domingo, 4 de fevereiro de 2018

CUIDADOS QUANTO AO IMÓVEL E A PESSOA DO VENDEDOR NA COMPRA E VENDA IMOBILIÁRIA


I. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como finalidade única alertar o pretenso comprador dos riscos inerentes ao negócio de compra e venda de um bem imóvel, visando conferir-lhe segurança jurídica para minimizar ao máximo os possíveis problemas que possam surgir em decorrência das tratativas com o suposto vendedor.

Inicialmente, cumpre esclarecer que desde 1973 a legislação brasileira estabelece que a transmissão da propriedade somente ocorrerá com o registro do título no Cartório de Registro de Imóveis.

O título nada mais é que a formalização de um negócio jurídico, celebrado entre duas ou mais pessoas capazes, onde constará a qualificação do (s) comprador (es) e vendedor (es), o imóvel objeto da transação, com a descrição de suas características, localização, dentre outras, bem como o preço, a forma e o prazo de pagamento para aquisição do bem.

A lei impõe que o título deve ser solene, ou seja, deverá ser lavrado perante um tabelião, em um Cartório de Notas, através da denominada escritura pública. O legislador admite, em caráter excepcional, o contrato de promessa de compra e venda celebrado entre as partes como título, que para maior segurança deve ter reconhecimento de firma das assinaturas dos mesmos e ser assinado na presença de duas testemunhas.

Como dito no primeiro parágrafo desta introdução, o título só é capaz de transferir a propriedade quando levado à registro perante o Cartórios de Imóveis, ocasião em que o registrador verificará se o título cumpre as determinações legais para ser registrado.

Ocorre que não são raras as hipóteses em que, mesmo registrado, a aquisição pode gerar uma tremenda “dor de cabeça” ao adquirente do imóvel, seja em função da figura do vendedor, seja em função do imóvel, motivo pelo qual o comprador deve estar sempre atento e se resguardar de todas as formas possíveis.

Por isso, os tópicos seguintes serão divididos em dois, um para alertar sobre os cuidados quanto à pessoa do vendedor, e outro quanto ao imóvel que se pretende adquirir;

II. DOS CUIDADOS QUANTO A PESSOA DO VENDEDOR

Seja o vendedor pessoa física ou jurídica, o comprador deve sempre certificar-se objetivamente se a pessoa com quem está lidando é moral e financeiramente idônea, extirpando as chances do negócio jurídico ser considerado nulo e minimizando as chances deste ser anulável, lembrando que anulabilidade e nulidade são institutos jurídicos distintos, diferença essa que o artigo não tem finalidade de abordar.

Portanto, a segurança jurídica almejada só pode ser integralmente obtida através das certidões.

Em primeiro lugar, é fundamental obter a certidão da matrícula do imóvel atualizada, onde se verificará se estamos diante do real proprietário do bem. Tal certidão será abordada no tópico seguinte com os detalhes que lhe são pertinentes, pois se relaciona mais com o imóvel do que com a figura do vendedor.

Em segundo lugar, é importante que o pretenso comprador obtenha certidões de quitação de contribuições e tributos nas três esferas governamentais (União, Estado-membro e Município) do vendedor. É salutar destacar que mesmo que o imóvel tenha sido adquirido de uma pessoa física, mister checar a saúde financeira das empresas que o vendedor possui, pois a personalidade jurídica da empresa pode ser desconstituída em um processo judicial para atingir diretamente o patrimônio da pessoa física, o que ocorre com mais frequência na Justiça do Trabalho. Ainda, quanto à questão tributária, caso o comprador, ao formalizar o título, não apresente as certidões de regularidade fiscal ou constar do título cláusula no sentido de que não há nenhum débito fiscal em aberto relativo ao imóvel, responderá pelo passivo tributário incidente sobre o bem que porventura exista.

Quando a compra ocorrer diretamente de pessoa jurídica, é importante que o pretenso comprador certifique-se de que o vendedor não possui débitos previdenciários junto ao INSS. Também deve-se ter em mente que a certidão de regularidade nos pagamentos junto ao FGTS é de grande valia.

Deverá, ainda, obter cópia autenticada do documento de identidade e CPF da pessoa física ou dos sócios da pessoa jurídica, bem como, no caso do vendedor ser uma PJ, obter cópia na Junta Comercial das alterações no contrato social da empresa nos últimos dois anos, através do seu CNPJ.

Não obstante, a certidão de nascimento atualizada do vendedor adquirida junto ao Cartório de Registro Civil permitirá ao pretenso comprador ter certeza do estado civil do vendedor, posto que, caso este seja casado, constará da certidão de nascimento do mesmo e será necessária a outorga uxória do cônjuge, ou seja, é essencial a assinatura deste último, sob pena de se poder anular o negócio jurídico celebrado.

O futuro adquirente deverá ainda obter certidões na Justiça Federal e Estadual em nome e CPF do vendedor em matéria de execução fiscal, cível e penal, posto que até mesmo no Direito Penal o vendedor está sujeito a pagar multas ou seus bens podem ser, por exemplo, fruto de lavagem de dinheiro, o que poderá acarretar nulidades na compra e venda.

Havendo dívida tributária com quaisquer destes entes federados ou em matéria cível com quem quer que seja, o vendedor pode, ao vender o imóvel, estar tentando se desfazer dos bens para fraudar o pagamento em um processo, por exemplo, o que poderá culminar na anulação do negócio firmado e o comprador vir a perder o bem adquirido.

Por fim, é imprescindível que se obtenha Certidão em Cartório de Protestos e Títulos, para eventualmente ter conhecimento de alguma dívida havida pelo vendedor. Em caso de falência da pessoa jurídica, por exemplo, o Juiz poderá fixar que a data da Falência retroaja em até 90 dias, contados do primeiro protesto por falta de pagamento, por exemplo, ocasião em que o bem imóvel será incutido na massa falida para pagamento dos credores.

Caso o título seja lavrado por escritura pública, deve-se nele pedir para constar que todas essas Certidões foram apresentadas ao tabelião do Cartório de Notas, fazendo-se transcrever o que delas constam, considerando que este goza de fé pública, ou seja, presume-se verdadeiro o ato que este lavrar, dependendo de prova em contrário para descaracterizá-lo.

Dúvida recorrente é: “Onde devo tirar tais certidões?” As certidões devem ser obtidas, dentro de um princípio de razoabilidade, no local onde está situado o imóvel e, caso o vendedor tenha domicílio em outra Comarca, em ambas as cidades, pois, desta forma, demonstra-se que o adquirente agiu de boa fé, havendo matéria para defendê-lo caso alguma circunstância inesperada ocorra.

Outra questão recorrente diz respeito à possibilidade de adquirir imóvel de um menor de idade. Muitos questionam se os pais poderiam vender o imóvel para o pretenso comprador, por meio de escritura pública ou promessa de compra e venda.

Entretanto, tal procedimento não é possível, em regra. Para que se adquira imóvel em que o proprietário é menor de idade, ou este deverá ser emancipado, possibilidade que ocorre aos menores de idade a partir de 16 e até completar 18 anos, mediante escritura pública com assinatura dos pais diante de um tabelião, ou deverá haver autorização judicial, onde os responsáveis pelo menor demonstrarão ao Juiz a necessidade de venda do bem, e este, depois de ouvir o Ministério Público, negará ou concordará com o pedido, hipótese em que expedirá um alvará autorizando a venda do imóvel e a escritura poderá ser lavrada e outorgada.

III. DOS CUIDADOS QUANTO AO IMÓVEL QUE SE PRETENDE ADQUIRIR

O imóvel que se pretende adquirir pode ter diversos impedimentos legais, o que pode culminar na restrição do domínio do adquirente sobre o bem. Já imaginou, por exemplo, adquirir a propriedade do imóvel e não poder exercer nele sua moradia?

Portanto, como dito no início do tópico anterior, é imprescindível que se obtenha a certidão da matrícula do bem, que conterá a descrição deste e todos os registros e averbações já havidos sobre aquele imóvel. Por exemplo, suponhamos que o proprietário contraiu uma dívida e ofereceu como garantia do pagamento aquele determinado imóvel. Logo, esse direito de garantia que a lei atribui o nome de hipoteca deverá estar registrado na matrícula para produzir efeitos, pois somente com o registro na matrícula do imóvel é que se confere a publicidade necessária para que a garantia produza efeitos. Assim, o terceiro que pretende adquirir o bem, se cientifica que o imóvel está garantindo uma dívida, e, optando por comprá-lo, está ciente que assumirá um risco considerável de perdê-lo.

Através da matrícula do imóvel também é possível perceber se o imóvel tem mais de um dono, ocasião em que aquele que pretende vender deve formalmente oferecer sua cota-parte aos demais condôminos/coproprietários, pelo mesmo valor que um terceiro pretende comprar. É o denominado direito de preferência. Caso um dos condôminos venda sua parte e não tenha dado preferência ao (s) outro (s) condômino (s), o condômino preterido poderá ingressar com uma ação de adjudicação e obter para si aquela cota-parte, pagando o preço que o terceiro houver pago.

Também é na matrícula que se pode notar se o imóvel tem cláusula de inalienabilidade, o que inviabilizaria essa transferência. Ainda, se houver uma locação com cláusula de vigência e registro na matrícula do imóvel, o adquirente deverá respeitar todo aquele prazo do contrato, se sub-rogando obrigatoriamente (tomando a posição de locador) no contrato de locação. Frisa-se que, caso o locatário tenha direito a ingressar com uma ação renovatória em virtude do longo prazo pelo qual é inquilino do imóvel e o faça, o adquirente também nada poderá fazer, mas tão somente respeitar o novo prazo da locação.

É importante pontuar que o vendedor, assim como nos casos de condomínio/copropriedade sobre o imóvel, deve dar preferência ao locatário na venda do bem, caso o contrato de locação esteja averbado na matrícula do imóvel, sob o risco de que o locatário ingresse com a mesma ação de adjudicação em até 180 dias, pagando o preço pago pelo adquirente, situação em que este perderá a propriedade adquirida.

O pretenso comprador, ainda, deve obter junto ao Município uma certidão negativa de tributos municipais. Caso o imóvel tenha qualquer dívida ou multa junto à Prefeitura, aquele que adquire a propriedade será responsável por arcar com seu pagamento, pois as dívidas inerentes ao imóvel são vinculadas a este, mesmo enquanto outra pessoa era proprietária do bem.

É o que também ocorre com as dívidas condominiais da unidade autônoma que se pretende adquirir e as do próprio condomínio quanto aos débitos previdenciários e trabalhistas. Caso aquela unidade que se adquire esteja em débito com o condomínio, será o adquirente o responsável por quitá-las, não podendo alegar que a dívida foi feita pelo antigo proprietário. Quanto aos débitos trabalhistas e previdenciários do condomínio, suponhamos que o síndico anterior não realizou alguns pagamentos, e um novo síndico assumiu o condomínio. Assim, se constatados os débitos, os demais condôminos provavelmente terão que arcar com um valor condominial maior para custear essas despesas, cabendo por parte do condomínio ação de regresso contra síndico anterior que descumpriu suas obrigações.

Tanto as certidões de quitação da unidade autônoma que se pretende adquirir quanto a certidão de débitos trabalhistas e previdenciárias de todo condomínio deverão ser obtidas diretamente do síndico, através de assinatura deste, ou de terceiro, desde que tenha procuração conferida pelo síndico do condomínio, evitando assim quaisquer discussões jurídicas a respeito da legalidade do documento futuramente.

Por fim, é importante que se obtenha certidão de utilidade pública e tombamento, nos estados e municípios. No Estado de São Paulo, por exemplo, praticamente todo bairro do Pacaembu é tombado, motivo pelo qual não se pode alterar as características dos imóveis que se inserem naquele território.

IV. CONCLUSÃO

O presente estudo buscou esclarecer àqueles que pretendem adquirir um imóvel sobre quais documentos são importantes obter para garantir a maior segurança jurídica possível na compra de um bem imóvel, diminuindo assim a possibilidade de fechar um negócio que trará problemas futuros ao comprador.

Muito embora algumas situações corriqueiras tenham sido aqui narradas, não é o intuito esgotar a matéria, considerando que inúmeras outras situações jurídicas podem surgir durante um processo de compra e venda, se tornando essencial na maior parte das vezes a presença de um profissional especializado para assegurar que o direito de propriedade seja transmitido com o menor risco possível, conferindo tranquilidade as partes contratantes, principalmente ao adquirente de boa fé.

Diogo Caparroz Ferraz - Pós Graduando em Direito Imobiliário Aplicado na Escola Paulista de Direito; Graduado pela Faculdade de Direito Milton Campos, em Belo Horizonte/MG; Advogado no escritório Caparroz Ferraz Advocacia.
Fonte: Artigos Jus Navigandi

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