distintamente das paredes divisória, que admitem madeiramento e travejamento por parte de ambos os confinantes”[25].
Com efeito, o muro divisório é de pertencimento daquele que o construiu, subsistindo a presunção comum aos vizinhos quando não é possível aferir, in concreto, quem o edificou. Não encontra qualquer descanso o ideário de que o muro pertence ao vizinho, em razão dos pilares de reforço estarem direcionados ou mesmo proeminentes para a propriedade dele. No mais, não há que se falar em cobrança de parte das despesas do vizinho lindeiro, se aquele que edificou o muro divisório não avençou com esse em tal sentido. Colhe-se entendimento jurisprudencial que, com clareza solar, acena:
“Ementa: Agravo retido que não foi reiterado; não conhecimento [art. 523, § 1º, do CPC]. Direito de vizinhança - Meação de muros e paredes divisórias - Não obstante a lei estabeleça, por razões de utilidade pública, a presunção de comunhão de muro de vedação de imóveis urbanos [art. 571, do CC de 1916 e 1297, § 1°, do CC de 2002], essa presunção cede diante de prova cabal de que somente um dos vizinhos suportou o ônus da construção, verdade que, aliada à certeza de que o uso comum tornou-se incompatível e nocivo ao proprietário, legaliza o comando de abstenção de aproveitamento do muro alheio - Não provimento.” (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Décima Câmara de Direito Privado/ Apelação Cível Nº 938.926-8/ Relator: Desembargador Ênio Santarelli Zuliani/ Julgado em 23.11.2044).
Em decorrência de seu aspecto de elemento de vedação, salta aos olhos que o muro divisório serve a ambos os vizinhos, sendo prescindível o levantamento de outro justaposto ao anterior. Entrementes, se o vizinho pretende promover alterações ou modificações, só o poderá fazer após a obtenção expressa do consentimento do proprietário ou obtendo a meação devida, judicialmente, por meio do aforamento da ação adequada. Em decorrência do sucedâneo de problemas de segurança existentes nos grandes centros urbanos, o entendimento jurisprudencial tem firmado posicionamento de que é possível a elevação do muro divisório, sem prévio consentimento do vizinho. “Não havendo infringência a qualquer dispositivo legal vigente, o aumento na altura do muro divisório não confere direito à indenização ao proprietário de imóvel lindeiro que se sentiu prejudicado com a obra”[26].
Quadra, ainda, salientar que os muros divisórios não podem ser utilizados para madeiras ou travejar construções lindeiras pelos vizinhos, já que essa dupla utilização é cabível tão somente nas paredes divisórias. A meação permitida pelo ordenamento em vigor concerne à utilização de elemento de vedação comum, nunca como elemento de sustentação. Ademais, permitir o fortalecimento do equívoco é provocar a desnaturação do muro divisório, conferindo-lhe aspectos característicos que não é detentor.
4.3 Da Cerca Divisória
Em uma primeira plana, cuida anotar que as cercas, tal como ocorre com os muros divisórios, constituem elemento de vedação das propriedades, sendo estes empregados na zona urbana, ao passo que aquelas na zona rural. “Considera-se cerca divisória todo elemento de tapagem, natural ou artificial, lançado nos limites das propriedades confinantes com particulares, ou com o domínio público”[27]. Ao lado disso, insta salientar que a cerva divisória se encontra sujeita aos mesmos princípios estatuídos na legislação, no que concerne a feitura e utilização pelos vizinhos, inclusive no que concerne à meação dos gastos pela edificação pelos vizinhos lindeiros.
Conforme é cediço, os gastos que orbitam em torno da edificação de cerca divisória, em obediência à simetria existente do direito de tapagem, deverá, de maneira proporcional, ser suportada pelos vizinhos confinantes, eis que a construção de tal instrumento de vedação não se presta a beneficiar apenas um dos vizinhos. A edificação de cerca divisória projeta benefícios a ambos os lindeiros, notadamente no que se refere ao estabelecimento de pontos demarcatórios entre as propriedades, estando, em razão disso, assentada a solidariedade no que pertine aos gastos. Neste sentido, há que se trazer à colação, com o escopo de fortalecer o aduzido, o entendimento firmado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
“Ementa: Direito de Vizinhança. Edificação de Cerca Demarcatória. Divisão das Despesas entre os Proprietários Confinantes. Preliminar de Complexidade da Matéria Afastada.
1. Não há complexidade na matéria discutida nos autos. É incontroversa a construção de uma cerca divisória pelo autor e sua pretensão é o ressarcimento de metade do valor despendido com a obra. Além disso, não há qualquer indício de que a cerca tenha sido construída em desobediência à real divisa entre os prédios, o que poderia ter sido evidenciado através de prova testemunhal ou mesmo da juntada de laudo técnico elaborado a pedido do réu. 2. No mérito, o proprietário tem direito de murar o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas. Situação em que a cerca serve nitidamente para demarcar as propriedades de ambas as partes, não se podendo afirmar que aproveite apenas à autora. Incide, portanto, o disposto no art. 1.297, do Código Civil. 3. Os recibos e notas fiscais apresentados, em conjunto com o levantamento fotográfico, evidenciam a correção do valor cobrado. Sentença confirmada por seus próprios fundamentos. Recurso improvido.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Primeira Turma Recursal Cível/ Recurso Inominado Nº71003220159/ Relator: Ricardo Torres Hermann/ Julgado em 27.10.2011).
Ademais, as cercas marginais das estradas públicas serão objeto de manutenção pelo Poder Público, podendo, contudo, ficar a cargo dos particulares interessados. Mister se faz realçar que o traspasse da obrigação da Administração Pública para o particular só poderá ser feito mediante competente acordo, eis que a competência, originariamente, para a manutenção de estrada pública é das entidades estatais.
Referências:
BRASIL. Lei Nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: . Acesso em: 01 set. 2012.
BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 01 set. 2012.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: . Acesso em: 01 set. 2012.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.
IMHOF, Cristiano. Código Civil Interpretado: Anotador Artigo por Artigo. 4ª Ed. Florianópolis: Editora Publicações Online, 2012.
LEITE, Gisele. Considerações sobre o direito de vizinhança. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, n. 203. Disponível em: Acesso em: 01 set. 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 10ª Ed. (atual.) São Paulo: Editores Malheiros, 2010.
MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. O Direito de Vizinhança no Novo Código Civil. In: EMERJ Debate o Novo Código Civil. ANAIS... 11 out. 2002, Rio de Janeiro, p.158-167. Disponível em: . Acesso em 01 set. 2012.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em:. Acesso em 01 set. 2012.
RODRIGUES, Sílvio. Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2003.
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Disponível em:. Acesso em 01 set. 2012.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 10ª Ed, São Paulo: Editora Atlas, 2010.
WAQUIN, Bruna Barbieri. Considerações sobre Direito de Vizinhança. Disponível em: . Acesso em 01 set. 2012.
Notas:
[1] FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 508.
[2] MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. O Direito de Vizinhança no Novo Código Civil. In: EMERJ Debate o Novo Código Civil. ANAIS... 11 out. 2002, Rio de Janeiro, p.158-167. Disponível em: . Acesso em 01 set. 2012, p. 158.
[3] FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 508.
[4] MONTEIRO FILHO. Acesso em 01 set. 2012, p. 158.
[5] LEITE, Gisele. Considerações sobre o direito de vizinhança. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, n. 203. Disponível em: Acesso em: 01 set. 2012.
[6] WAQUIN, Bruna Barbieri. Considerações sobre Direito de Vizinhança. Disponível em: . Acesso em 01 set. 2012.
[7] RODRIGUES, Sílvio. Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 99
[8] FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 511.
[9] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 311.
[10] BRASIL. Lei Nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: . Acesso em: 01 set. 2012: “Art. 946. Cabe:[...] I - a ação de demarcação ao proprietário para obrigar o seu confinante a estremar os respectivos prédios, fixando-se novos limites entre eles ou aviventando-se os já apagados”.
[11] DINIZ, 2011, p. 312.
[12] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 01 set. 2012: “Art. 1.297. O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas”.
[13] DINIZ, 2011, p. 314.
[14] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 10ª Ed, São Paulo: Editora Atlas, 2010, p. 331.
[15] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 01 set. 2012: “Art. 1.297. [...] §1º Os intervalos, muros, cercas e os tapumes divisórios, tais como sebes vivas, cercas de arame ou de madeira, valas ou banquetas, presumem-se, até prova em contrário, pertencer a ambos os proprietários confinantes, sendo estes obrigados, de conformidade com os costumes da localidade, a concorrer, em partes iguais, para as despesas de sua construção e conservação”.
[16] DINIZ, 2011, p. 314.
[17] VENOSA, 2010, p. 332.
[18] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 01 set. 2012: “Art. 1.297. [...] §2º As sebes vivas, as árvores, ou plantas quaisquer, que servem de marco divisório, só podem ser cortadas, ou arrancadas, de comum acordo entre proprietários”.
[19] VENOSA, 2010, p. 332-333.
[20] DINIZ, 2011, p. 315.
[21] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 10ª Ed. (atual.) São Paulo: Editores Malheiros, 2010, p. 56.
[22] DINIZ, 2011, p. 316.
[23] MEIRELLES, 2010, p. 56.
[24] DINIZ, 2011, p. 317.
[25] MEIRELLES, 2010, p. 57.
[26] SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Acórdão proferido em Apelação Cível Nº. 869.377-00. Nunciação de Obra Nova. Direito de Vizinhança. Construção do Muro Concluída. Prosseguimento no âmbito do Pedido Demolitório e Indenizatório (Art. 936, incisos, do CPC). Infringência à Lei não verificada. Apelo Improvido. Órgão Julgador: Vigésima Sexta Câmara de Direito Privado. Relator: Desembargador Norival Oliva. Julgamento em 10.09.2007. Disponível em: . Acesso em 01 set. 2012.
[27] MEIRELLES, 2010, p. 58.
Tauã Lima Verdan Rangel - Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
Fonte: Revista Âmbito Jurídico
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