A Lei Federal nº 10.931, de 02 de agosto de 2004, trouxe alterações (artigos 31-A a 31-F) na Lei de Incorporação Imobiliária (Lei nº 4.591/1964) no tocante ao chamado patrimônio de afetação, que já havia sido apresentado, no Direito brasileiro, através da medida provisória nº 2.221 (hoje revogada), de 04 de setembro de 2001.
O objetivo do patrimônio de afetação é propiciar melhor garantia aos direitos dos compradores de imóveis na planta em caso de falência do incorporador, além de aprimorar as relações jurídicas e comerciais entre comprador, vendedor e o agente financeiro envolvido com a obra, de modo a alavancar negócios imobiliários e propiciar um aumento na concessão de crédito.
Deve-se entender por patrimônio de afetação a separação entre os bens do incorporador (controlador) e os direitos de constituição sobre determinado empreendimento, envolvendo o terreno, as acessões e os demais bens e direitos vinculados à incorporação, muito embora o incorporador seja o responsável pelas obras até a efetiva entrega aos compromissários-compradores.
A constituição do patrimônio de afetação não é obrigatória. Trata-se de uma faculdade concedida legalmente ao incorporador, passando a contar com número de CNPJ, nome e contabilidade distintos para o empreendimento constituído pelo regime do patrimônio de afetação, de modo que as retiradas do caixa só podem ser realizadas para o custeio das obras e apenas os valores que ultrapassarem o custo da obra é que não ficam vinculados ao empreendimento em si, representando a remuneração e o lucro do incorporador.
Representa uma garantia aos futuros adquirentes de unidades, na medida em que o incorporador destina os custos da construção exclusivamente para o empreendimento, nele englobados os custos fiscais, trabalhistas e administrativos da própria obra, tais como: materiais, mão de obra etc.
Sua constituição ocorre por meio de averbação do documento assinado pelo incorporador (se for o proprietário do terreno) ou pelos titulares de direitos reais de compra do terreno, podendo ocorrer, também, através do memorial de incorporação, que deve ser averbado na matrícula, perante o cartório de registro de imóveis competente, após o ato que originou o registro da incorporação.
Uma vez constituído o patrimônio de afetação, os direitos e obrigações de qualquer natureza são do empreendimento e não se comunicam com o patrimônio do incorporador.
Assim, os pagamentos realizados pelos adquirentes são destinados exclusivamente para o empreendimento, passando a ter um patrimônio próprio, sem vinculação com o patrimônio (ou demais empreendimentos) do incorporador, evitando-se a utilização desses recursos em outra obra, garantindo a conclusão do empreendimento.
Na hipótese de existir um conjunto de prédios, poderá ocorrer a constituição de patrimônio de afetação para cada torre, com CNPJ, contabilidade e comissão de representantes distintas, mediante previsão nesse sentido no memorial de incorporação. Vale informar que a existência de patrimônio de afetação por torres é raríssima de se encontrar na prática.
Necessariamente, haverá uma comissão de representantes que terá a função de fiscalizar as obras no empreendimento, recolhimento de impostos, qualidade construtiva e demais atos referentes à construção, em que pese essa comissão possa vir a ser manipulada pelo incorporador, inclusive, mediante simulação de compromisso de venda e compra de determinada unidade.
A criação do patrimônio de afetação teve por objetivo evitar a ocorrência de “efeito cascata” no mercado da incorporação imobiliária, de modo que o incorporador em situação financeira ruinosa desvie os recursos de um empreendimento para outro, prejudicando a entrega das obras aos compradores, tal como já aconteceu no país.
Em caso de falência do incorporador, os adquirentes de determinado empreendimento sob o regime do patrimônio de afetação podem dar continuidade às obras, contratando outra construtora para sua finalização, possibilitando a efetiva entrega do imóvel.
A extinção do patrimônio de afetação ocorre quando houver a averbação da conclusão da construção e o registro dos títulos de domínio ou de direito de compra em nome dos respectivos adquirentes e, quando for o caso, extinção das obrigações do incorporador perante a instituição responsável pelo financiamento do empreendimento.
Na prática, as condições a serem obedecidas são a obtenção do auto de conclusão de obra ou “habite-se” pela Prefeitura, bem como a quitação das obrigações do incorporador com a entidade financiadora da obra e a transferência de domínio aos compradores. Enquanto essas condições não existirem, o patrimônio de afetação permanecerá.
A extinção do patrimônio de afetação também pode ocorrer pela revogação unilateral do regime de afetação, através de denúncia do incorporador, no prazo de carência para a realização da incorporação imobiliária, após a restituição de todas as quantias pagas pelos compradores e também pela liquidação determinada em assembleia geral de adquirentes, no caso de decretação da falência do incorporador.
Cumpre esclarecer que, a partir do momento em que a Lei atribuiu caráter de mera faculdade, à livre escolha do incorporador, vê-se que o propósito legal de propiciar maior segurança ao comprador caiu por terra, notadamente, pela inexistência de obrigatoriedade para a constituição do patrimônio de afetação para cada empreendimento lançado no mercado imobiliário.
A Lei que aplicou o conceito do patrimônio de afetação no Direito brasileiro não blindou como deveria o comprador de imóvel na planta.
O que houve de mudança foi apenas conferir relativa segurança, em caso de falência do incorporador responsável pela condução das obras, em determinado empreendimento atingido pelo patrimônio de afetação, uma vez que, por exemplo, a comissão de representantes pode vir a ser manipulada pelo incorporador, inclusive, através de simulação de venda e compra, e porque, em última análise, verdadeiramente garantidos estão o fisco e o banco financiador da obra, detentor da garantia hipotecária sobre cada uma das unidades.
Infelizmente, não são todas as incorporadoras que aderem ao patrimônio de afetação. Não existe estimativa segura quanto ao número de empresas que o utilizam, uma vez que a instituição do patrimônio de afetação depende da política interna de cada incorporadora, as quais não estão dispostas a expor informações detalhadas sobre seus empreendimentos, restringindo-as aos sócios e ao agente financiador da obra.
Na prática, existem poucas incorporadoras que utilizam o patrimônio de afetação em cada empreendimento lançado, valendo também informar que a maioria das empresas prefere manter seus empreendimentos fora desse sistema, por não vislumbrarem uma vantagem competitiva, tampouco redução fiscal relevante, ante a obrigatoriedade de manutenção de contabilidade separada, além de suportar um controle em suas atividades pela comissão de representantes.
Ivan Mercadante Boscardin
Advogado especialista em Direito Imobiliário e do Consumidor. Fonte: Revista Jus Navigandi
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