segunda-feira, 22 de julho de 2019

O IPTU EM CASO DE PARCELAMENTO IRREGULAR DO SOLO


A presente análise não tem qualquer interesse em esmiuçar os procedimentos técnicos-administrativos para regularização do parcelamento do solo, mas sim limitar-se à problemática que envolve a respectiva questão, seja ela de qual espécie for, e o seu lançamento administrativo para fins tributários relacionados ao Imposto Predial Territorial Urbano - IPTU.

O liame do problema está adstrito exatamente quando o Estado falhou em todos os aspectos no poder-dever de fiscalizar e regular o desenvolvimento destes “empreendimentos imobiliários” que nesta fase já adquiridos pelo consumidor final.

Uma vez de fato executados e comercializados, costumeiramente já edificados, surge para o Estado, notadamente aos Municípios e ao Distrito Federal, o poder-dever de lançar o IPTU, sob a possibilidade, de uma vez não fazendo, de responsabilidade funcional.

É o que consta no Parágrafo único do Artigo 142 do Código Tributário Nacional:

Art. 142: (...)

Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional. (Destacamos)

Deste modo, de plano necessário analisar o que compõe o Artigo 32 do Código Tributário:

Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.

Veja, quando o legislador definiu que o IPTU pode ter como fato gerador, inclusive, a posse, resta claro que pouco importa se o imóvel é regularizado ou não. Não fosse esse o entendimento da lei, não seria este o termo da norma.

Fora este aspecto, da leitura do texto legal, ainda há que se destacar a responsabilidade solidária dos que alis estão descrito na obrigação de quitar a responsabilidade tributária.

Neste ponto nascem as controvérsias:

O lançamento é feio individualizado, pela gleba ou por frações ideais, ainda que o parcelamento tenha ocorrido à revelia da legislação? Sob quem deve ocorrer a cobrança do IPTU? Sob o loteador, dividido em frações ideais, do nome que consta no registro imobiliário?

Ou ainda, seria o agente que efetivar os lançamentos individualizados partícipe nos crimes de parcelamento irregular do solo descritos na lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979?

Pois bem, entendemos que pouco importa sob quais condições jurídicas que originaram o parcelamento irregular, o lançamento do tributo deve ser feito de acordo com as realidades fáticas que se encontram no “empreendimento imobiliário”.

Se estiver formatado sob as condições de um condomínio, o lançamento deve individualizar os “proprietários dos lotes ou residências” com suas respectivas frações ideais.

Se for em formato de distribuição de lotes, individualizado conforme o os “proprietários”, respectivamente.

Independe que se trate de “empreendimento imobiliário” sob título ou posse. Primeiro porque o fato está posto, já nasceu o fato gerador, resta a obrigação do Estado em tributar; Segundo porque o interesse público em angariar receitas se sobrepõe à questão da regularidade administrativa; e terceiro, porque há ainda profunda discussão acerca da possibilidade ou não da regularização, como por exemplo por meio do instituto da regularização fundiária. E para consolidar, porque é o que determina o Artigo 32 do CTN.

Tal entendimento é lastreado no princípio da interpretação objetiva do fato gerador (ou princípio da cláusula non olet), insculpido no Artigo 118, I do Código Tributário Nacional:

Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:

I - da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;

(...)

"O princípio da interpretação objetiva do fato gerador (ou princípio da cláusula non olet) dispõe que se deve interpretar o fato gerador em seu aspecto objetivo, não importando os aspectos subjetivos, que dizem respeito à pessoa destinatária da cobrança do tributo. Dessa maneira, não se analisa a nulidade/anulabilidade do ato jurídico, a incapacidade civil do sujeito passivo ou a ilicitude do ato que gera o fato presuntivo de riqueza tributável. Predomina, sim, em caráter exclusivo, a investigação do aspecto objetivo do fato gerador. Por conta disso, para o STF, “é legítima a tributação de produtos financeiros resultantes de atividades criminosas, nos termos do art. 118, I, CTN” (HC 77.530-RS-1998).[1]

Dito isto, surge para o Estado uma realidade prática. Caso não realize o lançamento individualizado, restará como contribuinte um único personagem, aquele que consta originariamente no cadastros técnico-fiscal.

Ora, a análise é simples, o que é mais benéfico para a Administração, ter como contribuintes tantos quantos de fato ocupam o imóvel, cada qual sob sua fração ideal, ou um único personagem que via de regra se encontra sob situação de insolvência?

Por cristalino que, na maioria dos casos, é melhor para a Administração Pública que os lançamentos e execuções fiscais aconteçam de forma individualizada. Assim, ainda que parte dos contribuintes não arquem com os deveres tributários, a outra ainda poderá ser garantida. Ao contrário de quando há um único contribuinte, uma vez insolvente, restará prejudicada a integralidade do tributo.

Por fim, o agente que determina o lançamento individualizado do IPTU para fins de regularidade tributária não é partícipe em qualquer crime, salvo se de maneira dolosa fizer participação do “esquema”.

Neste ponto, destaca-se que, conforme determina o Artigo 1º do Código penal, não há crime sem lei anterior que o defina. E da leitura das condutas criminosas inseridas na Lei nº 6.766 de 19 de dezembro de 1979, não há nenhuma descrição típica penal que se amolde ao fato do lançamento individualizado, por parte de agente público, para fins tributários.

Pelo contrário, uma vez que existente o fato gerador, é dever o lançamento do tributo, sob pena da possibilidade do crime de prevaricação (Artigo 319 do Código Penal).
___________

1] Sabbag, Eduardo.

Código Tributário Nacional Comentado / Eduardo Sabbag. – 2. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense;

São Paulo: MÉTODO, 2018.
___________

Fernando Aguiar dos Santos é Advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo sob o nº 391939.
Fonte: Artigos JusBrasil

Nenhum comentário:

Postar um comentário