sexta-feira, 20 de julho de 2018

O DIREITO DE VIZINHANÇA E A LOCAÇÃO DE IMÓVEIS


O bem-estar e a harmonia devem ser elementos primordiais a acompanhar as relações sociais. Não é diferente no âmbito condominial, aliás, tornam-se ainda mais importantes, porque são tênues os limites entre a paz e a desinteligência.

Em ambiente condominial, dada a proximidade entre as propriedades e a necessidade de se dividir área comum, condôminos podem extrapolar em seus direitos e interferir severamente na esfera alheia, causando, dentre outras coisas, danos a saúde, a paz etc.

Os problemas mais frequentes são sons provenientes de instrumentos musicais, a criação de animais domésticos, e a realização de reformas de grande proporção e em horários inadequados. Nesses casos, cabe inicialmente ao possuidor direto ter ciência dos termos da convenção de condomínio, instrumento que estabelece os direitos e os deveres em âmbito condominial.

Inadvertidamente, em certas ocasiões, pensam os inquilinos que não têm de se preocupar com a convenção de condomínio, porque seria tão somente obrigação do locador. Mas é certo que devem ter conhecimento e, efetivamente, precisam conduzir seus comportamentos segundo as disposições da citada convenção e de outras normas pertinentes.

De modo prudente, quando as partes firmam contrato de locação, o locatário deve ser informado, e deve constar em contrato por cláusula a supracitada observância, para que não seja surpreendido por notificação ou por cobranças supervenientes.

Antes de adentramos em alguns casos interessantes, vejamos o que dispõe a legislação sobre o direito de vizinhança. Seguindo a ordem cronológica, tem-se a Lei de Condomínio em Edificações e das Incorporações Imobiliárias - Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964 -, a qual aborda os limites de exercício de direitos que assistem ao possuidor direito, por força do direito de vizinhança. Vejamos:

“Art. 19. Cada condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interêsses, condicionados, umas e outros às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais condôminos ou moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos.” (BRASIL, 1964).

Ou seja, o condômino não pode extrapolar em seu uso da unidade particular ou mesmo das partes de uso comum, sem comprometer em face dos demais a utilização destas, porque todos fazem jus a este direito de igual modo. O uso da unidade particular não pode exceder os limites da razoabilidade, uma vez que, não é possível que um possuidor direto instale em seu apartamento, por exemplo, um estúdio de música sem que, pelo menos, haja completo sistema de isolamento de som, porque isso gera grave incômodo ao sossego dos outros moradores. 

O Código Civil brasileiro de 2002 também trata sobre o tema, este de maneira mais contundente, a orientar a adequada coexistência em vizinhança e o direito de fazer cessar as lesões provenientes de imóvel contíguo que atinjam a segurança, o sossego e a saúde, como estabelecido em seu Capítulo V - Dos Direitos de Vizinhança -, e em Seção I - Do Uso Anormal da Propriedade.

“Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.” (BRASIL, 2002).

Ademais, no art. 1.337 do código já mencionado, vê-se que o legislador se preocupou em dar suporte aos demais condôminos para assegurarem seus direitos ao sossego e a paz social, através da imposição de multa ao condômino antissocial, esta a se aplicar em último caso, e somente se constatada reiteração na conduta. A situação deve ser muito bem avaliada para a determinação de tal penalização, porque pode se configurar como abusiva. 

“Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.

Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.” (Grifo nosso). (BRASIL, 2002).

Para aclarar os pontos acima tratados, cumpre trazer à baila palavras de Deise Mara Soares:

“A medida tem caráter excepcional, devendo ser utilizada com muita cautela e ponderação, apenas quando presente situação de extrema gravidade no âmbito do condomínio, em que haja urgência da repressão para se preservar a vida, a integridade física ou assegurar a convivência comum. Da análise de tais características, fica claro que a multa do art. 1.337, parágrafo único, do novo Código Civil não se presta ao controle da inadimplência, por exemplo.” (SOARES, 2005, on-line).

Estes dificuldades se ampliam à medida que o prosseguimento do dano não é interrompido a contendo. Somente para ilustrar, apresenta-se o acórdão abaixo que trata sobre lesão ao direito do autor por invasão a sua propriedade, assim como o ferimento a direito deste por ato continuado:

“Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITOS DE VIZINHANÇA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CALHA E CANO DE ESCOAMENTO. INVASÃO DO IMÓVEL LINDEIRO. RETIRADA. Inafastável a ordem de retirada da calha e dos canos de escoamento construídos pelo réu, mas que invadem terreno lindeiro, do autor. O prejuízo ao demandante decorre da própria invasão, e não apenas da obstrução à regularidade da edificação que vem sendo realizada pelo requerente. Sentença confirmada. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.”(Apelação Cível Nº 70061952313, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 30/10/2014). (Grifo nosso). (RIO GRANDE DO SUL, 2014).

Dentre as obrigações do possuidor direto, talvez a mais importante seja a de manter o sossego e a tranquilidade em ambiente condominial, porque isso interfere diretamente em outros direitos de igual importância, a saúde e a segurança. No caso do acórdão abaixo, constata-se que o mau comportamento de um condômino poderá ensejar, por força de convenção de condomínio, a imposição de multa em razão de perturbação à paz social, que se torna, seguramente, grave em condomínio edilício por abarcar mais moradores num espaço geralmente reduzido.

“Ementa: CONDOMINIO E VIZINHANÇA. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. INFRAÇÃO DA CONVENÇÃO CONDOMINIAL PELA RÉ QUE ATIROU OBJETOS PELA JANELA DE SEU APARTAMENTO E LIMPOU PANOS E TAPETES CAUSANDO PERTURBAÇÃO E DESGASTE EMOCIONAL AO AUTOR E SUA FAMILIA. VALOR DAS ASTREINTES MANTIDO. Os documentos, em especial a carta de advertência da fl. 27, evidenciam as reclamações realizadas pelos condôminos contra a ré, que infringiu a convenção condominial ao jogar detritos e ou objetos pela janela de seu apartamento, bem como limpar vassouras panos ou tapetes na janela, o que foi corroborado pela prova oral. O descumprimento das regras de vizinhança causou desgaste emocional ao autor e sua família e com o propósito de coibir a perturbação do sossego e a perpetuação do ato ilícito, à ré foi imposta multa diária de R$50,00, consolidada em 30 dias, a qual não merece alteração, eis que desde o ingresso da demanda a requerida mostrou-se condizente com os deveres da boa vizinhança (fls. 55/61), inexistindo motivos a justificar a majoração da multa, por ora, a qual não possui caráter reparatório e sim natureza coercitiva. Pelas razões expostas, voto em negar provimento ao recurso do autor. SENTENÇA MANTIDA PELOS PROPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO IMPROVIDO. (Recurso Cível Nº 71004300588, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Luís Francisco Franco, Julgado em 10/10/2013.” (Grifo nosso). (RIO GRANDE DO SUL, 2013).

Nesse sentido, quando se tem de conviver em sociedade – situação intrínseca a própria condição humana -, dividindo espaços às vezes diminutos, não se pode pensar que o seu direito é ilimitado. Daí surgem os moldes legais de convivência para tentar dirimir tão complicadas pelejas.

Dando continuidade aos problemas condominiais, nota-se que são recorrentes questões de vazamento e de infiltrações de água, geralmente de difícil ponderação porque compreendem vários apartamentos. Mais complicado é atribuir e assumir a responsabilidade.

“Ementa:CONDOMÍNIO.INFILTRAÇÃO PROVENIENTE DO APARTAMENTO SUPERIOR QUE RESTOU COMPROVADA, BASE NA PROVA TESTEMUNHAL E TAMBÉM DE ACORDO COM O AFIRMADO PELA PROPRIETÁRIA DO IMÓVEL. CONSERTO REALIZADO QUE RESOLVEU O PROBLEMA. INDENIZAÇÃO A FIM DE RESSARCIR OS GASTOS PARA CONSERTAR O IMÓVEL DA PARTE DEMANDANTE. APELO DESPROVIDO.” (Apelação Cível Nº 70055894844, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 12/09/2013). (Grifo nosso). (RIO GRANDE DO SUL, 2013).

Imprescindível que em situação de infiltrações referidas, o locatário ou o imediatamente incomodado proceda ao conserto, mesmo que seja de responsabilidade do proprietário ou do condomínio, para que se evite a progressão do dano, caso contrário poderia ser evidenciada a desídia do locatário e a sua culpabilidade pelo agravamento. Depois disso, o locatário deverá buscar amparo judicial para ter direito, de modo regressivo, aos valores empregados para o reparo.

De tal modo, velam-se os direitos do possuidor direto pela cláusula geral da dignidade da pessoa humana, que atende a cada um dos condôminos, na medida do respeito integral à saúde, à segurança e ao bem-estar, como está insculpida em nossa Lei Maior no art. 1º, inciso III. 

Como fartamente apresentado, o direito de vizinhança tem como preceito assegurar aos indivíduos que coexistem em condomínio a tranquilidade e a paz social, sem que nenhum possa ultrapassar os limites da razoabilidade, partindo-se sempre das disposições constantes em convenção de condomínio e das lições de legislações especiais. Vale expor as considerações de Bruna Barbieri Waquim:

“Estas regras objetivam, em primeiro lugar, assegurar a coexistência pacífica entre os vários proprietários, particularmente os confinantes (ou seja, os vizinhos); em segundo lugar, buscam regular as relações entre estes a fim também de evitar abusos de direitos. Ou seja, limitam as prerrogativas individuais dos proprietários ao mesmo tempo em que regulam a convivência.” (WAQUIM, 2007, on-line).

Por fim, em lugar de limitada convivência, no condomínio edilício, devem existir acima de tudo a tolerância e o respeito para se compatibilizarem, na medida do possível, os interesses que nunca são iguais. Também, em nome do bem da coletividade, cada um pode ceder o que for possível. Se extrairmos uma porção da sociedade, é exatamente isso que se deveria aplicar para a promoção da paz social.

Referências:

ARAUJO JÚNIOR, Gediel Claudino de. Manual de prática de locação: lei do inquilinato anotada : questões práticas : modelos / Gediel Claudino de Araujo Júnior. 3. ed. São Paulo : Atlas, 2013.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Senado, 1988.
Código Civil Brasileiro. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11.1.2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 03 nov. 2014.
Lei de Condomínio em Edificações e das Incorporações Imobiliárias. Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Dispõe sôbre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21.12.1964 e retificado em 1.2.1965. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4591.htm>. Acesso em: 03 nov. 2014.
Lei do Inquilinato. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21.10.1991. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm>. Acesso em: 03 nov. 2014.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ap. n. 70061952313. Rel. Des. Nelson José Gonzaga. Diário de Justiça, Rio Grande do Sul, 30 out. 2014.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Rec. n. 71004300588. Rel. Des. Luís Francisco Franco. Diário de Justiça, Rio Grande do Sul, 10 out. 2013.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ap. n. 70055894844. Rel. Des. Elaine Harzheim Macedo. Diário de Justiça, Rio Grande do Sul, 12 set. 2013.
SOARES, Deise Mara. Direito de vizinhança e comportamento anti-social. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 654, 22 abr. 2005. Disponível em: . Acesso em: 3 nov. 2014.
WAQUIM, Bruna Barbieri. Considerações sobre Direito de Vizinhança. Um resumo detalhado sobre os principais institutos do Direito de Vizinhança, como sobre o direito de propriedade, árvores limítrofes, das águas, da passagem forçada, entre outros tópicos. Disponível em:< http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/considera%C3%A7%C3%B5es-sobre-direito-de-vizinhan%C3%A7a-0>. Acesso em: 04 nov. 2014.

Adriano Barreto Espíndola Santos - Mestre em Direito Civil pela Universidade de Coimbra - Portugal. Especialista em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais -PUC Minas. Especialista em Direito Público Municipal pela Faculdade de Tecnologia Darcy Ribeiro. Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza. Advogado.
Fonte: Revista Âmbito Jurídico

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