sábado, 21 de novembro de 2015

DECISÃO SOBRE CONDÔMINO INADIMPLENTE MERECE APLAUSOS


A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu recentemente, ao julgar o REsp 1.247.020, que o condômino inadimplente que não cumpre com seus deveres perante o condomínio pode ser obrigado a pagar multa de até dez vezes o valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais. Em outras palavras, disse o STJ que a multa prevista no parágrafo único do artigo 1.337 do Código Civil pode ser aplicada ao devedor contumaz, cumulativamente com a multa moratória de 2% prevista no parágrafo 1º do artigo 1.336.

A posição coincide com a que vimos sustentando desde 2008, quando da publicação do trabalho “Condomínio edilício: inadimplência, multas e juros. Algumas controvérsias”[1].

No âmbito do condomínio edilício, a lei dispõe sobre a aplicação basicamente de dois tipos de multas: a multa moratória, cuja finalidade é sancionar a impontualidade do condômino, que tem como fato gerador o retardamento da execução da obrigação específica de pagar a taxa condominial, e a multa compensatória, destinada a compensar ou reparar o condomínio pelo descumprimento do pacto de convivência estabelecido na convenção por um ou por alguns dos condôminos. Tem como fato gerador a inexecução total ou parcial da convenção.

A multa moratória é aquela prevista no parágrafo 1º do artigo 1.336. As multas compensatórias são aquelas previstas no parágrafo 2º do artigo 1.336 e no artigo 1.337. Em face de terem origem em fatos geradores diversos, multas moratória e compensatórias poderão ser cumuladas, como corretamente decidiu o STJ.

A multa prevista no caput do artigo 1.337 é destinada a punir o descumprimento “reiterado” de toda e qualquer obrigação do condômino para com o condomínio. O dispositivo tem como objetivos primordiais assegurar a paz e a harmonia no condomínio, coibindo comportamentos incompatíveis com a vida comunitária, além de estimular uma maior participação dos condôminos nas assembleias.

Daí prever o caput do artigo a aplicação de uma multa de até um quíntuplo da cota condominial para o condômino que, reiteradamente, não cumpre com suas obrigações perante o condomínio, prejudicando e sobrecarregando os demais condôminos, multa que não só pode como deve ser imposta ao condômino que repetidamente deixa de pagar a sua cota condominial.

Isso porque, entre os deveres do condômino para com o condomínio, o mais importante deles, sem sombra de dúvida e até mesmo por definição emergente do inciso I do artigo 1.336 do CC, é o de contribuir para as despesas do condomínio. O descumprimento reiterado desse dever conduz à possibilidade de ser aplicada a multa prevista no caput do artigo 1.337.

Mas atenção: essa multa não tem por função punir o simples inadimplemento, mas coibir a chamada “inadimplência reiterada”, compensando o condomínio pela violação, pela inexecução da convenção, representada pelo descumprimento reiterado do mais importante dever do condômino para com o condomínio.

Em razão da nítida distinção entre a imposição da multa moratória pelo atraso no pagamento da cota condominial e a multa compensatória pelo descumprimento reiterado de deveres de condômino, inclusive o dever de pagar a taxa, não há óbice a que haja a cumulação das duas penas, em face da diversidade de fatos geradores. De fato, se os fatos geradores fossem idênticos, estaríamos punindo um mesmo fato com duas penas, o que caracterizaria inadmissível bis in idem. Mas não é esse o caso!

Na verdade, são dois fatos geradores distintos. Uma coisa é a inexecução parcial da convenção do condomínio, caracterizada pelo atraso ou impontualidade na quitação da taxa (inadimplemento relativo da prestação). Esse fato é apenado com a multa moratória de 2%. Outra coisa, completamente diversa, é a reiteração da impontualidade. Nessa última hipótese, o fato gerador não é a inadimplência em si, mas a “repetição” da conduta, a contumácia, o comportamento de reiteradamente inadimplir, de sempre atrasar. Esse comportamento contumaz, muitas vezes até mesmo proposital, viola completamente o pacto de convivência estabelecido na convenção, razão pela qual deve ser punido por meio de pena pecuniária, a qual, nesse caso específico, tem natureza compensatória ou reparatória.

Claro é que o conceito de “descumprimento reiterado” é aberto e indeterminado, devendo ser preenchido de acordo com as circunstâncias do caso concreto e tendo sempre em mira o princípio da boa-fé objetiva. O prazo para caracterização da “reiteração” pode variar. A situação de um rico comerciante que, propositadamente, por “pirraça” com o síndico, por exemplo, deixa de pagar a taxa por dois ou três meses consecutivos não pode ser equiparada àquela do comerciário desempregado que deixa de pagar a taxa por vários meses, consecutivos ou alternados, por absoluta falta de recursos financeiros. É fundamental que se perscrute os motivos do inadimplemento.

Exatamente para possibilitar a equidade na aplicação da pena, dada a gravidade da medida, exige o código que a multa somente possa ser imposta por decisão da assembleia, com a aprovação de 3/4 dos condôminos, excluindo-se, naturalmente, o condômino infrator[2].

O parágrafo único do artigo 1.337, por sua vez, estabelece multa de dez vezes o valor da taxa condominial ao condômino que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos.

Essa multa também possui natureza compensatória, procurando reparar o condomínio pela inexecução praticamente total do pacto de convivência estabelecido na convenção, perpetrada por aquele condômino cujo comportamento apresenta-se “reiteradamente” incompatível com a vida em comunidade.

Ao contrário da multa de que trata o caput do artigo, imposta em assembleia, a multa de um décuplo tratada no parágrafo único pode ser aplicada pelo síndico independentemente de deliberação assemblear, desde que exista previsão na convenção, sujeitando-se, apenas, a ulterior ratificação da assembleia, que deverá confirmar a multa com os votos de 3/4 dos condôminos restantes, excluindo-se o infrator.

Caso o condômino penalizado tenha se antecipado ao pagamento e a multa não venha a ser ratificada pela assembleia, caberá ao condomínio devolver o valor recebido. Importante registrar que não há vedação a que a multa seja repetida, sem limitação, na medida em que persistir o reiterado comportamento antissocial, o que poderá levar, em determinadas hipóteses, indiretamente, à exclusão compulsória daquele condômino[3].

A aplicação imediata da multa pelo síndico não prescinde da prévia comunicação ao infrator, assinalando-lhe prazo para justificar a sua conduta[4].

Observe-se, no entanto, que o código não define o que seja esse comportamento antissocial, cabendo à assembleia deliberar de acordo com o caso concreto e ao penalizado, em discordando da penalidade, recorrer às vias judiciais.

Trata-se de mais um conceito jurídico indeterminado, a ser preenchido de acordo com as circunstâncias de cada situação particular. O que pode ser considerado “antissocial” em um determinado condomínio de alto poder aquisitivo, pode vir a ser tolerado em um condomínio popular.

Quanto ao não pagamento da taxa condominial, e utilizando o mesmo raciocínio exposto no tocante à multa por descumprimento reiterado de deveres, não temos dúvida de que a multa por comportamento antissocial também pode ser aplicada aos casos de inadimplência contumaz. O inadimplente reiterado se mostra tão antissocial quanto o condômino toxicômano, que faz uso ostensivo de drogas nas dependências do condomínio, ou aquele que passa as madrugadas tocando bateria, emitindo sons de elevados decibéis, inviabilizando o sono dos demais condôminos. No caso do inadimplente, o comportamento antissocial se caracteriza pela sobrecarga imposta aos custos de manutenção e conservação do edifício, sendo que o inadimplente continuará a desfrutar normalmente de todos os serviços oferecidos pelo condomínio à custa dos demais condôminos.

Nos casos de inadimplemento “abusivo”, a aplicação da multa por comportamento antissocial deve ser precedida da aplicação da multa por descumprimento reiterado de deveres. Ou seja, em primeiro lugar, deve-se aplicar a multa prevista no caput do artigo 1.337. Caso a penalidade não cumpra com a sua finalidade e o condômino persista, sem justa causa, na conduta de inadimplente contumaz, deve-se aplicar a multa do parágrafo único.

Em conclusão, é digna de aplausos a decisão da 4ª Turma do STJ. Em razão da nítida distinção, quanto aos fatos geradores, entre a multa moratória pelo atraso no pagamento da cota condominial e a multa compensatória pelo descumprimento reiterado de deveres de condômino, inclusive o dever de pagar a taxa, não há óbice a que a multa prevista no caput do artigo 1.337 seja aplicada aos casos de inadimplência contumaz. Da mesma forma, a multa por comportamento antissocial de que trata o parágrafo único do artigo 1.337 pode ser aplicada em casos de inadimplência contumaz e abusiva.

Notas

[1] IN Novo Código Civil: Questões controvertidas: Direito das Coisas. 1º ed. São Paulo: Método, 2008. v. 7, pp. 273-290.
[2] Criticado por alguns em razão do esvaziamento atual das reuniões de condomínio, esse quorum qualificado de 3/4 deve servir de estímulo para que os moradores passem a frequentar as assembleias, participando mais efetivamente das deliberações do condomínio.
[3] O Código Civil não trouxe previsão expressa sobre a interdição temporária ou definitiva do condômino antissocial, a exemplo do Direito Civil espanhol (artigo 19 da Lei 49/1960), alemão (parágrafos 31 a 58 da Lei Federal de 15 de março de 1951, que dispõe sobre condomínio em edifícios), suíço (artigos 649-b e 649-c), dentre outros.
[4] Essa foi a conclusão a que chegou a I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no período de 11 a 13.09.2002: “As sanções do artigo 1.337 do NCC não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo” (Enunciado 92).

Mário LUIZ Delgado - Sócio fundador de MLD - Advogados, em Direito Civil pela USP, mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor da Escola Paulista de Direito (EPD), diretor de Assuntos Legislativos do Iasp e presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do IBDFAM.
Fonte: Revista Consultor Jurídico

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