Como é sabido, a Lei 10.931/2004 institui o patrimônio de afetação, no âmbito das incorporações imobiliárias, sistemática que visa proteger as empresas e os adquirentes de unidades, por meio de segregação do patrimônio e da contabilidade, relativos ao empreendimento incorporado.
Ao lado das medidas de ordem contábil, a referida lei estabeleceu um regime especial de tributação (RET), ao qual a incorporadora poderá optar, consistente na aplicação do percentual (4%) sobre a receita mensal recebida e que corresponderá ao pagamento unificado do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
Ocorre que é bastante comum, na negociação das unidades imobiliárias componentes das incorporações, que a empresa incorporadora entabule contratos de permuta com o interessado, o qual lhe promete transferir (ou transfere) a propriedade de imóvel de menor valor, que será abatido do preço da unidade negociada.
Neste cenário, temos recebido diversas consultas, as quais indagam se no regime especial de tributação da Lei 10.931/2004 o valor do imóvel recebido em tais condições, ou seja, como parte do pagamento da unidade incorporada, constituirá “receita bruta” ou “receita recebida” para fins de incidência do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
Em outras palavras: em qual o momento a incorporadora deve considerar como "recebida a receita" no caso de imóveis recebidos em permuta? A data de ingresso do imóvel no seu estoque ou a data da efetiva realização (alienação posterior) do bem?
No presente texto, procuraremos discorrer brevemente sobre o assunto, externando nossa posição. Evidentemente que o pouco espaço que aqui dispomos não permitirá apresentar toda fundamentação que ampara nossas conclusões. Em outra oportunidade nos estenderemos mais a respeito.
É importante salientar, antes de tudo, que já há posicionamento da Secretaria da Receita Federal a respeito da questão, o qual aponta que o valor dos imóveis recebidos em permuta, no âmbito do regime de apuração pelo lucro presumido ou pelo regime especial de tributação de que trata a Lei 10.931/2004, integrará a receita mensal recebida pela incorporadora, devendo sofrer a tributação (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS) no mesmo mês em que os imóveis forem recebidos em permuta (mês da assinatura do contrato de promessa ou escritura de permuta, o que ocorrer primeiro).
Este posicionamento da Receita está expresso no Parecer Normativo COSIT nº 9, de 04/09/2014 (DOU de 05/09/2014, Seção 1, p. 17), o qual trata das permutas nas atividades de empresas imobiliárias optantes do Lucro Presumido, assim ementado:
Na operação de permuta de imóveis com ou sem recebimento de torna, realizada por pessoa jurídica que apura o imposto sobre a renda com base no lucro presumido, dedicada a atividades imobiliárias relativas a loteamento de terrenos, incorporação imobiliária, construção de prédios destinados à venda, bem como a venda de imóveis construídos ou adquiridos para a revenda, constituem receita bruta tanto o valor do imóvel recebido em permuta quanto o montante recebido a título de torna.
A referida receita bruta tributa-se segundo o regime de competência ou de caixa, observada a escrituração do livro Caixa no caso deste último.
O valor do imóvel recebido constitui receita bruta indistintamente se trata-se de permuta tendo por objeto unidades imobiliárias prontas ou unidades imobiliárias a construir. O valor do imóvel recebido constitui receita bruta inclusive em relação às operações de compra e venda de terreno seguidas de confissão de dívida e promessa de dação em pagamento, de unidade imobiliária construída ou a construir.
Considera-se como o valor do imóvel recebido em permuta, seja unidade pronta ou a construir, o valor deste conforme discriminado no instrumento representativo da operação de permuta ou compra e venda de imóveis.
Especificamente no caso de permuta nas operações realizadas pelas incorporadoras imobiliárias, optantes do RET, a Receita Federal expediu a Solução de Consulta COSIT nº 411, de 05/09/2017 (DOU de 14/09/2017), de onde de colhe que:
ASSUNTO: NORMAS DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA EMENTA: INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO. DAÇÃO EM PAGAMENTO EM BENS IMÓVEIS.
A incorporadora que optar pelo regime especial de tributação de que trata a Lei nº 10.931, de 2004, deve incluir nesse regime a receita auferida relativa a bem imóvel recebido em dação em pagamento na venda de unidades imobiliárias componentes da incorporação.
O mesmo não se aplica à receita obtida com a posterior venda do bem imóvel recebido, que deve ser tributada de acordo com o regime de apuração do imposto sobre a renda a que a incorporadora estiver submetida.
No entanto, analisando-se as premissas em que se baseiam os argumentos dos citados atos normativos do Fisco, verifica-se que a orientação fiscal resulta em desfiguração da natureza jurídica do instituto da permuta, alterando sua definição, conteúdo e alcance, o que contraria as disposições do artigo 110 do Código Tributário Nacional, o qual, por ter categoria de Lei Complementar Nacional, prevalece sobre todas as normas fiscais ordinárias, como é o caso das orientações administrativas do Fisco.
Na realidade, a operação de permuta não revela benefício econômico suficiente para caracterizar o fato gerador dos tributos em questão (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS), de tal modo que a incidência tributária sobre o valor do bem recebido, em permuta, pela incorporadora, seja no regime do lucro presumido, seja no regime especial de tributação da Lei 10.931/2004, importará em violação ao princípio da capacidade contributiva previsto no artigo 145, parágrafo único, da Constituição Federal.
No caso dos tributos sobre a renda, lucro ou receita, tal princípio delimita que sua incidência somente ocorrerá quando estes fatos econômicos estiverem plenamente realizados e não enquanto estiverem apenas em seu estado potencial ou virtual. Ou seja: apenas quando o contribuinte efetivamente dispuser dos recursos necessários para satisfazer o pagamento. Este entendimento encontra respaldo na jurisprudência pacífica do Tribunal Regional da Quarta Região, consoante vários casos já examinados pela Corte.
Por tais e resumidas razões concluímos que o valor do imóvel recebido do adquirente, a título de permuta, ou seja, como parte (ou integralidade) do pagamento da unidade incorporada, não constitui “receita bruta” ou “receita recebida” da incorporadora, para fins de incidência do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
Evidentemente que o presente texto retrata tão somente nossa opinião legal a respeito da matéria, o que, como visto, diverge do entendimento dos órgãos fiscais, consoante atos normativos e precedentes administrativos mencionados.
Assim sendo, para que a empresa tenha segurança jurídica, em especial para que se previna de possíveis sanções por parte dos órgãos de fiscalização, orientamos fortemente que, por meio de advogado especializado, sejam adotadas as medidas administrativas e judiciais cabíveis, perante os órgãos e foros competentes.
Miguel Teixeira Filho - Advogado, sócio sênior da Teixeira Filho Advogados Associados, em Joinville/SC. Atuação com ênfase em direito tributário, direito penal-tributário, direito administrativo e direito comercial. Palestrante. Presidente da Associação Sul Brasileira de Compliance - Sul Compliance.
Fonte: Artigos Jus Navigandi
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