O Brasil, nas últimas décadas, busca encontrar um ponto de equilíbrio para alcançar uma economia confiável e que transmita a toda a sociedade, especialmente a investidores, segurança econômica e jurídica, próprias das grandes economias mundiais.
Nesse passo, o brasileiro ainda não está, ao contrário de outras economias, habituado a investimentos mais voláteis, como é o caso da Bolsa de Valores. O ramo imobiliário surge como uma opção segura para investir, pois temos a cultura em que possuir imóvel transmite maior sensação de segurança. Esse tipo de investimento, apesar de ter menor liquidez, oferece a segurança necessária tanto para aquele que está em busca de uma moradia quanto para aquele que deseja investir, constituindo em importante atividade econômica do país.
Assim, vivenciamos, nos últimos tempos, grandes alterações no mercado imobiliário, refletindo diretamente nas relações entre comprador e vendedor e igualmente nos profissionais que promovem a intermediação das negociações: o corretor de imóveis.
A profissão de corretor cresceu muito no Brasil e, não obstante o crescente uso das redes sociais, que facilita a negociação direta, a atividade do corretor ainda se mostra a melhor solução para quem deseja adquirir um imóvel, especialmente quando tratamos de segurança na negociação decorrente de uma boa atuação do profissional de corretagem.
Em razão disso, diversas são as discussões que podem surgir em decorrência da relação entre esse profissional e seus clientes. Aqui trataremos apenas de algumas questões relacionadas à remuneração, denominada por comissão.
Os corretores imobiliários são classificados como corretores livres [1], ou seja, não estão submetidos a uma regulação oficial, bastando para o exercício da profissão cumprir os regramentos contemplados na legislação da classe que tem como pressuposto básico a fiscalização profissional (Lei 6.530/1978). Para ser corretor, é necessário fazer um curso de técnico em transações imobiliárias (artigo 2º da Lei 6.530/1978).
O contrato de corretagem, que está regulamentado nos artigos 722 a 729 do Código Civil, pode ser classificado como um contrato acessório, ou seja, depende, para sua concretização, da realização de outro contrato (contrato de compra e venda ou um contrato de locação), classificando-se, portanto, como contrato de resultado, e não apenas como contrato meio.
Há de ser ressaltado que o contrato de corretagem não exige formalidade específica, ou seja, não necessita ser escrito nem tampouco, quando escrito for, exige cláusula específicas, sendo um contrato de livre estipulação sem cláusulas obrigatórias.
Não obstante essa característica, que é a regra dos contratos, aconselha-se que os contratos de corretagem sejam formalizados com as principais cláusulas do negócio jurídico especificadas de forma detalhada. Não raro, deparamo-nos com contundentes discussões sobre o cumprimento do contrato de corretagem, sejam eles firmados verbalmente, sejam formalizados em um termo, notadamente sobre o momento em que se concretiza a relação contratual, na qual normalmente nasce a discussão sobre o pagamento da remuneração ajustada entre as partes.
Assim, apesar de não haver forma exigida em lei, deve o profissional esmerar-se por apresentar ao cliente sempre um contrato e discutir suas cláusulas em que todo o ajuste seja contemplado de forma clara e objetiva, evitando-se, assim, ulteriores discussões a respeito da relação anteriormente estabelecida. Não podemos perder de vista que todo contrato formalizado nasceu de um prévio ajuste verbal, e a formalização por escrito tem como pressuposto essencial a segurança para as partes, pois as palavras, assim como as nuvens, perdem-se em segundos.
Certamente, a formalização de tais contratos evitaria um considerável volume de processos que hoje tramita na Justiça, em que há como principal ponto de debate o pagamento da remuneração, especialmente em razão da realização de negócio de forma direta pelo proprietário após a atuação de um corretor, o que gera a discussão sobre o momento em que se deve dar por concretizado o negócio: se com a aproximação pura e simples entre comprador e vendedor ou se com a realização efetiva do negócio principal, compra e venda. Há grande interesse nessa discussão, eis que, não raro, um corretor faz a aproximação e, posteriormente, outro corretor concretiza o negócio.
Inicialmente, e para estabelecer premissas para a discussão, não restam dúvidas de que o contrato estará cumprido, por parte do corretor, quando esse promove a aproximação entre as partes. Após isso, havendo a realização do negócio principal, estará cumprida a obrigação do profissional, salvo, é claro, se outras cláusulas existirem para que se dê por realizado o trabalho do profissional, pois não podemos perder de vista a livre vontade das partes contratantes.
Outro ponto digno de nota diz respeito ao arrependimento no negócio principal. A legislação aponta no sentido de que não prejudica o direito ao recebimento da remuneração por parte do corretor. Assim é a explícita previsão legal. Realmente contempla o Código Civil em seu artigo 725:
Art. 725. A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes.
Na tentativa de adequar esse dispositivo a questões fáticas surgidas é que o Superior Tribunal de Justiça tem firmado o entendimento no sentido de que o contrato de corretagem é de resultado. Logo, não basta a aproximação, mas, sim, o resultado do negócio principal. Por outro lado, essa corte superior tem feito a distinção entre desistência e arrependimento para excluir a cobrança da remuneração apenas no caso de desistência. Vejamos a jurisprudência:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CIVIL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. INTERMEDIAÇÃO POR CORRETORA. NÃO CONCRETIZAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. COMISSÃO DE CORRETAGEM INDEVIDA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O contrato de corretagem não impõe simples obrigação de meio, mas de resultado, de maneira que somente é cabível o pagamento da comissão se houver aperfeiçoamento do negócio imobiliário, com a concretização, por exemplo, do contrato de locação ou de compra e venda. 2. No caso em exame, houve mera formalização do contrato de locação, mas não sua concretização, na medida em que, em razão de rescisão unilateral do negócio jurídico pela Administração Pública estadual, não ocorreu a efetiva ocupação do imóvel, tampouco o pagamento da primeira parcela do aluguel. Por essa razão, é indevida a comissão de corretagem. 3. Agravo interno improvido." (AgRg no Ag 1.248.570/MG, de minha Relatoria, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2015, DJe de 03/02/2016
CIVIL. CORRETAGEM. COMISSÃO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. NEGÓCIO NÃO CONCLUÍDO. RESULTADO ÚTIL. INEXISTÊNCIA. DESISTÊNCIA DO COMPRADOR. COMISSÃO INDEVIDA. HIPÓTESE DIVERSA DO ARREPENDIMENTO. 1. No regime anterior ao do CC/02, a jurisprudência do STJ se consolidou em reputar de resultado a obrigação assumida pelos corretores, de modo que a não concretização do negócio jurídico iniciado com sua participação não lhe dá direito a remuneração. 2. Após o CC/02, a disposição contida em seu art. 725, segunda parte, dá novos contornos à discussão, visto que, nas hipóteses de arrependimento das partes, a comissão por corretagem permanece devida. Há, inclusive, precedente do STJ determinando o pagamento de comissão em hipótese de arrependimento. 3. Pelo novo regime, deve-se refletir sobre o que pode ser considerado resultado útil, a partir do trabalho de mediação do corretor. A mera aproximação das partes, para que se inicie o processo de negociação no sentido da compra de determinado bem, não justifica o pagamento de comissão. A desistência, portanto, antes de concretizado o negócio, permanece possível. 4. Num contrato de compra e venda de imóveis é natural que, após o pagamento de pequeno sinal, as partes requisitem certidões umas das outras a fim de verificar a conveniência de efetivamente levarem a efeito o negócio jurídico, tendo em vista os riscos de inadimplemento, de inadequação do imóvel ou mesmo de evicção. Essas providências se encontram no campo das tratativas, e a não realização do negócio por força do conteúdo de uma dessas certidões implica mera desistência, não arrependimento, sendo, assim, inexigível a comissão por corretagem. 5. Recurso especial não provido. (REsp 1.183.324/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe de 10/11/2011, grifou-se).
Nesse contexto, em raciocínio contrário, firmado o contrato de promessa de compra e venda e não havendo qualquer impedimento ulterior para a firmatura do contrato principal de compra e venda com seu regular registro em cartório, a comissão deve ser tida como devida, aplicando-se, pois, sem ressalvas, o disposto no artigo 725 do CCB.
Como dito anteriormente, a concretização do negócio é requisito essencial para que se dê por completo o trabalho do corretor, nascendo, a partir daí, o seu direito de exigir a remuneração respectiva pelo trabalho desempenhado. Não se pode ainda esquecer de que tal concretização deve ser fruto do trabalho do profissional que reivindica a comissão, pois, se não obstante realizada a aproximação restar comprovado que a venda do imóvel ou o aluguel não foi fruto da aproximação, nesse caso a jurisprudência é no sentido de que não é devida a comissão àquele profissional que a realizou.
Em recentíssimo julgamento (11/12/2018), o STJ firmou o entendimento de que não é devida a remuneração apenas em razão da aproximação, exigindo-se, para tanto, a efetiva contribuição do profissional para a concretização do negócio principal. Vejamos o julgado:
“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. COMISSÃO DE CORRETAGEM. MERA APROXIMAÇÃO DAS PARTES. AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO EFETIVA NO RESULTADO ÚTIL DO NEGÓCIO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A mera aproximação das partes, para que se inicie o processo de negociação no sentido da compra e venda de imóvel, não justifica, por si só, o pagamento de comissão. 2. O Tribunal de origem, analisando o acervo fático-probatório dos autos, concluiu que, embora os agravantes tenham iniciado as tratativas, não tiveram efetiva participação na conclusão do negócio, já que o êxito da compra e venda decorreu da atuação de outro profissional, depois de mais de um ano da última proposta mediada pelos autores. A alteração das premissas fáticas adotadas pela Corte de origem demandaria o reexame de provas, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.351.916 - SC (2018/0217487-5)
Temos a compreensão de que a situação posta no julgado não afeta a regra de que a aproximação gera direito ao profissional à percepção de sua remuneração. Veja que o julgado parte do pressuposto de que, não obstante a aproximação realizada, o negócio foi concretizado exclusivamente por outro profissional. O julgado não expõe, mas indica que aquele que fez a aproximação não realizou o trabalho que poderia gerar a concretização do negócio, tendo isso sido feito por outro profissional, o que deve ser objeto de comprovação específica e clara. Vemos, subliminarmente, no julgado que o profissional que fez a aproximação não alcançou, por sua atuação, a concretização do negócio. Evidentemente, isso deve ser discutido em cada caso concreto.
Outra é a hipótese de o vendedor que, após a aproximação promovida pelo corretor, e agindo com clara má-fé, concretiza a negociação diretamente com o comprador que lhe foi apresentado pelo profissional. Aqui, não restam dúvidas de que não se insere na situação posta no julgado acima transcrito, sendo devida a corretagem àquele que atuou para promover a aproximação.
Muitos outros são os pontos que podem ser abordados quanto ao tema proposto, o que possibilitaria inúmeras discussões e jamais conseguiríamos exauri-las, servindo as linhas aqui expostas apenas como apresentação de temas para reflexão dos profissionais do Direito e da área imobiliária. É certo que uma regra essencial que deve ser seguida é a de que o profissional do ramo imobiliário deve sempre buscar estabelecer seu relacionamento profissional com base em contratos de forma escrita e formalizada. Como já dito, não precisa ser um contrato extenso, repleto de filigranas desnecessárias, devendo conter apenas o essencial para o estabelecimento de regras mínimas entre contratante e contratado.
Outro ponto ao qual o corretor deve ficar atento são os critérios éticos de sua atuação, o que certamente evita conflitos que acabam por desaguar em discussões judiciais que a ninguém interessa.
Traçadas essas premissas, esperamos que o presente trabalho — o qual, como já dito, não é exauriente — seja uma contribuição para uma melhor compreensão sobre o tema proposto.
[1] Ao lado dos corretores livres, há os corretores que são detentores de fé pública, a exemplo daqueles que atuam na Bolsa de Valores.
Zélio Maia da Rocha - Sócio-fundador do Maia Advocacia, procurador do Distrito Federal e professor no Instituto dos Magistrados de Brasília e na Escola Superior da Advocacia da OAB-DF. Foi conselheiro da OAB-DF e secretário de Justiça do Distrito Federal.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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