Atualmente, existe uma discussão jurídica muito aflorada na Justiça brasileira que tenta definir as regras para ação de usucapião em casos de terras públicas. De um lado, está o Estado defendendo o patrimônio que é de todos nós, brasileiros. De outro, particulares defendem seus interesses de forma judicial pela falta de gestão fundiária do Brasil.
Dentro desse contexto jurídico, é preciso consignar que vigora no ordenamento jurídico, mais especificadamente nos artigos 183, parágrafo 3º e 191, parágrafo único, da Constituição Federal e artigo 102, do Código Civil, que os imóveis públicos não estão sujeitos a usucapião.
Nesse mesmo sentido, o entendimento majoritário doutrinário e jurisprudencial vem se posicionando em favor da vedação imposta pelo ordenamento jurídico. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso também vem seguindo essa linha com base em precedentes do Superior Tribunal de Justiça. A corte superior tem deixado claro que o particular jamais poderá exercer posse ou poderes da propriedade sobre imóveis públicos, e sim mera detenção, sendo impossível a configuração dos requisitos para usucapião.
Por outro lado, já existem entendimentos dos tribunais de que o imóvel que não possui registro de propriedade não pode ser visto como “terra devoluta”. Nesse caso, cabe ao Estado tal comprovação. Aqui surge uma grande necessidade de o Estado identificar e ter informação de quais áreas não são particulares. Isso para poder efetivamente arrecadá-las e incorporar no seu patrimônio, sob pena de essas áreas passarem ao domínio de particular por usucapião, não por ser permitido usucapião em bem público, mas porque não vigora a previsão irus tantum de que o bem é público. Cabe ao Estado o dever de provar que área pertence a ele.
Outro ponto que precisa ser esclarecido é que a ação de usucapião só pode ser reconhecida sobre terras públicas e devolutas em casos que ocorreram antes da Constituição Federal de 1988. Isso já é entendimento pacificado nos tribunais. É possível confirmar usucapiões sobre bens dominicais, devidamente consumadas antes do início da vigência do Código Civil de 1916.
Dessa forma, fica claro que existe uma grande divergência jurídica quanto ao tema, porém, muito pacificada quanto às distinções de formas de hipóteses.
Uma notícia interessante aos defensores da possibilidade de se usucapir imóveis públicos está na PEC 292/2016, de autoria do deputado federal Romidio Manai (PR-RR). A proposta prevê a alteração dos artigos 183 e 191 da Constituição Federal, que visa permitir usucapião de bens dominicais, entre os quais se incluem as terras devolutas.
Da leitura do inteiro teor do projeto, é possível perceber que, se promulgada a lei, usucapião de bens públicos passaria a ser permitido somente em relação às terras devolutas. Não será possível sobre os bens de uso comum ou especial, como as praças e os prédios onde funcionam os órgãos da administração pública.
Segundo a justificativa do projeto, ele também possui um apelo social. Isso porque a insegurança jurídica que paira sobre milhares de famílias que não possuem o título de propriedade das áreas que ocupam, seja no meio rural ou urbano, invocando os princípios fundamentais da República, apregoados nos artigos 1º a 4º da Constituição Federal. Entre eles, destacam-se a construção da cidadania, da dignidade da pessoa humana e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Porém, nesse sentido existem várias correntes de que os interesses particulares não podem se sobrepor aos interesses coletivos. Fica no ar assim uma grande celeuma jurídica. É jogado no colo da administração a responsabilidade de identificar quais áreas são particulares e quais são públicas, inclusive sob pena de cometerem ato de improbidade administrativa.
Dessa forma, conclui-se que o ordenamento jurídico vigente, acompanhado pela doutrina maciça e a jurisprudência pacificada, vedam usucapião das terras públicas, com exceção das situações consolidadas antes da vigência do Código Civil de 1916, quando a lei civil autorizava usucapião de terras públicas.
Irajá Lacerda - Advogado, presidente da Comissão de Direito Agrário da OAB-MT e da Câmara Setorial Temática de Regularização Fundiária da Assembleia Legislativa de MT.
Fonte: ConJur
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