sexta-feira, 20 de março de 2015

A RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CONTRATOS DE CONSTRUÇÃO E INCORPORAÇÃO


Introdução

Nesse escrito, pretendo abordar sobre o tema da responsabilidade civil nos contratos de construção e incorporação. A importância do assunto em apreço deve-se ao fato de que nos últimos anos muitos contratos dessa natureza estão sendo assinados, via de regra, são contratos de adesão, haja vista que o sistema capitalista coloca-se como “cortina de ferro”, que impede que em tais contratos, adquirentes e construtor ou incorporador possam discutir as cláusulas contratuais.

Destarte, o consumidor encontra-se em situação de inferioridade, devendo obter proteção, para que não seja altamente prejudicado diante dessa relação, dessa forma, se faz mercê discorrer sobre o assunto, com o intuito de esquematizar a responsabilidade civil do construtor e incorporador. Assim sendo o convido a ingressar nessas poucas páginas de conhecimento que dispenso sobre o objeto proposto.

A responsabilidade civil nos contratos de construção civil e incorporação

Como anteriormente já discorrido, os contratos em debate, são contratos de adesão, ou seja, o adquirente não participa da sua elaboração, são contratos pré-fixados, em que apenas tem o poder de aceitá-lo ou não. Assim sendo, muitos prejuízos ao consumidor podem ser vislumbrados nessa relação contratual, posto que os construtores e incorporadores costumam elaborar os contratos excluindo ou omitindo algumas garantias.

O artigo, sob o título: incorporação imobiliária e o Código de Defesa do Consumidor, colabora de forma suscita a respeito de tais contratos:

No contrato por adesão, não há tratativas nem são as cláusulas livremente negociadas entre as partes. Ao contrário, o fornecedor, chamado de predisponente, elabora de antemão o contrato e o submete ao consumidor, denominado aderente, que, como o próprio nome já esclarece, tem apenas a faculdade de aceitar ou não aos seus termos.

Um exemplo prático da sujeição do consumidor ao contrato com cláusulas não discutidas e abusivas, vale lembrar que não é assunto principal nesse estudo, nada obstante, merece um espaço para tratarmos, é a questão de compra de imóvel adquirido na planta. Em um dado momento, o consumidor por algum motivo financeiro, desiste da aquisição, tendo em vista não poder arcar com ônus contratual, dessa forma pretende desfazer o negócio pactuado. Contudo o consumidor já realizou o pagamento de parte das prestações. Nesse sentido, no contrato assinado, consta que o consumidor não tem o retorno de nenhuma das quantias pagas. Todavia, essa cláusula é abusiva, devendo ser considerada nula, posto que tal situação encontra-se pacificada nos tribunais, como se percebe em decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, em apelação Cível nº. 035.030.071.829, julgado em 10/11/2009:

APELAÇÃO CÍVEL - CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA - INADIMPLEMENTO - RESOLUÇÃO - DEVOLUÇÃO DE PARCELAS PAGAS - RETENÇÃO DE 25% - SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO 1. Os contratos de promessa de compra e venda de imóveis estão subordinados ao Código de Defesa do Consumidor, razão pela qual são nulas as cláusulas que impliquem onerosidade excessiva ou perda total dos valores pagos pelo consumidor. 2. A resolução do contrato de promessa de compra e venda por inadimplemento dá ensejo ao dever da construtora restituir os valores pagos, limitado o direito de retenção ao percentual de 25%, em virtude das despesas assumidas.

Feitas as considerações necessárias, importante se faz voltar ao tema principal, qual seja, a responsabilidade civil nos contratos de corporação e incorporação, para tanto, lança-se mão da Lei nº.4.591/64, que dispõe sobre os condôminos em edificações e as incorporações imobiliárias, que assim dispõe:

Art. 29. Considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, (VETADO) em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas.

(...)

Art. 43. Quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preços certos, determinados ou determináveis, mesmo quando pessoa física, ser-lhe-ão impostas as seguintes normas:

(...)

II - responder civilmente pela execução da incorporação, devendo indenizar os adquirentes ou compromissários, dos prejuízos que a estes advierem do fato de não se concluir a edificação ou de se retardar injustificadamente a conclusão das obras, cabendo-lhe ação regressiva contra o construtor, se for o caso e se a este couber a culpa;

(...)

Assim, incorporador é a pessoa física ou jurídica, que se responsabiliza pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições a obra concluída. Dessa maneira, a definição de incorporador é ampla, entretanto, certa é sua responsabilidade diante da execução da incorporação, tendo em vista, que este responde civilmente, inclusive com obrigação de indenizar, os prejuízos advindos da não conclusão da obra ou pela demora injustificada do seu término.

Em igual sentido, nos ensina o Professor Sérgio Cavalieri Filho citando Aguiar Dias:

Trata-se de entrega retardada, de construção defeituosa, de inadimplemento total, pondera Aguiar Dias, responde o incorporador, pois é ele que figura no pólo da relação contratual oposto aquele em que se coloca o adquirente da unidade ou das unidades autônomas.

De tal modo, quando o indivíduo adquire um imóvel, através do contrato de incorporação, e por motivos injustificados a obra não se concretiza no prazo pactuado, causando lesão para a parte adquirente, o incorporador deve indenizar os prejuízos sofridos pela mora ou descumprimento contratual, posto que é responsável pelos danos resultante da inexecução ou má execução do contrato.

Em se tratando do construtor, vale a pena mencionar, que sua responsabilidade decorre do contrato de empreitada, tratando-se de obrigação de resultado, em que a obrigação principal é a execução da obra. Nesse sentido, o resultado esperado é certo e determinado, o contrário disso gera inadimplemento ou mora contratual.

O Código Civil de 2002 nos ensina:

Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.

Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.

Nota-se que o legislador atribuiu a responsabilidade ao construtor além da entrega do trabalho pactuado, sendo responsabilidade deste dentre o prazo de 5 (cinco) anos pela solidez e segurança da obra, pois, seria muito fácil o construtor entregar a coisa no prazo, mas sem garantia de qualidade para a outra parte pactuante.

Vislumbra-se, que o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, previsto no parágrafo único acima transcrito, trata-se de prazo decadencial. Assim, no transcurso de 5 (cinco) anos da entrega da obra, o dano da obra ao notar vício ou defeito, deve-se propor ação no prazo de 180 dias do aparecimento desse vício ou defeito, sob pena de decair do seu direito.

Ressalta-se, que a responsabilidade aqui tratada é objetiva, independente da constatação de culpa, bastando para tanto, que haja comprovado o dano ao adquirente e o nexo causal. Observa-se também a figura da responsabilidade extracontratual do construtor, isto é, a responsabilidade aos danos causados a terceiros estranhos a relação principal, mas que padecem de danos oriundos da obra.

Barbara Heliodora de Avellar Peralta, no artigo intitulado: A responsabilidade Civil do incorporador e do construtor, sob o ponto de vista consumerista, determina:

Temos que observar ainda que terceiros, estranhos ao contrato principal, podem vir a sofrer danos decorrente desta relação. Neste caso, nós teremos aresponsabilidade extracontratual do construtor, onde diante de danos acarretados a este terceiro, incidirá também a responsabilidade civil.

Portanto, se do resultado da obra, auferi-se danos a um terceiro, que nada tem com o contrato pactuado, o construtor responde pelos danos sofridos e causados a este terceiro, incidindo-se a responsabilidade civil.

Insta dizer, que em relação a responsabilidade civil do incorporador e construtor, temos também a figura da solidariedade, ou seja, ambos respondem solidariamente pelos prejuízos causados aos adquirentes das unidades pactuadas, haja vista, que ambos passam a ser responsáveis pela construção. Cabendo de acordo com a previsão do inciso II, do artigo 43, da Lei n. 4.591/64 ação regressiva, no caso de culpa do construtor.

O professor Sérgio Cavalieri Filho sustenta:

O incorporador continua responsável porque é o contratante. Responde também o construtor, porque é causador direto do dano, e tem responsabilidade legal, de ordem pública, de garantir a solidez e segurança da obra em benefício do seu dono e da incolumidade coletiva, conforme já demonstrado.

Nesse sentido, tem-se que o incorporador responde pelo fato de ser a parte diretamente pactuante, ou seja, aquele que está a frente realizando o contrato com o adquirente, entretanto o construtor igualmente se responsabiliza, pelo fato de ser quem realiza efetivamente a obra objeto do pacto. Logo, se o sujeito adquire um imóvel, e ao receber as chaves ingressa no mesmo e percebe uma série de rachaduras no teto do local, responde pelo dano tanto o incorporador quanto o construtor.

Vale a pena trazer a luz o seguinte entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

DES. NAGIB SLAIBI - Julgamento: 19/03/2008 - SEXTA CÂMARA CIVEL2007.001.67456 - APELACAO - 1ª Ementa Direito do Consumidor. Promessa de compra e venda de unidade imobiliária residencial em construção. Restituição do valor pago, devido ao inadimplemento da obrigação de entrega da coisa. Cabimento. Devolução de valor proporcional. As atividades do incorporador e do construtor, voltadas para a construção de imóveis residenciais, configura relação de consumo, com a solidária responsabilidade objetiva dos mesmos pelos danos causados ao promitente comprador.

Deste modo, percebe-se, que na relação existente entre adquirente e incorporador/ construtor, temos uma relação de consumo, ou seja, segui-se os princípios e garantias do Código de Defesa do Consumidor. Razão pela qual, em relação a solidariedade entre incorporador e construtor, devemos lançar mão do que determina tal Código.

Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.

§ 1º Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.

2º Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação

A Responsabilidade Civil, pertinente a tal contrato, alcança tanto o incorporador quanto o construtor, respondendo ambos solidariamente pelos danos e prejuízos sofridos pela demora, má execução ou inexecução do contrato.

Resta esclarecer, que estamos diante de uma Responsabilidade Civil Objetiva, ou seja, não é necessária para a propositura da ação, a comprovação de culpa de um ou ambos os responsáveis, sendo suficiente a demonstração do dano efetivo suportado pelo autor da ação e o nexo causal.

Conclusão

Ante todo o exposto conclui-se que a responsabilidade civil nos contratos de incorporação e construção, é responsabilidade objetiva, ou seja, basta que o autor da demanda demonstre o dano suportado e o nexo causal.

Deve-se também mencionar, que tanto o incorporador quanto o construtor respondem pelos vícios e defeitos da obra, posto que são solidariamente responsáveis pelo contrato pactuado. Insta dizer, que a relação entre adquirente e incorporador e construtor é uma relação de consumo, em que vigora as normas do Código de Defesa do Consumidor.

Referências

-FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 5ª Ed. Malheiros Editores.
-Lei nº. 4.591/64 (Dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias)
-Lei nº. 8.078/90 (Estabelece o Código de Defesa do Consumidor)
-PERALTA. Barbara Heliodora de Avellar. A responsabilidade civil do incorporador e do construtor, sob o ponto de vista consumerista. 
-Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo 
-Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro 
-Superior Tribunal de Justiça 

Pravila Indira Knust Leppaus - Advogada (OAB/ES 20988), especialista em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor. Atua nas diversas esferas jurídicas e em todo Estado do Espírito Santo.
Fonte: Artigos JusBrasil

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