O mercado imobiliário muito evoluiu nos últimos anos, passando por grandes mudanças. Essa evolução trouxe novas ferramentas de financiamento, possibilitando o crescimento e a modernização do ramo imobiliário.
A Lei 12.744/2012 veio para tipificar uma figura contratual que já vinha sendo utilizada no setor imobiliário brasileiro. Trata-se do contrato built-to-suit, criação do direito norte-americano, que auxilia empresas do ramo do varejo e da indústria a encontrar um espaço para se instalarem, e fomenta o setor imobiliário.
É importante destacar que o legislador não consegue acompanhar a dinâmica da economia, motivo pelo qual nem todas as necessidades que surjam para o melhor desenvolvimento do mercado imobiliário receberão tratamento legal.
Sendo assim, o Novo Código Civil, Lei 10.406/2002, em seu artigo 425, possibilitou, visando suprir as necessidades encontradas diariamente, a criação de instrumentos contratuais atípicos, de acordo com os princípios e regras gerais dos contratos:
Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.
Sobre contratos atípicos, Orlando Gomes, escreve:
"Os contratos atípicos subordinam-se às regras gerais do Direito Contratual, assim as que regem os pressupostos e requisitos essenciais a validade dos contratos como as que disciplinam as obrigações. Tem irrecusável aplicação nos contratos atípicos, mas, evidentemente, não bastam. Regras particulares são necessárias. Como não estão previstas especialmente na lei, cabe ao juiz procurá-las, utilizando-se dos métodos propostos pela doutrina. Via de regra, a tarefa é facilitada pelas próprias partes. O problema simplifica-se, com efeito, pelo emprego correto do princípio de autodisciplina dos contratos. Os estipulantes de um contrato atípico costumam regular mais explicitamente seus efeitos, porque sabem que inexistem regras supletivas de vontade. Além disso, os usos que se vão formando, se não adquirem, para logo, o valor de fonte normativa, auxiliam o intérprete e o aplicador do direito."[1]
Até a edição da Lei 12.744/2012, o contrato built-to-suit era atípico, o artigo 3º da lei em questão adicionou o artigo 54-A à Lei 8.245/1991, Lei do Inquilinato, com a seguinte redação:
Art. 54-A. Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei.
§ 1º Poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação.
§ 2º Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação.
§ 3º (VETADO).
O contrato built-to-suit nada mais é que uma modalidade de locação na qual uma parte, que chamaremos de locatário, contrata outra parte, locador, para a construção de um imóvel, construído de acordo com as necessidade do locatário, para sua futura locação, por prazo determinado. Trata-se de uma espécie de locação por encomenda que combina a figura da locação e da empreitada em um mesmo contrato.
Essa espécie contratual apresenta vantagem para ambas as partes. É vantajoso para o locatário por não ter que despender grandes gastos para a aquisição de um espaço, podendo explorar novos mercados sem "imobilizar" capital de investimento, possibilitando que direcione seus recursos para investimentos em sua finalidade empresarial, ganhando capital de giro, e não ativo imobilizado; o locador, por outro lado, tem seu investimento pago através da locação, que, usualmente, é de longo prazo.
Além de tipificar o contrato built-to-suit, a Lei 12.744/2012 trouxe inovações para a Lei 8.245/1991, que trouxeram segurança jurídica para as partes e tornaram esse instrumento contratual viável, acabando com dúvidas que antes da edição da lei poderiam ser levantadas. Dentre elas podemos apontar:
a) Renúncia ao direito de pedir revisão
Antes da edição da lei, era discutível a validade da estipulação de cláusula que convenciona a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação. Uma vez que a função do aluguel no built-to-suit é amortizar os investimentos feitos para a concretização do negócio, não havendo fato extraordinário e imprevisto superveniente que caracterize onerosidade excessiva, entendo não caber revisão do aluguel no contrato em questão, sob pena de inversão do prejuízo da parte que antes fora lesada. A jurisprudência caminhava no sentido de ser válida tal estipulação, conforme decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre revisão de aluguel em contrato built-to-suit:
LOCAÇÃO DE IMÓVEIS - AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEL - Contrato atípico (built-to-suit) que encerra amplo feixe de direitos e deveres, relativos a contratos de construção, empreitada, financiamento e incorporação imobiliária, além de outras características próprias - Cláusula de renúncia à revisão do valor da remuneração mensal paga pela autora válida e eficaz, na medida em que firmada paritariamente com a ré enquanto na livre administração de seus interesses patrimoniais disponíveis, não se confundindo com a renúncia ao direito constitucional de ação (CF, art. 5º, inc. XXXV) - Carência da ação confirmada.
(Relator (a): Antonio Benedito Ribeiro Pinto; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 04/05/2011; Data de registro: 14/06/2011; Outros números: 992080373487) (grifo nosso)
Também sobre a possibilidade de estipulação de cláusula de renúncia ao direito de revisão, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO. LOCAÇÃO. VALOR PACTUADO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. CLÁUSULA DE RENÚNCIA. VALIDADE. PRECEDENTES. 1.Havendo, no contrato de locação, cláusula expressa de renúncia ao direito de revisão, fica impedida a alteração, no prazo original, do valor fixado para o aluguel. 2. Agravo interno ao qual se nega provimento.
(STJ - AgRg no REsp: 692703 SP 2004/0125153-0, Relator: Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), Data de Julgamento: 18/05/2010, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/06/2010) (grifo nosso)
Com o advento da Lei 12.744/2012, o § 1, do artigo 54-A da lei, acabou com qualquer dúvida que poderia ser levantada sobre o assunto:
§ 1º Poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação.
b) Multa por denúncia antecipada
No built-to-suit o investimento feito pelo locador para a construção do imóvel é muito alto, sendo assim, a multa por devolução antecipada, proporcional ao período de cumprimento do contrato, faria com que houvesse grande prejuízo por parte do contratado, não sendo viável.
Uma vez que o imóvel é projetado conforme as necessidades do locatário, a desistência do mesmo do contrato pode fazer com que o locador tenha imensa dificuldade para encontrar um comprador ou novo locatário. Mesmo que não seja esse o caso, o investimento foi feito visando especificamente a locação por encomenda. Tendo isso em mente, o legislador no § 2º do artigo 54-A, da Lei 12.744/2012, determinou que o limite para a multa em caso de devolução antecipada será a soma dos valores dos aluguéis a receber até o fim da locação, conforme a seguinte redação:
§ 2º Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação.
c) Condições livremente pactuadas no contrato e disposições procedimentais previstas na Lei do Inquilinato
O caput do artigo 54-A afirma que:
"(...) prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei."
Essa redação pode levar a entender que as condições pactuadas no contrato prevalecerão à Lei do Inquilinato. Importante ressaltar que este não é o caso, o legislador buscou determinar que as convenções que são incomuns às locações em geral, mas comuns às estabelecidas nos contratos built-to-suit, não afastam a natureza locatícia do mesmo.
Nesse sentido, Luiz Antonio Scavone Junior escreve:
"Portanto, correta a interpretação indica a possibilidade de as partes acrescentarem pactos peculiares à modalidade de locação por encomenda à avença locatícia, notadamente quanto aos parâmetros da construção, reforma ou aquisição dos aluguéis, e da relação locatícia, além de penalidades em razão do desrespeito a esses prazos, entre outras avenças peculiares, como pagamento de luvas se se tratar de contrato empresarial com os requisitos para ação renovatória."[2]
As normas da Lei do Inquilinato apresentam, em regra, natureza cogente, sendo assim, estas não podem ser afastadas pela vontade das partes. O contrato built-to-suit se submete à Lei do Inquilinato, sendo possível que o mesmo contenha cláusulas especiais e atípicas desde que essas não descaracterizem esse instrumento. Uma vez que as normas da Lei do Inquilinato são cogentes e que as disposições procedimentais serão aplicáveis ao built-to-suit, as disposições sobre ação renovatória da locação e ação de despejo, são inafastáveis, sendo aplicáveis, também, à locação por encomenda.
Após anos sendo utilizado no mercado imobiliário brasileiro, a edição da Lei12.744/2012 trouxe para a legislação locatícia o contrato built-to-suit, garantindo segurança jurídica para as operações que o envolvem. A sua tipificação apresenta evolução na legislação imobiliária e demonstra a interferência da economia no modo como o direito se desenvolve.
Bibliografia:
GASPARETTO, Rodrigo Ruete. Contratos built to suit: um estudo da natureza, conceito e aplicabilidade dos contratos de locação atípicos no direito brasileiro. São Paulo: Scortecci, 2009. 193 p.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática: Lei nº 8.245, de 18-10-1991. 12. Ed. São Paulo: Atlas, 2013. 416 p.
JUNIOR, L. A. S. A Lei nº 12.744/2012 e o Contrato Built-to-Suit - "Locação por Encomenda". Revista SÍNTESE Direito Imobiliário, São Paulo, v. 3, n. 13, p. 75-85, jan./fev. 2013.
FIGUEIREDO, L. A. H. Built to Suit. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, v. 72, p. 161-187, jan./jun. 2012.
BERARDOCCO, S. Built-to-Suit - Uma Visão Crítica da Lei nº 12.744/2012. Revista SÍNTESE Direito Imobiliário, São Paulo, v. 6, n. 26, p. 76-111, mar./abr. 2015.
[1] GOMES, Orlando. Contratos. 18. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p.107.
[2] JUNIOR, L. A. S. A Lei nº 12.744/2012 e o Contrato Built-to-Suit - "Locação por Encomenda". Revista SÍNTESE Direito Imobiliário, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 75-85, jan./fev. 2011.
Lucas Ruiz - Acadêmico de Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Fonte: Artigos JusBrasil
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