Muito se discute sobre as garantias dos imóveis, especialmente os novos. Não apenas os compradores têm dúvidas sobre o assunto, mas também os próprios incorporadores ou construtores apresentam argumentos dos mais variados para tentar se furtar desse dever legalmente determinado, competindo em última análise ao Poder Judiciário fazer cumprir a Lei.
Afinal, o vendedor responde pelos defeitos do imóvel durante 5 (cinco) anos; 10 (dez) anos; ou 20 (vinte) anos? Ou o prazo de responsabilização é de apenas 90 (noventa) dias?
Primeiramente, é imprescindível destacar as diferenças nos tipos de problemas que qualquer imóvel pode vir a apresentar, cujos prazos de garantias são diferenciados pela letra da Lei e pelo entendimento de nossos Tribunais. São eles:
– irregularidades na medida do imóvel
– imperfeições aparentes e vícios ocultos
– problemas com a segurança e solidez da obra
Ademais, não se pode perder de vista se a relação entre as partes contratantes é regida pelo Código Civil ou se a relação é de consumo, pois há diferença para os prazos de garantia.
Irregularidades na medida do imóvel
Havendo diferença na medida do imóvel adquirido, através da confrontação do memorial descritivo (ou Contrato) com a realidade da metragem, tem o comprador a faculdade de pedir ao vendedor: i) a rescisão do negócio e a restituição do valor pago devidamente corrigido; ii) pedir o abatimento do preço proporcionalmente à parte faltante (ação chamada quanti minoris); e iii) exigir o complemento da área se isso for possível ao vendedor (ação chamada ex empto), o que em se tratando de imóveis normalmente não é.
Cumpre destacar que a entrega de imóvel com metragem menor do que a combinada em Contrato não é o mesmo que vício redibitório, onde então o bem é entregue por inteiro, só que com um defeito oculto que compromete sua utilidade.
Se a relação de compra e venda for entre partes equivalentes, aplica-se o artigo 501 do Código Civil e o prazo para manifestação do comprador é de 1 (um) ano, tratando-se de prazo eminentemente decadencial, motivo pelo qual após seu decurso, não poderá requerer absolutamente nada em face do vendedor sobre a diferença de metragem no imóvel adquirido.
O prazo de 1 (um) ano é contado a partir do registro do Contrato perante o Registro de Imóveis competente ou, havendo atraso na entrega do imóvel por culpa do vendedor, esse prazo conta-se a partir da entrega do bem ao comprador, conforme determina o parágrafo único do mencionado artigo.
Entretanto, se a relação entre as partes for de consumo, aplica-se o artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor e ali o prazo para a reclamação de diferença na metragem do imóvel é prescricional de 5 (cinco) anos, contado a partir do conhecimento da diferença.
Em qualquer dos casos, haverá a necessidade de uma perícia no imóvel para apurar se, de fato, existe diferença a menor.
Vale esclarecer que a diferença essencial entre a decadência do direito e a prescrição do mesmo consiste no fato de que a decadência não se interrompe ou se suspende, enquanto que a prescrição pode ser tanto interrompida quanto suspensa na forma da legislação.
Na decadência, a partir do momento em que o prazo começa, flui continuamente até sua extinção. Portanto, extinto o prazo decadencial, perdido estará o direito. Daí a importância de ser observado o prazo previsto no artigo 501 do Código Civil.
Imperioso ressaltar que o comprador somente terá direito a reclamar por eventual diferença na metragem se a venda tiver sido realizada ad mensuram, ou seja, venda em que o preço é estipulado por medida de extensão, apresentando-se a área exata do imóvel, caracterizando o preço do negócio por base em cada tamanho de unidade ou medida por cada hectare, alqueire, metro quadrado, etc.
Se a venda e compra estiver baseada apenas no preço existente no Contrato, sem descrição pormenorizada das características do imóvel, o comprador não terá direito em discutir eventual diferença na metragem por representar uma venda ad corpus, que é quando se leva em consideração o bem e as características de sua localização, comodidades e demais especificações, sem dar importância à área do imóvel.
Normalmente os Contratos que apresentam uma venda imobiliária ad corpus trazem frases no seguinte contexto: “as dimensões do imóvel são de caráter secundário; meramente enunciativas; mais ou menos; ou repetitivas daquelas existentes no cartório de registro de imóveis.”
Entretanto, o entendimento que prevalece na maioria dos casos submetidos ao Judiciário é que a venda e compra de imóvel (especialmente imóvel urbano) é necessariamente ad mensuram, notadamente porque a referência à área NÃO é meramente enunciativa, o que concordamos, já que pensamento diferente significa propiciar enorme lesão ao comprador, aniquilando direitos assegurados, não sendo esse o objetivo da Lei, especialmente quando se leva em conta que o imóvel é vendido como uma unidade, mas o cálculo do preço é sempre feito com base no valor do metro quadrado.
Abaixo alguns dos precedentes existentes em nossos Tribunais sobre o prazo para o comprador reclamar na justiça a existência de diferença na metragem de imóvel, seja através de ação visando o abatimento proporcional do preço ou a rescisão do contrato.
Prazo decadencial de 1 (um) ano para reclamar de diferença na metragem de imóvel pelo Código Civil:
– TJSP. Apelação nº 0000536-35.2011.8.26.0322, acórdão nº 2014.000008674, 10ª Câm. de Direito Privado, Relator: Carlos Alberto Garbi, data do julgamento: 18 de fevereiro de 2014.
– TJSP. Apelação nº 0170012-34.2006.8.26.0100, acórdão nº 2014.000008495, 02ª Câm. de Direito Privado, Relator: Neves Amorim, data do julgamento: 18 de dezembro de 2013.
– TJSP. Apelação nº 0347475-64.2009.8.26.0000, acórdão nº 2012.0000632033, 03ª Câm. de Direito Privado, Relator: João Pazine Neto, data do julgamento: 27 de novembro de 2012.
– TJMG. Apelação nº 1.0194.08.085450-9/001, 15ª Câm. Cível, Relator: Tiago Pinto, data do julgamento: 20 de junho de 2013.
Prazo prescricional de 5 (cinco) anos para reclamar de diferença na metragem de imóvel pelo Código de Defesa do Consumidor:
– TJPR. Apelação nº 971074-3/01, 06ª Câm. Cível, Relator: João Antônio De Marchi, data do julgamento: 11 de março de 2014.
Imperfeições aparentes e vício oculto
A responsabilidade do construtor pela existência de defeitos na obra, sejam eles aparentes ou ocultos, é em regra subjetiva, ou seja, depende da apuração de culpa, restando traçar a diferença entre o que é defeito aparente e o que é vício oculto e suas implicações no campo jurídico das relações entre adquirente e vendedor.
Tratando-se a compra e venda de imóvel de relação de consumo, a responsabilidade do fornecedor é objetiva pura, pouco ou nada importando discussões sobre responsabilidade contratual ou extracontratual. Isso não tem cabimento quando a matéria é protegida pelo Código de Defesa do Consumidor.
Vale dizer: existindo dano ao comprador, o fornecedor deverá ser responsabilizado, conforme determinação do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, salvo se conseguir demonstrar que o defeito é inexistente ou que a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Por defeito aparente deve-se entender tudo aquilo que é possível de ser percebido de imediato, bastando prestar atenção, pois o defeito é perfeitamente constatável, como, por exemplo: parede torta; azulejo quebrado ou mal colocado; pia quebrada; porta empenada; vidros riscados, vaga de garagem com tamanho errado, etc.
Em se tratando de imóveis, é de suma importância a realização de uma boa e perfeita análise pelo comprador antes de assinar o termo de vistoria, pois uma vez assinado, depois ficará difícil argumentar que o defeito era oculto.
Já o vício oculto (também chamado de vício redibitório), seja por insegurança ou por inadequação, é aquele que não se percebe de pronto, ou seja, sua constatação não é possível de ser feita a partir da entrega, aparecendo somente posteriormente, após um período de utilização, caracterizando-se por ser um defeito que torna impróprio o uso do bem ou lhe diminua o valor, a teor do quanto previsto pelo artigo 441 do Código Civil.
Prazos para reclamação de defeitos aparentes:
Sendo o defeito aparente e a relação das partes estritamente contratual, nela não sendo aplicáveis as disposições do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade do vendedor ou fornecedor termina com a efetiva entrega da obra, devendo o adquirente certificar-se da inexistência de defeitos aparentes por ocasião da vistoria. (vide precedente: TJSP, Apelação nº 0026955-71.2010.8.26.0114, acórdão nº 2014.0000384377, 04ª Câm. de Direito Privado, Des. Relator: Teixeira Leite, data do julgamento: 26 de junho de 2014).
Tratando-se a aquisição do imóvel de relação de consumo, o comprador tem o prazo decadencial de até 90 (noventa) dias para apresentar sua reclamação formal ao vendedor, conforme determina o inciso II, do artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor, a contar da entrega do bem, notadamente pelo fato de o imóvel (e sua composição) ser considerado um bem durável.
Prazos para reclamação de vício oculto:
No Código Civil, o vício oculto vem regulado nos artigo 441 e seguintes, sendo certo que o prazo para reclamações é decadencial em 1 (um) ano, contado da data da entrega do imóvel ao adquirente e de 6 (seis) meses apenas, na hipótese do adquirente já estar na posse do bem (exemplo: locatário que compra o imóvel), conforme determina o artigo 445.
Ademais, o artigo 445 do Código Civil, determina que quando o vício, tratando-se de imóvel e por sua natureza, somente puder ser conhecido mais tarde, admite que o prazo de 1 (um) ano para a reclamação seja contado a partir da data do conhecimento do defeito oculto, ocorrendo, necessariamente, em até 1 (um) ano da data da aquisição, devendo denunciar a descoberta do defeito ao vendedor nos 30 (trinta) dias seguintes, sob pena de decadência, conforme determina o artigo 446.
Na hipótese de relação de consumo em imóvel, tem o comprador o prazo decadencial de até 90 (noventa) dias para apresentar sua reclamação formal ao vendedor, a contar do momento em que for constatado o defeito, conforme determina o §3º do Código de Defesa do Consumidor.
E sendo o vício oculto em uma relação de consumo, o prazo decadencial somente pode ser obstado se o comprador apresentar sua reclamação perante o fornecedor de forma inequívoca (por escrito!), persistindo a interrupção do prazo até o momento da resposta negativa formal, devendo ser igualmente transmitida de forma inequívoca.
Ações do adquirente:
Seja o defeito aparente ou em se tratando de vício oculto, é facultado ao adquirente uma das seguintes ações: i) pleitear a devolução do preço pago (ação redibitória); ou ii) pedir o abatimento do preço a título de indenização pelo defeito existente (ação chamada quanti minoris).
Abaixo alguns dos precedentes existentes em nossos Tribunais sobre o prazo para o adquirente reclamar na justiça a existência de defeitos aparentes e vício oculto em imóvel.
90 (noventa) dias em caso de defeito aparente com base no Código de Defesa do Consumidor a partir da entrega do imóvel:
TJMG, Apelação nº 1.0024.09.734674-6/001, 13ª Câm. Cível, Des. Relator: Claudia Maia, data do julgamento: 22 de agosto de 2013
90 (noventa) dias a partir da constatação com base no Código de Defesa do Consumidor em caso devício oculto no imóvel:
– STJ, Recurso Especial nº 1.172.331-RJ, 3ª Turma, Des. Ministro João Otávio de Noronha, data do julgamento: 24 de setembro de 2013
– TJSP, Apelação nº 0020845-67.2009.8.26.0348, acórdão nº 2014.0000619980, 29ª Câm. de Direito Privado, Des. Relator: Hamid Bdine, data do julgamento: 01 de outubro de 2014
– TJSP, Apelação nº 0007804-78.2007.8.26.0291, acórdão nº 2014.0000440055, 27ª Câm. de Direito Privado, Des. Relator: Morais Pucci, data do julgamento: 29 de julho de 2014
1 (um) ano contado da data da entrega do imóvel ao adquirente pelo Código Civil:
– TJSP, Apelação nº 0013203-88.2009.8.26.0624, acórdão nº 2013.0000196679, 04ª Câm. de Direito Privado, Des. Relator: Milton Carvalho, data do julgamento: 04 de abril de 2013
Problemas com a segurança e solidez da obra
Questão mais grave e com maior proteção legal diz respeito a problemas com a segurança e solidez da obra.
Por entendimento da doutrina e da jurisprudência, a solidez e segurança referem-se não apenas a riscos de ruína da obra, englobando ainda os vícios de construção que tornem o imóvel impróprio para o uso ao qual se destina.
Exemplos de defeitos que afetam a solidez e segurança do imóvel: infiltrações e vazamentos; rachaduras; descolamento de concreto e demais problemas que impliquem falta de segurança à obra, colocando os moradores em risco.
Nesse aspecto, o Código Civil apresenta o prazo de garantia de 5 (cinco) anos para a responsabilidade do fornecedor pela solidez e segurança da obra, incluindo seus materiais e o solo, conforme artigo 618, contados a partir da entrega, cumprindo ressaltar que há precedentes na jurisprudência do STJ, admitindo a contagem desse prazo a partir da descoberta do vício (vide STJ, REsp nº 903.771-SE, de 12 de abril de 2011).
Todavia, a teor do parágrafo único, do artigo 618 do Código Civil, o dono da obra decairá do direito de demandar o construtor caso não ingresse com a medida judicial dentro do prazo de 180 (cento e oitenta) dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito e desde que a ação a ser intentada tenha natureza desconstitutiva, como, por exemplo, a ação de rescisão do contrato.
Para ações que objetivam indenização por defeitos no imóvel que atinjam sua solidez e segurança, aplica-se a regra geral do Código Civil, onde o prazo de prescrição para o exercício do direito de ação é de 10 (dez) anos, conforme se verá a seguir.
O prazo de 5 (cinco) anos para a responsabilização do fornecedor deve ser entendido como sendo de ordem publica e, portanto, irrenunciável por qualquer tipo de disposição entre as partes contratantes, sob pena de evidente nulidade (vide precedente: TJSP, Apelação nº 0003485-28.2005.8.26.0650, 5ª Câm. de Direito Privado, Relator: Moreira Viegas, data do julgamento: 29 de agosto de 2012).
O prazo de 5 (cinco) anos do artigo 618 do Código Civil é claramente um prazo de garantia, traduzindo o período em que o construtor responde por problemas que afetem a solidez e segurança da obra. Esse prazo de 5 (cinco) anos, portanto, não é um prazo de prescrição ou de decadência.
Assim, o adquirente não precisa se preocupar em ter que ingressar com ação de indenização dentro do prazo de 5 (cinco) anos, bastando demonstrar que o problema ocorreu dentro desse período de garantia para obter a responsabilidade civil do construtor ou incorporador.
O prazo para o exercício do direito de ação de indenização por defeito no imóvel que atinja sua solidez e segurança prescreve em 10 (dez) anos, conforme artigo 205 do atual Código Civil.
Importante destacar que o prazo de prescrição de 20 (vinte) anos para o dono da obra acionar judicialmente a responsabilidade civil do construtor, com base, inclusive, na súmula nº 194 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), somente tem aplicação para eventos ocorridos na vigência do Código Civil de 1916, conforme o seguinte precedente: STJ, REsp nº 215.832-PR, de 06 de março de 2003.
Portanto, na vigência do atual Código Civil, tem-se o entendimento de que a súmula nº 194 do Superior Tribunal de Justiça não mais subsiste no cenário jurídico contemporâneo, uma vez que houve redução de 20 (vinte) para 10 (dez) anos o prazo para exigir judicialmente indenização do construtor por defeitos no imóvel que afetem sua solidez e segurança.
Por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor apresenta prazo de 5 (cinco) anos para a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou serviço, contados a partir do conhecimento do dano e de sua autoria, cumulativamente, conforme previsto pelo artigo 27.
Caso a relação seja de consumo, mantém-se o prazo de garantia estabelecido no Código Civil de 5 (cinco) anos, sendo certo que o comprador (consumidor) tem o mesmo prazo para demandar contra o construtor por defeitos no imóvel que comprometam sua solidez e segurança, contados a partir do conhecimento do dano e de sua autoria, devendo provar que o defeito ocorreu dentro do prazo de garantia legal.
Vale comentar a existência de precedentes existentes em nossos Tribunais sobre o prazo de prescrição de 10 (dez) anos para demandar em face do construtor na hipótese de existir defeito no imóvel que atinja sua solidez e segurança, na vigência do atual Código Civil:
– STJ, Recurso Especial nº 1.290.383-SE, 3ª Turma, Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, data do julgamento: 11 de fevereiro de 2014
– STJ, Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 176.664-SC, 3ª Turma, Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, data do julgamento: 18 de fevereiro de 2014
– TJDF, Apelação nº 20060110361428APC, 3ª Turma, Des. Relator: Nídia Corrêa Lima, data do julgamento: 07 de março de 2012
– TJPR, Apelação nº 500.051-7, 12ª Turma, Des. Relator: Marcos S. Galliano Daros, data do julgamento: 26 de novembro de 2008
– TJSP, Apelação nº 0008134-03.2010.8.26.0281, 6ª Câm. de Direito Privado, Relator: Alexandre Lazzarini, data do julgamento: 17 de maio de 2012
– TJSP, Apelação nº 0001852-26.2010.8.26.0223, acórdão nº 2014.0000371286, 2ª Câm. de Direito Privado, Des. Relator: Marcia Tessitore, data do julgamento: 24 de junho de 2014
– TJSP, Apelação nº 0017429-98.2010.8.26.0011, acórdão nº 2013.0000211966, 3ª Câm. de Direito Privado, Des. Relator: Donegá Morandini, data do julgamento: 16 de abril de 2013
Finalmente, vale destacar que a legitimidade ativa para requerer judicialmente indenização por defeito existente em imóvel é do adquirente e, em determinados casos, tem-se admitido sem maiores problemas a figura do Condomínio, especialmente quando se trata de defeitos que comprometam a solidez e segurança da obra.
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