quarta-feira, 5 de agosto de 2015

TRANSAÇÕES IMOBILIÁRIAS NO BRASIL DO SÉCULO XXI: ORIENTAÇÕES E CUIDADOS, CONSIDERANDO ASPECTOS JURÍDICOS E NEGOCIAIS


Introdução

Principal ativo de carteira de parcela relevante de investidores qualificados; preferido entre os conservadores; tema de livros de administração e outros assuntos, em especial o famoso Pai Rico, Pai Pobre, do Robert Kiyosaki, o bem imóvel é investimento certo que garante bons rendimentos, resguarda o patrimônio e resiste a crises.

No Brasil, o investimento em bens imóveis continua restrito a parcela muito pequena da população, comparando-se por exemplo com os Estados Unidos ou Europa, e muitas vezes a aquisição destes bens fica restrita a uso próprio ou da família, sendo acidentalmente utilizados como investimento.

Por ser um investimento de baixa liquidez e longo prazo (acima de 5 (cinco) anos), a realização desse investimento, isto é, o momento em que se apura e se obtém o retorno pelo investimento feito, se dá depois de muito tempo, muitas vezes quando o imóvel já não pertence mais ao proprietário que o adquiriu. É o que acontece quando o então proprietário do imóvel aliena a uma empresa sua (instituto da conferência de bens), doa a seus herdeiros, ou, falecendo, o bem é dividido entre os herdeiros, enfim, quando o bem é alienado a terceiros estranhos ao proprietário adquirente.

O foco deste artigo está em orientar tanto o proprietário dos bens imóveis quanto os posteriores adquirentes acerca das melhores práticas do mercado no que diz respeito à alienação de bens imóveis, principalmente considerando a enorme gama de negócios imobiliários possíveis atualmente.

Muitas vezes o proprietário do bem imóvel se vê surpreendido por propostas voluptuosas, como, por exemplo, propostas para realização de incorporações imobiliárias via permutas física e financeira, propostas estas que superam e muito as expectativas de ganho ou objetivos iniciais até então imaginados para o imóvel, necessitando por parte das pessoas envolvidas na negociação uma série de cuidados e precauções.

No decorrer de um negociação imobiliária podem surgir dúvidas e questionamentos acerca de prazos e procedimentos das construtoras e incorporadoras. É neste contexto que as partes envolvidas devem estar familiarizadas com o procedimento costumeiramente adotado pelo mercado imobiliário, que ora foi dividido em 3 (três) fases bem delineadas. Ao final são apontados cuidados finais.

Ressalte-se que este texto foi escrito para orientar as partes envolvidas, principalmente aquelas incumbidas de negociar e administrar tais bens, mas acima de tudo é imprescindível a assessoria de um advogado, principalmente no que diz respeito à formalização do contrato pelas partes.

Da Sondagem ao Registro: Procedimento para Venda e Compra de Imóveis

1ª Fase: Sondagem da área

Chama-se de sondagem toda e qualquer pesquisa realizada sobre a área que se busca adquirir. Nesta fase, o proprietário do imóvel comumente possui pouquíssimo ou nenhum contato com o interessado, pois o possível comprador está mais interessado em se informar acerca da região e dos empreendimentos circunvizinhos ao imóvel objetivado.

É comum que nessa fase o interessado realize diversas diligências no entorno do imóvel, pesquisando preços nas imobiliárias da região, tudo para se encontrar um preço pelo metro quadrado médio daquela região. Esse número é um indicativo de quanto o imóvel vale na localização em que se encontra.

Nesse momento é comum também que o interessado realize diligências na Prefeitura local e no cartório de registro de imóveis onde o imóvel se encontra matriculado. As informações obtidas são todas públicas, acessíveis a todo e qualquer interessado, de modo que o proprietário não deve se surpreender com a veiculação de informações como a titularidade do imóvel ou a obtenção de quadra fiscal, por exemplo.

Após essas sondagens iniciais, o interessado passa a fazer uma análise das benfeitorias do imóvel, tudo para se apurar um preço para tal imóvel, o que deve considerar não só o metro quadrado médio da região, como também as eventuais benfeitorias e características do imóvel em específico.

Também é comum nesta fase que o proprietário tome a iniciativa de verificar o valor de seu imóvel. Atualmente existem escritórios especializados em avaliação de imóveis, sem falar na possibilidade de se consultar uma imobiliária de confiança ou até mesmo um corretor de imóveis. Estas empresas exigem a celebração de contratos de exclusividade em negociação ou na prestação de serviço.

2ª Fase: Estudos preliminares

Superada a fase de sondagens, o interessado passa a manter contato com o proprietário do imóvel. Neste momento o proprietário é visitado por corretores ou funcionários do interessado, tudo para se verificar se os objetivos e valores das partes estão de acordo.

Muitas construtoras, especialmente aquelas com mais tradição e abrangência, já nesse momento apresentam um documento unilateral que formaliza uma proposta de compra chamado de Carta de Intenção. Por meio desta carta o interessado demonstra sua intenção em adquirir o imóvel, diretamente ao proprietário ou por meio de corretor de imóveis, inclusive apontando estimativa de preço.

É importante salientar que o preço veiculado em Carta de Intenção não vincula de forma alguma as partes. Trata-se apenas de um indicativo de interesse, uma formalidade a mais na negociação, tudo para dar transparência à negociação.

Ainda na Carta de Intenção o interessado pode prever prazo para realização de outros estudos da área, que hoje são imprescindíveis à realização de qualquer empreendimento imobiliário. A título exemplificativo, são eles os estudos topográfico, ambiental, composição do solo, avaliação do imóvel e situação jurídica (tributos incidentes e preliminar de análise dos proprietários).

Boa parte desses estudos depende de autorização do proprietário, coisa que deve ser muito bem discutida entre as partes, tudo para que não surjam dúvidas no decorrer da negociação. Novamente é imprescindível o acompanhamento de um advogado, pois o proprietário precisa ser alertado acerca de todos os efeitos decorrentes dos documentos assinados. Diga-se de passagem que esta é uma obviedade que precisa ser sempre ressaltada, pois a experiência e a jurisprudência (casos julgados nos tribunais) comprovam a necessidade de toda cautela e seriedade em negociações imobiliárias, de modo que o negócio se concretize da forma mais segura e célere possível.

Outros documentos podem substituir a Carta de Intenção nesta fase. São bem comuns os contratos de Opção de Venda e Compra e Proposta de Venda e Compra. É importante ainda salientar que essa fase de estudos preliminares pode durar de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, a depender da disponibilidade das informações necessárias, tramitação nos órgãos públicos e etc.

3ª Fase: Formalização do negócio imobiliário

Finalizados os estudos preliminares, o interessado já possui todos os elementos necessários para avaliar o risco e o retorno do investimento, possibilitando-se assim a formalização de um contrato de compra e venda, visando à aquisição definitiva do imóvel.

A formalização de uma negociação imobiliária exige uma série de cuidados e precauções, que acaba sendo representada por um processo de formalização do Contrato. De fato, até se chegar ao contrato final a ser assinado pelas partes, o mercado tem adotado um processo para esclarecer e otimizar todo o trabalho realizado durante uma negociação imobiliária.

A primeira etapa deste processo é o estabelecimento das Bases Negociais.

Através do estabelecimento de bases negociais as partes buscam ajustar o Preço e a Forma de Pagamento relativos à aquisição do imóvel, além das condições sem as quais os negócio não se aperfeiçoa, que se denominam Condições Resolutivas.

Neste momento as partes então discutem os principais pontos do contrato, momento este que a meu ver é o mais sensível em uma negociação imobiliária. Apesar de em geral apenas o contrato ser capaz de vincular as partes, se faz prudente alertar que essas negociações e discussões que antecedem a celebração do Contrato devem ser reduzidas a termo e tomadas como certas. Todas as dúvidas, prazos e condições devem ser solucionadas neste momento, evitando-se assim maiores discussões em outros momentos da negociação.

Partindo para a segunda etapa, em comum acordo as partes então manifestam sua aprovação quanto às bases negociais, dando-se início à fase de elaboração da minuta do contrato. Geralmente esse trabalho fica a cargo do interessado que então o submete ao proprietário para validação, o que não impede que as partes convencionem outra forma.

É ainda neste momento que o interessado levanta ou solicita ao proprietário todos os documentos relativos ao imóvel (certidões públicas, extratos de tributos e etc.), como também relativos ao proprietários, para prevenir qualquer tipo de surpresa por parte de eventuais credores e ações judiciais que possam interferir na aquisição do imóvel.

Por fim, realizado todo esse trabalho, é finalizada a elaboração da minuta de contrato, a qual é submetida à validação das partes. O mais comum é que se eleja o contrato de Compromisso de Venda e Compra ou simplesmente o Contrato de Venda e Compra. Atualmente existe uma gama enorme de negociações imobiliárias, que se perfazem através de Contratos de Permuta – sejam elas físicas (através de imóveis) ou financeiras (quando há torna, parcela em dinheiro) –, como também contratos mais sofisticados, como os de constituição de empresas para o fim específico de realizar o empreendimento – o que o mercado chama de SPE (Sociedade de Propósitos Específicos).

Com isso uma negociação imobiliária chega a seu objetivo final, aguardando-se tão somente o registro da alienação perante o cartório competente.

Principais cuidados

Independentemente do contrato firmado entre as partes, recomendam-se certos cuidados e precauções.

Em primeiro lugar, as partes envolvidas devem buscar e exigir sigilo negocial completo até o fim da negociação imobiliária, que se dá com o registro da alienação. Há quem defenda inclusive que certas negociações nunca deveriam vir a público, mas está previsto em Lei que todo e qualquer registro imobiliário deve ser público. Enfim, não se podendo ter sigilo quanto ao registro, até que isto se dê as partes possuem instrumentos jurídicos e negociais para que ele se mantenha.

O principal sigilo exigível diz respeito ao profissional. As pessoas envolvidas – advogados, contadores, administradores – devem respeitar acima de tudo a função que exercem, resguardando os direitos e propriedades de seus contratantes. Além disso, as partes envolvidas devem manter sigilo negocial, evitando-se discussões acerca de detalhes com terceiros estranhos à negociação imobiliária.

As partes podem convencionar uma Cláusula de Confidencialidade, por meio da qual as partes são responsáveis pelo vazamento a terceiros de toda e qualquer informação relativa ao negócio, o que pode constar já no primeiro documento a ser assinado pelas partes, isto é, na carta de intenção, no termo de bases negociais, ou até mesmo termo apartado. Esta cláusula é exigência de empresas listadas em Bolsa de Valores, sendo ainda prudente que toda e qualquer empresa ou parte envolvida em negociações também observe tal formalidade.

Além disso, O Código Civil Brasileiro estabelece que todo e qualquer contrato deve possuir agentes capazes, objeto lícito e forma prescrita em Lei. No que diz respeito aos contratos de venda e compra, ainda se prescreve que devem estar bem delineadas as cláusulas de Preço e Forma de Pagamento, prevendo-se ainda o momento da celebração da Escritura Definitiva, porquanto um bem imóvel só se transfere através da averbação do registro no cartório competente. Até este momento o proprietário já deve ter recebido todos os valores acordados em contrato, pois através da escritura o então proprietário aliena em definitivo o imóvel ao interessado, que, uma vez registrada na matrícula, tal proprietário já não possui meios de reaver o imóvel, salvo hipóteses legais. Enfim, o proprietário precisa ter ciência da importância da elaboração e celebração da escritura definitiva, devendo sempre se cercar de profissionais capacitados e de confiança.

Todo e qualquer recebimento de valor ao longo do processo de formalização do contrato deve ser reduzido a termo através de Recibo de Pagamento, discriminando-se o valor recebido e a que título, pois tais recebimentos não só vinculam as partes quanto ao negócio, como também podem produzir efeitos na esfera tributária. A título exemplificativo, a legislação tributária prevê que em havendo ganho de capital (quando um imóvel é vendido acima do valor de aquisição) o contribuinte beneficiário deve recolher o Imposto de Renda incidente sobre essa parcela do recebimento já no mês seguinte ao recebimento, sob pena de multa, juros e correção monetária, no caso de atraso.

Por fim, o proprietário deve estar atento a garantias, de todas as formas, para consecução do negócio imobiliário. O contrato eleito e as disposições contratuais são uma primeira forma de garantir o bom andamento do processo de alienação de um bem imóvel. Mas, por se tratar de um processo lento e muitas vezes sujeito ao tempo e eventos futuros e incertos, são recomendadas outras formas de garantia.

Atualmente o mercado dispõe de uma série de garantias capazes de afiançar empreendimentos imobiliários. É o caso da fiança bancária, hipoteca, alienação fiduciária, do seguro-fiança e avalista, enfim, todos instrumentos capazes de garantir que, em não sendo cumpridos os termos do contrato, as partes são garantidas em seus direitos de crédito e débito. Novamente, é importante que haja acompanhamento de um profissional capacitado e de confiança para analisar e acompanhar todas as negociações relativas a garantias, em todas as suas formas.

Dessa forma as partes e envolvidos de um modo geral em negociações imobiliários se resguardam em seus direitos, como também conduzem seus negócios de modo profissional e seguro, contribuindo para um ambiente negocial mais sereno e sustentável.

Bruno Bezerra - Advogado, bacharel em Direito pela PUC-SP. Experiência em Direito Imobiliário e Tributário.
Fonte: Artigos JusBrasil

Nenhum comentário:

Postar um comentário