quarta-feira, 24 de julho de 2019

MULTIPROPRIEDADE IMOBILIÁRIA VIS-À-VIS A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA


A presente reflexão não marca-se unicamente em olhar o novo. É imprescindível avançar, olhar o novo com os olhos do novo, como diria José Saramago no singular Ensaio sobre a cegueira1. Este artigo, sem pretensões terminativas, procura trazer algumas considerações sobre a realidade jurídica da multipropriedade imobiliária, e por via de consequência, os impactos deste instituto no campo do direito tributário, especificamente, na responsabilidade tributária.

Por mais que o discurso inicial deste artigo fale do novo, resta claro pelo decurso do tempo e outras determinações, que os traços contemporâneos do direito de propriedade não são frutos de um processo abiogenético, solto por aí, como se sem gravidade. A forma que aprendemos, praticamos e ensinamos o direito sobre a propriedade é espelho de experiências antecedentes e, primordialmente, dinâmicas.

Não importa trazer aqui, mesmo que tenha importância ímpar, a história e processo de formação jurídica da propriedade privada. Essa tarefa já foi devidamente cumprida por obras singulares2. O que importa aqui, como aventado, é o novo.

Com seu nascimento na França nos anos 60 (sessenta) do século passado e propagado por empresários para vários países do globo, o fenômeno da multipropriedade imobiliária alcançou expressivo espaço no mercado imobiliário mundial, especialmente, nas economias com alto nível de desenvolvimento3. No Brasil, consoante pesquisa4 realizada pela Caio Calfat Real Estate Consulting, há um forte crescimento do número de empreendimentos em situação análoga à multipropriedade imobiliária. Em números, de 2 (dois) empreendimentos no ano de 2013 saltou-se para 80 (oitenta) em 2018. A mesma pesquisa revelou também que as principais cidades turísticas do Brasil já possuem empreendimentos dessa natureza.

Em 02 de maio de 2019, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou o informativo da reunião do colegiado 14 de 22/4/19, em que por unanimidade, manifestou-se sobre questões relativas à caracterização de contratos de venda de fração imobiliária em sistema de multipropriedade como valores mobiliários.5

Em linhas gerais e iniciais, a multipropriedade deixa a forma tradicional da propriedade e passa a ser entendida sob uma nova ótica ou formato, voltando para características particulares e excepcionais em que o “tempo” se apresenta como elemento jurídico identificador e distintivo.

De forma genérica, utilizando-se do ensinamento do professor Gustavo Tepedino, a multipropriedade imobiliária consiste basicamente numa relação jurídica de aproveitamento econômico do bem imóvel, fracionada em unidades temporais fixas, “de modo que diversos titulares possam, cada qual a seu turno, utilizar-se da coisa com exclusividade e de maneira perpétua”6.

Dário da Silva Oliveira Júnior e Victor Emanuel Christofari7 classificaram a multipropriedade imobiliária sob dois ângulos: (i) período de tempo de fruição do bem (repartição temporal) e (ii) unidade-apartamento que será desfrutada em determinado período de tempo (repartição espacial).

Quanto ao primeiro, as multipropriedades são divididas em: período fixo (o multiproprietário adquire períodos semanais ou anuais, estabelecendo-se previamente a data e hora de saída e entrada a cada ano); período flutuante (caracteriza-se pelo fato de o comprador escolher uma determinada faixa de semanas, podendo fruir da coisa, anualmente, em alguma dessas semanas); semanas partidas (o usuário, a rigor, tem direito de usar a coisa durante sete dias do ano, em qualquer semana); período rotativo (há uma “movimentação no calendário” das semanas de cada usuário).

Na multipropriedade de período fixo e flutuante, acumulam-se os regimes temporais anteriores, por exemplo, alternando-os ano a ano. Nas semanas partidas, o usuário, a rigor, tem direito de usar a coisa durante sete dias do ano, em qualquer semana.

Com relação ao segundo, as multipropriedades se agrupam em: alojamento fixo (o adquirente já sabe que irá desfrutar de seu direito sempre na mesma unidade); alojamento flutuante (o usuário adquire um tempo de uso prefixado sobre um imóvel que pode variar, não tendo ele prévia ciência de qual apartamento irá ocupar); alojamento fixo-flutuante(utilizam-se os regimes das duas sistemáticas anteriores).

Evidentemente que essas modalidades identificadas são invenções da iniciativa privada que nem sempre poderão ser empregadas, haja vista as limitações, disposições e atribuições ao fenômeno por cada ordenamento jurídico. O conjunto de consequências jurídicas decorrentes da instituição deste instituto imobiliário reclamou – e certamente continuará reclamando – medidas legais específicas à matéria, vez que sua crescente exploração, em especial, para fins de turismo e recreação não poderia ficar resumida a questões eminentemente doutrinárias.

Assim, no dia 20 de dezembro de 2018, promulgou-se a lei 13.777, que alterou as leis 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), para dispor sobre o regime da multipropriedade imobiliária no ordenamento jurídico brasileiro.

Vale lembrar que antes dessa lei, o único diploma que dialogou – perfunctoriamente – com a multipropriedade foi a lei 11.771/08, além, evidentemente, da já revogada deliberação normativa 378/97 do Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR).

Outrossim, o próprio STJ, antes mesmo da publicação da lei em tela, já reconheceu a natureza jurídica de direito real da multipropriedade, como se demonstra no julgamento doRESp 1.546.165/SP, sob os auspícios da 3ª Turma e com relatoria do ministro João Otávio de Noronha8.

A lei 13.777/18, recém-aprovada, procurou superar o cenário de dúvidas impostas pela ordem econômica, formulando o novo capítulo VII-A no Título III do Livro III da Parte Especial do Código Civil e modificando dois artigos da Lei de Registros Públicos. O novo artigo 1.358-C do Código Civil define a multipropriedade como “o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada.”

À luz desse dispositivo, a multipropriedade estabelecida pelo legislador brasileiro é uma forma de condomínio aplicável apenas aos imóveis em que exista uma divisão temporal no seu uso e gozo, da totalidade do imóvel, em caráter exclusivo, pelos titulares do bem e em formato alternado. Ainda, é necessário que essa fração de tempo seja indivisível e de no mínimo 7 (sete) dias, seguidos ou intercalados, conforme preceitua o artigo 1358-E. Tal fração poderá ser: (a) fixa e determinada, correspondente ao mesmo período de cada ano; (b) flutuante, isto é, variável de tempos em tempos, respeitada a objetividade e a transparência do procedimento de escolha e o tratamento isonômico entre os diversos multiproprietários; ou por fim, (c) mista, isto é, combinando características do sistema fixo e do sistema flutuante.

Pelo conteúdo da lei, essa espécie de condomínio pode ser instituída – nos termos dos artigos 1.358-F a 1.358-H do Código Civil – por ato inter vivos ou testamento, devendo ser registrado na matrícula do imóvel o período correspondente à fração de tempo. Ainda, o ato que instituíra a multipropriedade deverá regulamentar – além das cláusulas que os multiproprietários decidirem estipular: (i) o número máximo de pessoas que podem ocupar simultaneamente o imóvel; (ii) as regras de acesso do administrador condominial ao imóvel; (iii) a criação de fundo de reserva para reposição e manutenção do imóvel; (iv) o regime aplicável em caso de perda ou destruição; (v) bem como regular as multas aplicáveis aos multiproprietários em caso de descumprimento de seus deveres (vide artigo 1.358-G).

A aludida lei regulamentou os direitos dos multiproprietários, reservando a cada um o direito de: usar e gozar, durante o período correspondente à sua fração de tempo, do imóvel e de suas instalações, equipamentos e mobiliário; ceder a fração de tempo em locação ou comodato; alienar a fração de tempo, por ato entre vivos ou por causa de morte, a título oneroso ou gratuito, ou onerá-la, devendo a alienação e a qualificação do sucessor, ou a oneração, ser informadas ao administrador; e participar e votar de assembleias do condomínio (vide artigo 1358-I).

E também, a lei cuidou de regulamentar as obrigações (vide artigo 1.358-J), além daquelas evidentemente estabelecidas no instrumento de instituição e na convenção do condomínio em multipropriedade, como por exemplo: pagar a contribuição condominial do condomínio em multipropriedade; responder por danos causados ao imóvel, às instalações, aos equipamentos e ao mobiliário por si, por qualquer de seus acompanhantes, convidados ou prepostos ou por pessoas por ele autorizadas; usar o imóvel exclusivamente durante o período correspondente à sua fração de tempo; desocupar o imóvel, impreterivelmente, até o dia e hora fixados no instrumento de instituição ou na convenção de condomínio em multipropriedade, sob pena de multa diária, conforme convencionado no instrumento pertinente.

O multiproprietário pode, além disso, alienar e onerar sua fração de tempo de forma livre, devendo, contudo, informar tal fato ao administrador do condomínio em multipropriedade. A alienação da fração de tempo, destaque-se, não depende da anuência dos demais co-proprietários; tampouco se garante aos demais condôminos o direito de preferência, salvo disposição expressa no instrumento de instituição da multipropriedade imobiliária (vide artigo 1.358-L).

A lei atribui a administração da multipropriedade a um administrador (vide artigo 1358-M), o qual será definido no instrumento de instituição do condomínio ou por meio de eleição em assembleia geral dos condôminos. Ao administrador, além das tarefas elencadas no próprio instrumento de instituição da multipropriedade, caberá: (a) coordenar a utilização do imóvel; (b) definir, nos sistemas de fração temporal variável, o período de uso de cada um dos multiproprietários; (c) manter e conservar o imóvel; (d) trocar ou substituir equipamentos ou mobiliário; (e) elaborar orçamento anual; e (f) cobrar as quotas de cada um dos coproprietários, pagando as despesas comuns.

A última seção da lei 13.777, a qual fora inserida no Código Civil destina-se ao regramento do condomínio edilício em regime de multipropriedade, seja ele parcial (alcançando apenas algumas das unidades autônomas) ou total, desde que previsto no documento de instituição ou por deliberação da maioria absoluta de seus condôminos (art. 1.358-O). Nessa hipótese, a convenção de condomínio edilício deve, entre outras disposições especificar: (a) quais as unidades sujeitas à multipropriedade; (b) quais as frações de tempo de cada unidade; (c) qual a forma de rateio das contribuições condominiais, as quais serão, na ausência de previsão em sentido diverso, proporcionais à fração de tempo; (d) quais são as despesas ordinárias de rateio obrigatório; e (e) quais são os órgãos de administração da propriedade (art. 1.358-P).

Outros pontos mereceriam tratamento mais transparentes ou específico na referida norma, mas, de modo geral, pode se afirmar que, embates à parte, a nova lei merece aplausos por ter, enfim, introduzido no direito brasileiro um regramento relativamente seguro da multipropriedade imobiliária no país, superando o vácuo normativo que, há anos, impedia uma forma instigante de exploração da propriedade imobiliária, especialmente em um país com inegável vocação para o turismo e o lazer. Caberá agora à doutrina e à jurisprudência identificar as melhores interpretações para os dispositivos legais que regulam a matéria, sem nunca deixar de atentar à necessidade de concretização, também neste campo, da função social da propriedade e dos demais valores constitucionais.

Cumpre informar que no campo tributário, a lei em questão, nos §§3º, 4º e 5º do artigo 1.358-J, tentou dar tratamento às obrigações tributárias entre multiproprietários, porém, quando do encaminhamento para sanção presidencial, os referidos dispositivos sofreram veto presidencial, nas bases doravante aduzidas: “os dispositivos substituem a solidariedade tributária (artigo 124 do Código Tributário Nacional) pela proporcionalidade quanto à obrigação pelo pagamento e pela cobrança de tributos e outros encargos incidentes sobre o imóvel com multipropriedade. No entanto, cabe à lei complementar dispor a respeito de normas gerais em matéria tributária (artigo 146, III, da Constituição). Ademais, geram insegurança jurídica ao criar situação de enquadramento diversa para contribuintes em razão da multipropriedade, violando o princípio da isonomia (art. 150, II, da Constituição). Por fim, poderiam afetar de forma negativa a arrecadação e o regular recolhimento de tributos”9.

Diante desse veto e a fundamentação que o instrumentalizou, naturalmente algumas perguntas iniciais exsurgiram no campo tributário. A saber: Os dispositivos vetados substituíram de fato a solidariedade tributária, inscrita no artigo 124 do Código Tributário Nacional? Os dispositivos vetados estavam dispondo de normas gerais em matéria tributária, consequentemente, utilizando-se da competência exclusiva de lei complementar? Osdispositivos vetados geram insegurança jurídica ao criar situação de enquadramento diversa para contribuintes em razão da multipropriedade? Os dispositivos vetados violam o princípio da isonomia insculpido no artigo 150, inciso II, da Constituição Federal? Os dispositivos vetados afetariam de forma negativa a arrecadação e o regular recolhimento de tributos?

Inicialmente, há que considerar – inevitavelmente – que os dispositivos vetados criariam um obstáculo à aplicação da solidariedade tributária diante da existência de uma multipropriedade imobiliária, deixando o fisco a mercê de uma aplicação da responsabilidade tributária individualizada e proporcional (temporalmente) a cada multiproprietário.

Por outro lado, em perspectiva subjetiva deste autor, assistiu razão o veto presidencial com relação à competência legislativa para tratar da matéria, pois a lei 13.777/18 não poderia usurpar a competência da legislação complementar (artigo 146, III, da Constituição) para delimitar e regulamentar a sujeição passiva tributária dos multiproprietários, haja vista o seustatus.

Ato contínuo, não há dúvidas de que os dispositivos vetados, caso fossem publicados em conjunto com toda a lei, causariam um cenário de insegurança jurídica no território nacional, vez que uma nova figura de responsabilidade estaria sendo criada, com possíveis e sérias distorções em todos os sistemas tributários (federal, estadual e municipal). Consequentemente, com o aumento da insegurança jurídica, contribuinte e fisco certamente entrariam em litígio com graves consequências negativas para a arrecadação e/ou recolhimento de tributos.

Entretanto, com relação à isonomia ventilada no veto presidencial, há que considerar que ela não está sendo – necessariamente – violada, posto que a multipropriedade imobiliária, tal como constituída, nem sempre será estabelecida em caráter de igualdade – temporalmente. Em alguns casos, pessoas com propriedade temporal a maior ou a menor receberão tratamento tributário igual aos demais, bem como, poderão responder solidariamente em nome de todos, com repercussões maiores do que sua própria propriedade temporal. O emprego da isonomia como fundamento para combater os aludidos dispositivos vetados merece cautela no caso da multipropriedade, necessitando que a análise seja feita casuisticamente e não genericamente, como apontado no veto.

A lei 13.777/18, como observado alhures, criou um regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada. Vê-se que o aspecto temporal aparece como elemento identificador e diferenciador da propriedade, criando, consequentemente, repercussões na sujeição passiva tributária. Como ficará a sujeição passiva tributaria no caso da multipropriedade imobiliária?

Evidentemente, há uma insegurança para o analista da multipropriedade imobiliária atribuir qualquer comentário peremptório sobre a relação daquela para com a tributação. A legislação que estabeleceu a multipropriedade imobiliária não dispõe de qualquer elemento normativo para concluir que o multiproprietário deverá ser individualizado ou responsabilizado tributariamente pela sua condição. Há, tão somente, uma nova compreensão sobre a propriedade e que, certamente, será colocada frente a frente com as nuances do direito tributário.

Posta como hoje, e pensando na tributação sobre o patrimônio, a multipropriedade imobiliária seria analisada por dois prismas: o primeiro, pelo artigo 110 do Código Tributário Nacional10 e a tentativa de deixar o multiproprietário como sujeito passivo único e exclusivo temporalmente para fins de tributação sem repercussões solidárias para com terceiros; e segundo, por meio de disposições gerais e específicas que identificam o fato gerador e a sujeição passiva, consequentemente com a atribuição de solidariedade ou responsabilidade para com terceiros.

Tem-se pela redação do artigo 110 do Código Tributário Nacional que a lei tributária não pode adentrar na esfera do direito privado, modificando definições, conteúdos, institutos e conceitos. Logo, a norma tributária estaria subordinada ao direito privado posto, e, no presente caso, a lei tributária caminharia em torno do instituto da multipropriedade e receberia seus reflexos, sem poder, consoante dispositivo apresentado, realizar qualquer alteração ou modificação. Vê-se que a lei tributária deve adequar-se à multipropriedade imobiliária e não o contrário. Porém, esse modo de entender não implica necessariamente na responsabilidade única e exclusiva do multiproprietário sem considerações ou repercussões para com terceiros.

Em razão dessa omissão legislativa no tocante à multipropriedade imobiliária e as relações tributárias que a cerca, resta ao intérprete do direito trabalhar com as normas já estabelecidas e, a partir disso, tentar encaixar o novo instituto nas balizas – gerais e específicas – tributárias.

Dentro da atual estrutura normativa, o contribuinte será o sujeito passivo quando possuir uma relação pessoal e direita com o fato tributário (art. 121, I do CTN), ao passo que o responsável será o sujeito passivo da obrigação tributária indiretamente vinculado ao fato tributário (art. 121, II do CTN). Ainda, serão solidariamente considerados aqueles contribuintes que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal (art. 124, I do CTN) ou ainda, aqueles considerados expressamente por designação da lei (art. 124, II do CTN).11

Nota-se que os multiproprietários imobiliários, de fato, detêm relação pessoal e direita com o fato tributário e, ainda, são pessoas que possuem interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal (essa vinculada à propriedade daqueles), razão pela qual serão, logicamente, alçados à condição de solidários com as seguintes consequências estabelecidas no artigo 125 do Código Tributário Nacional12.

O imóvel – objeto de multipropriedade – deverá ser considerado como um todo, e não conforme a divisão temporal fruto da autonomia privada, de modo que, em regra, haverá um só fato gerador para vários multiproprietários, e não fatos geradores distintos para cada multiproprietário, como se daria no caso de responsabilidade tributária individual.

Tal composição de responsabilidade tributária, entretanto, é a regra. Nada impede que no futuro uma lei tributária possa, reconhecendo expressamente os efeitos jurídico-tributários da multipropriedade imobiliária, atribuir responsabilidade individual aos multiproprietários, afastando a responsabilidade solidária desses e estabelecendo a autonomia entre as obrigações tributárias exsurgidas do objeto da multipropriedade imobiliária.

Assim, por mais que cada multiproprietário titularize a propriedade de um imóvel temporalmente – o que necessariamente implica sustentar a existência de direitos de propriedades coexistentes em paralelo e com objetos diferentes, incidentes sobre uma mesma base material –, em razão de ausência de lei tributária expressa que reconheça essa divisão temporal, configura-se, como regra geral, a responsabilidade solidária tributária entre os multiproprietários.

A responsabilidade tributária dos multiproprietários imobiliários mostra-se como questões de naturezas econômica e política (legislativa) e que, na busca de qual seria a melhor opção a ser adotada pelo fisco/legislador no tocante à sua operabilidade, se revela como matéria de complexa análise e decisão. Qual seria o melhor caminho? A responsabilidade solidária ou individual? Obviamente, quaisquer elucubrações (econômicas e jurídicas) dar-se-iam no campo teórico, demonstrando uma tendência arrecadatória e indutora a ser seguida com a responsabilidade individual ou solidária.

Hoje, a responsabilidade solidária autorizará ao Fisco buscar o crédito tributário de um só multiproprietário ou de todos, independentemente de benefício de ordem, consoante disposição do parágrafo único do artigo 124 do CTN.

Todavia, como já exposto, nada impede que uma lei tributária possa, no futuro, reconhecer expressamente os efeitos jurídico-tributários – e também econômicos – da multipropriedade, atribuindo responsabilidade individual aos multiproprietários, afastando a responsabilidade solidária deles e estabelecendo a autonomia entre as obrigações tributárias exsurgidas do objeto da multipropriedade. Em uma perspectiva superficial, essa medida, além de trazer relativa segurança jurídica aos multiproprietários, agradará certamente a iniciativa privada e promoverá um aumento significativo em empreendimentos imobiliários dessa natureza.
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1 SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.

2 ALENCAR, José de. A Propriedade. Coleção História do Direito Brasileiro – Direito Civil. Brasília: Senado Federal, 2004. AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. GOMES, Orlando.Direitos Reais. Atualizado por Luiz Edson Fachin. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

3 Itália, Portugal, Espanha e Estados Unidos da América regulamentaram a matéria sob a forma de um assim chamado, respectivamente, multiproprietà, direito real de habitação periódica, multipropriedad e time-sharing.

4 Cenário de Desenvolvimento de Multipropriedades no Brasil 2018. Disponível aqui. Consulta março/19

5 Informativo da reunião do colegiado 14 de 22.04.2019 - Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Disponível aqui. Consulta maio/19.

6 TEPEDINO, Gustavo. Multipropriedade imobiliária. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 1.

7 OLIVEIRA JÚNIOR, Dário da Silva e CHRISTOFARI, Victor Emanuel. Multipropriedade (Timeshare): Aspectos Cíveis e Tributários. 1. ed. RJ : LumenJuris, 2000, p. 6-7.

8 Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma, REsp 1.546.165/SP, Rel. João Otávio de Noronha, julgado em 26/4/16, publicado em 06/9/16

9 Disponível aqui.

10 Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

11 Vale lembrar também que o artigo 123 do CTN deixa expresso que as convenções particulares relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos não podem ser opostas à Fazenda Pública com o intuito de modificar a estrutura legal do sujeito passivo nas obrigações tributárias.

12 Art. 125. Salvo disposição de lei em contrário, são os seguintes os efeitos da solidariedade: I - o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais; II - a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo; III - a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais.
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Raphael Pires do Amaral é advogado em Advocacia Fávero e Vaughn.
Fonte: Migalhas de Peso

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