Nos inventários, divórcios e separações, quase sempre nos deparamos com problemas que surgem das diferenças na partilha dos bens. Como proceder?
Citemos um exemplo para melhor compreensão da questão:
Nos autos do divórcio de um casal sob o regime de comunhão universal de bens, apresenta-se o seguinte quadro:
dois imóveis no valor de R$ 100.000,00 cada um, atribuídos ao cônjuge virago;
um imóvel de R$ 100.00,00 e diversos bens móveis no valor de R$ 100.000,00, atribuídos ao cônjuge varão.
No exemplo, cada cônjuge, a título de meação, ficou com R$ 200.000,00, isto é, exatamente a metade do patrimônio global do casal. Pergunta-se: há incidência de ITBI?
A resposta é positiva, porque o ITBI incide sobre transmissão de propriedade imobiliária, pelo que não interessa o patrimônio global composto de bens que não tenham natureza de direitos reais.
Dessa forma, uma vez desfeita a sociedade conjugal, cada cônjuge fica com a metade ideal de cada um dos imóveis considerados individualmente. A reposição em dinheiro, ou compensação com bens de outra natureza para igualar os quinhões em partilha, desencadeia a incidência do ITBI, conforme jurisprudência pacífica de nossos tribunais:
Súmula 116 do STF: Em desquite ou inventário, é legítima a cobrança do chamado imposto de reposição, quando houver desigualdade nos valores partilhados.
Ementa: Separação consensual. Partilha de bens. Incidência do imposto sobre transmissão de bens imóveis. É legítima a exigência do chamado “imposto de reposição” quando houver desigualdade nos valores partilhados. Súmula 116 do STF. Artigos 1.121, parágrafo único, 1.026 e 1.108 do Código de Processo Civil. Decreto Estadual n.º 30.525, de 30.12.1981, art. 1.º, VI. Também na partilha de bens decorrentes de separação consensual, deve a fazenda pública ser intimada antes da sentença, a fim de pronunciar-se sobre os valores atribuídos pelos interessados. Voto vencido (AC 586000440/RS, Rel. Des. Athos Gusmão Carneiro, j. 27.05.1986).
Ementa: Separação judicial consensual. Incidência do imposto de transmissão sobre a diferença a maior na partilha dos bens do patrimônio comum, excedendo a meação. Tirante acordo com solução diversa, a responsabilidade tributária é do beneficiado pela forma desigual de divisão dos bens. Agravo desprovido (AI 592048524/RS, Rel. Des. Talai Djalma Selistre, j. 29.07.1992).
Outra dúvida: e quando cada cônjuge fica com imóveis por inteiro, sem apresentar, porém, desigualdade nos valores partilhados? Há incidência do ITBI? Façamos uma ilustração exemplificativa: cada cônjuge fica com dois imóveis no valor de R$ 100.000,00 cada, perfazendo o valor total partilhado de R$ 400.000,00; não há que cogitar, na hipótese, de torna ou reposição. Pergunta-se: há incidência de ITBI?
A maioria das legislações municipais inclui na hipótese de incidência do ITBI o valor dos imóveis que, na divisão do patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando em conjunto apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor.
No nosso entender, essa disposição legal está correta, porque, se antes da separação ou do divórcio cada cônjuge possuía apenas 50% de cada imóvel integrante do patrimônio do casal e se após a desunião um dos cônjuges passou a possuir 100% de determinado bem imóvel, este incorporou ao seu patrimônio individual a metade ideal pertencente a outro cônjuge.
Logo, o excesso de meação ou do quinhão, para efeito de ITBI, deve ser examinado exclusivamente sob a ótica de cada bem imóvel, desprezando-se o patrimônio total do casal ou do valor que compõe o monte-mor.
Há ainda uma questão que vem desafiando a inteligência do intérprete. Qual seria a natureza da transmissão retroexaminada?
Saber se se trata de transmissão gratuita ou onerosa é imprescindível para definir a incidência do ITCMD ou do ITBI.
Omar Augusto Leite Melo, examinando essa questão, afirma:
Somente uma análise meticulosa e casuística do negócio possibilitará saber a que título se deu a transferência de parte da propriedade imóvel. Contudo, não seria nenhum absurdo presumir – necessariamente por meio de lei – a onerosidade da transferência.[1]
Sabe-se que nos casos de desigualdade nos valores partilhados, normalmente, no próprio corpo da partilha consta a reposição em dinheiro ou a compensação com bens de outra natureza a evidenciar o caráter oneroso da transmissão imobiliária. Difícil encontrar, na prática, uma situação em que um cônjuge fica com bens imóveis acima da sua meação, sem reposição por parte do outro cônjuge.
Portanto, afigura-se-nos correta a incidência no caso do ITBI, e não do ITCMD.
[1]ITBI: imposto sobre transmissão de bens imóveis. Coautoria com Francisco Ramos Mangieri. Bauru: Edipro, 2016. p. 184.
Kiyoshi Harada - Mestre em Teoria Geral do Processo. Especialista em Direito Tributário, Ciência das Finanças e Teoria Geral do Processo. Professor de Direito Administrativo, Tributário e Financeiro.
Fonte: GEN Jurídico
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