segunda-feira, 1 de julho de 2019

CONSTRUTORAS ENCOLHEM 85% EM 3 ANOS


As maiores construtoras brasileiras, que estiveram no coração da Operação Lava-Jato, encolheram drasticamente num curto espaço de tempo. Do auge vivido em 2015 até o fim de 2018, a receita líquida das líderes registra um tombo de 85%, de R$ 71 bilhões para R$ 10,6 bilhões, de acordo com levantamento realizado pelo Valorcom base nos balanços das companhias. Esse time inclui Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Galvão Engenharia, UTC Engenharia e Constran.

A OAS, que era a segunda maior desse ramo em 2015, ainda não publicou o balanço do ano passado e por isso não foi incluída no grupo. Considerando a empresa e seus números até 2017, é possível verificar que em apenas dois anos, a receita despencou 75%, pois o volume faturado pelas oito maiores saiu de R$ 75,6 bilhões, em 2015, para R$ 18,3 bilhões, em 2017.

O Valor ouviu diversos especialistas do setor sobre qual futuro dessas companhias. Não há consenso se voltarão a conquistar grandes obras. Mas predomina a percepção de que elas devem sobreviver, com tamanho muito inferior ao do período áureo.

A explicação para a queda tão abrupta é um amálgama entre a própria Lava-Jato, que teve início em 2014, e a crise econômica nacional. A operação que se transformou na maior ação de combate à corrupção no Brasil é, para muitos, a explicação para a paralisação dos investimentos em infraestrutura no país. Mas, para completar, a situação das contas públicas sofreu grave deterioração e os orçamentos foram congelados, reduzindo os investimentos dos governos.

A crise desse setor, que levou ao dramático encolhimento dos negócios, resultou também na perda de 1 milhão de empregos formais no Brasil, entre 2014 e 2019, de acordo com dados do Sindicato Nacional da Indústria de Construção Pesada e Infraestrutura (Sinicon). O país inteiro, nesse período, teve redução de 2,6 milhões de postos formais - ou seja, esse ramo sozinho respondeu por quase 40% da perda de empregos.

A paralisação da economia nacional, em especial do investimento em infraestrutura, não permitiu um teste real sobre a sobrevivência desses negócios e, em especial, se o modelo de acordos de leniência serão suficiente para o perdão sócio-econômico.

Dados do Sinicon apontam que o governo federal cortou pela metade os investimentos em infraestrutura. Em 2014, o total destinado a obras públicas superou R$ 100 bilhões e, no ano passado, ficou em R$ 53,7 bilhões.

As estatais federais, que foram grandes propulsoras da economia doméstica, investiram R$ 160,5 bilhões em 2013. Ano em que, segundo Ricardo Pessoa, um dos donos da UTC, relatou na CPI da Petrobras de 2015, só a petroleira investia cerca de US$ 1 bilhão a cada três dias. Foi a temporada das grandes refinarias, como as duas super-obras Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e a Refinaria do Nordeste (Rnest).

"O Brasil nunca viveu nada desse tipo. Tem sido um teste para verificar se temos aqui a cultura da preservação das empresas. Nós, que cumprimos com todos os ritos de uma agenda de transformação, com acordos, penas, reformas de governança e troca de lideranças, temos condições de sermos os vetores da mudança de paradigma desse mercado", defende Fabio Januário, presidente da OEC (Odebrecht Engenharia e Construção).

Mas, por enquanto, ainda não é possível ter certezas sobre o futuro. Na opinião de Venilton Tadini, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), as grandes continuarão se destacando. "Infraestrutura requer economia de escala e o tamanho é fundamental. As médias têm limitações financeiras, de garantias." Mas, o cenário ainda é de crise, segundo ele. "Hoje ainda estamos em um processo de redução de mercado. Não tem obra nem para grandes, nem médias, nem pequenas."

Sem obras, a grande maioria das companhias entrou em colapso financeiro diante de redução tão abrupta. As primeiras a enfrentar dificuldades foram as mais expostas às obras da Petrobras. Em 2015, a estatal simplesmente suspendeu o pagamento às construtoras, de obras já então realizadas, diante das revelações da Lava-Jato e da própria crise da petroleira.

Por causa disso, ainda naquele ano, a UTC buscou uma renegociação privada com bancos e a Galvão Engenharia fez uma recuperação judicial a jato - homologou um plano na Justiça em quatro meses. Também em 2015, a OAS recorreu à Justiça para se proteger dos credores, mas só conseguiu aprovar um plano em 2016. Agora, após conseguir finalmente transferir sua participação na investida Invepar aos credores, poderá tentar levantar por completo o processo de recuperação.

Apesar da reestruturação anterior, a UTC também teve de recorrer à proteção judicial em 2017 e, no ano passado, teve o plano aprovado na Justiça. Pressionadas, todas essas empresas tiveram de colocar o foco nas dívidas antes mesmo de solucionar todas as suas pendências jurídicas, com acordos de leniência.

O encolhimento da construtora está no cerne da crise da Odebrecht, que levou à Justiça, no dia 17 deste mês, R$ 65,5 bilhões em dívidas com bancos e seguradoras. O grupo gastou mais de R$ 22 bilhões nos últimos quatro anos, pagando bancos ou vendendo ativos, enquanto priorizava fazer todos os acordos necessários para poder voltar a contratar com governos.

A riqueza da unidade de construção, atual OEC, (que não está em recuperação judicial), durante anos, permitiu o investimento do grupo Odebrecht em outros segmentos e foi o argumento das instituições financeiras para fornecerem crédito sem fazer distinção entre os negócios. Como a fonte secou, a holding se viu em dificuldades para fazer frente aos compromissos.

A Camargo Corrêa, dentre todas, conseguiu maior estabilidade diante da crise, pois a controladora do grupo obteve em dois anos R$ 7 bilhões com a venda de CPFL Energia e Alpargatas.

Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão ainda vivem situação difícil. No ano passado, a Andrade Gutierrez teve de dar as ações da controlada de concessões rodoviárias CCR em garantia para credores - movimento semelhante ao feito pela Odebrecht, que em diversas reestruturações cedeu seus principais ativos. A Queiroz Galvão tenta uma negociação privada para suas dívidas, superiores a R$ 10 bilhões.

De acordo com especialistas ouvidos pelo Valor, a paralisação das obras no país também não possibilita uma diferenciação entre as estratégias das companhias - priorizar dívida ou acordos de leniência. Além disso, ainda não há como saber quem fez o dever de casa e buscou eficiência de custos, após anos de orçamentos infinitos.

Leonardo Coelho, da Alvarez e Marsal, administradora judicial que atuou e atua em diversos casos do setor, ressaltou que "não há uma solução que se aplique a todas". As decisões, segundo ele, variaram muito segundo o perfil da dívida, quais os bancos, as garantidas dadas, e também de acordo com a estratégia adotada sobre quais ativos manter, no caso de grupos com vários negócios.

O exame prático virá quando os investimentos voltarem. Para um especialista que atuou nos mais importantes acordos de leniência fechados nos últimos anos, há uma grande diferença entre Brasil e Estados Unidos, quando o tema são acordos gerados por crimes de corrupção, que pode ter impacto para a sobrevivência das companhias no longo prazo. Enquanto lá, as companhias têm capital aberto e são pulverizadas, aqui predominam as empresas que têm controle familiar. Nos Estados Unidos e em outras economias desenvolvidas, as companhias fazem acordos, trocam conselheiros e executivos e há um recomeço, pois as lideranças foram modificadas. Mas, como as empresas brasileiras têm donos e o controle fica inalterado, o problema reputacional não termina.

A mesma percepção é compartilhada por profissionais da área financeira. A desconfiança sobre os negócios persiste, pois os donos são os mesmos - ainda que executivos sejam trocados. Dessa forma, tem parecido mais desafiador para as companhias brasileiras replicar os exemplos de sucesso das soluções por acordo.

No diagnóstico pós-Lava-Jato também se tornou recorrente a defesa da mudança do modelo econômico para as obras. Na visão de especialistas, deveria ser calcado na exigência de cobertura integral ou majoritária de seguro para o custo das obras, como é fora do país, se forma a penalizar as construtoras que não sejam eficientes na programação e execução de orçamento.

Fonte: VALOR ECONôMICO

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