Inicialmente cabe pontuar que a fiança, prevista no Código Civil no artigo 818 e ss., é considerada uma garantia pessoal típica ou fidejussória, ou seja, o garantidor não oferece nenhum bem específico, mas sim a universalidade de seus bens, seu patrimônio, para assegurar que a obrigação garantida será paga.
A Teoria Dualista Alemã permite distinguir o débito contraído pelo afiançado e a responsabilidade do fiador, que neste caso, o possui responsabilidade - haftung - porém, sem débito - schuld. Desta forma, mesmo sendo coagido a quitar a dívida, o direito de regresso fica assegurado contra o real devedor, o afiançado.
Em resumo, a fiança é considerada obrigação acessória, unilateral e formal, ou seja, existem requisitos de validade, por exemplo: idoneidade do fiador, a exigência da forma escrita, e a certeza e liquidez da dívida para ser exigível ao fiador.
Ocorre que, é requisito subjetivo a capacidade plena e legitimação para o ato de afiançar. Ocorre que, essa legitimação somente ocorre para o casado, caso haja outorga conjugal, exceto no regime de separação absoluta de bens, conforme previsão expressa no art. 1.647, III do CC.
Porém, ainda na vigência do Código Civil de 1916, se estabeleceu intensa controvérsia quanto às consequências da ausência da outorga conjugal e três correntes de entendimento se formaram:
1) NULIDADE ABSOLUTA (Resp. 277.010) - A ausência de vênia conjugal importaria em nulidade absoluta da fiança que, por isso, não produziria efeitos, ao fundamento de que o regime de comunhão imporia a gestão conjunta do patrimônio;
2) CAUSA DE ANULABILIDADE (Resp 235.356) - A ausência de outorga é uma violação potencial ao interesse do cônjuge não anuente que poderia, por isso, pleitear a anulação da fiança e sua consequente desconstituição, de modo que a fiança anulada não produziria nenhum efeito. Ou seja, somente o cônjuge prejudicado poderia pleitear a anulação, sendo vedada a alegação da própria torpeza pelo cônjuge que concedera a fiança.
3) INEFICÁCIA RELATIVA (Resp 182.217) - A ausência de outorga conjugal é tão somente uma possibilidade de alegação, por parte do cônjuge prejudicado, de oposição aos efeitos da fiança em relação à sua meação e aos seus bens particulares, reconhecendo, entretanto, a eficácia da fiança sobre a meação e os bens particulares daquele que conceder a a fiança.
Mesmo com referência expressa da lei quanto à anulabilidade da fiança, prevista no art. 1.649 do CC, ainda se manteve por algum tempo a controvérsia, até que o STJ, aprovou a súmula 332:
"A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia". (Súmula 332, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/03/2008, DJe 13/03/2008)
Cabe finalizar dizendo que majoritariamente tem se aplicado a tese de anulabilidade por pesar sobre a fiança interesse particular, devendo ser alegado no prazo de 2 anos estabelecido do art. 1649, CC.
Mas, alguns ainda devem se perguntar, e na União Estável?
Por imposição da Constituição de 1988, aplica-se as mesmas regras do casamento à união estável, logo o regime de copropriedade condomínio (anteriormente usado) se mostrou inadequado para a nova perspectiva adotada, cabendo interpretar como regime de copropriedade comunhão, que é a "gestão de mãos dadas", onde a anuência é necessária.
Caso declare a união, deve haver outorga, por analogia usa-se a regra do casamento, porém, se não declarar, não anulará, mas admite impugnação para proteger o bem particular do companheiro e a meação.
Fonte: MACHADO, André. Apostila Contratos Contemporâneos. Rio de Janeiro. 2019.
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