De acordo com o artigo 2º da lei 6.530/78, o exercício da profissão de corretor de imóveis será permitido ao possuidor de título de técnico em transações imobiliárias.
A conduta de exercer ilegalmente profissão ou atividade é prevista como sendo uma contravenção penal artigo 47 da lei de Contravencoes Penais(Decreto-lei 3.688 de 1941).
De acordo com Guilherme de Souza Nucci, a referida norma busca “coibir o abuso de certas pessoas, ludibriando inocentes que acreditam estar diante de profissionais habilitados, quando, na realidade, trata-se de uma simulação de atividade laborativa especializada”[1].
Trata-se de contravenção penal instantânea, bastando o mero anúncio que exerce a profissão de corretor para que reste configurada a contravenção penal de exercício ilegal de profissão ou atividade.
A jurisprudência do STJ de maneira radical considera:
A conduta do agente que exerce atividades de corretagem de imóveis após o cancelamento da sua inscrição no CRECI, por inadimplência das anuidades devidas, se amolda à contravenção penal prevista no art. 47 do Decreto-lei 3.688/41, haja vista que permaneceu clandestinamente na profissão regulamentada, exercendo-a sem o preenchimento da condição legal a que está subordinado o seu exercício, qual seja, inscrição perante o órgão de fiscalização profissional (CC 104924-MG, s. Rel. Jorge Mussi, 24.03.2010, v. U.).
Por outro lado, o próprio STJ[2], paradoxalmente, entende que o intermediador não inscrito no CRECI tem direito ao recebimento da comissão de corretagem.
Tal entendimento não é novo. Outras decisões já haviam sido proferidas anteriormente nesse mesmo sentido. Ao julgar o Recurso Especial nº 87.918/PR, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concluiu que “o intermediador faz jus à comissão de corretagem, uma vez que o seu serviço deve ser remunerado, sob pena de enriquecimento indevido do outro contratante.
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal possui jurisprudência. Ainda sob o império da Constituição de 1967/69, o Tribunal resolveu interessante caso a respeito da profissão de corretor de imóveis. No RE n.º 70.563/SP, o Relator, Ministro Thompson Flores, teceu considerações dignas de nota:
A liberdade do exercício profissional se condiciona às condições de capacidade que a lei estabelecer. Mas, para que a liberdade não seja ilusória, impõe-se que a limitação, as condições de capacidade, não seja de natureza a desnaturar ou suprimir a própria liberdade. A limitação da liberdade pelas condições de capacidade supõe que estas se imponham como defesa social. Observa Sampaio Dória ("Comentários à Constituição de 1946", 4o vol., p. 637): 'A lei, para fixar as condições de capacidade, terá de inspirar-se em critério de defesa social e não em puro arbítrio. Nem todas as profissões exigem condições legais de exercício. Outras, ao contrário, o exigem. A defesa social decide. Profissões há que, mesmo exercidas por ineptos, jamais prejudicam diretamente direito de terceiro, como a de lavrador. Se carece de técnica, só a si mesmo se prejudica. Outras profissões há, porém, cujo exercício por quem não tenha capacidade técnica, como a de condutor de automóveis, piloto de navios ou aviões, prejudica diretamente direito alheio. Se mero carroceiro se arvora em médico operador, enganando o público, sua falta de assepsia matará o paciente. Se um pedreiro se mete a construir arranha-céus, sua ignorância em resistência de materiais pode preparar desabamento do prédio e morte dos inquilinos. Daí em defesa social, exigir a lei condições de capacidade técnica para as profissões cujo exercício possa prejudicar diretamente direitos alheios, sem culpa das vítimas.' [...]Há justificação no interesse público na limitação da liberdade do exercício da profissão de corretos de imóveis? Estou convencido que não, e a tanto me convenceu a argumentação de jurídico e substancioso acórdão relatado pelo eminente Des. Rodrigues Alckmim, do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferido na Ap. Cível n.º 149.473, do qual transcrevo esta passagem: 'Postos estes princípios - os de que a liberdade de exercício da profissão é constitucionalmente assegurada, no Brasil, embora limitável por lei ordinária; mas que a lei ordinária pode exigir somente as condições de capacidade reclamadas pelo 'interesse superior da coletividade'; e que ao Judiciário cabe apurar se a regulamentação é, ou não, legítima - merece exame, agora, o impugnado art. 7º, da Lei n.º 4.116. Começa essa lei por estabelecer o regulamento de uma 'profissão de corretor de imóveis', profissão que, consoante o critério proposto por Sampaio Dória, não pode ser regulamentada sob o aspecto de capacidade técnica, por dupla razão. Primeiro, porque essa atividade, mesmo exercida por inepto, não prejudicará diretamente a direito de terceiro. Quem não conseguir obter comprador para propriedades cuja venda promova, a ninguém mais prejudicará, que a si próprio. Em segundo lugar, porque não há requisito de capacidade técnica algum, para exercê-la. Que diplomas, que aprendizado, que prova de conhecimento se exigem para o exercício dessa profissão? Nenhum é necessário. Logo, à evidência, não se justificaria a regulamentação, sob o aspecto de exigência, pelo bem comum, pelo interesse, de capacidade técnica. 10. Haverá, acaso, ditado pelo bem comum, algum outro requisito de capacidade exigível aos exercentes dessa profissão? Nenhum. A comum honestidade dos indivíduos não é requisito profissional e sequer exige, a natureza da atividade, especial idoneidade moral para que possa ser exercida sem risco. Conseqüentemente, o interesse público de forma alguma impõe seja regulamentada a profissão de "corretor de imóveis", como não o impõe com relação a tantas e tantas atividade profissionais que, por dispensarem maiores conhecimentos técnicos ou aptidões especiais físicas ou morais, também não se regulamentam. 11. Como justificar-se, assim, a regulamentação? Note-se que não há, na verdade, interesse coletivo algum que a imponha. E o que se conseguiu, com a lei, foi criar uma disfarçada corporação de ofício, a favor dos exercentes da atividade, coisa que a regra constitucional e regime democrático vigentes repelem.'
Pode-se dizer que haveria uma tendência na desregulamentação das profissões (como ocorreu com a dispensabilidade de diploma de jornalista para o exercício desta profissão pelo STF no leading case 511.961), sob o argumento de que a restrição legal a direito fundamental constitucionalmente autorizada é aquela estritamente indispensável, ou seja, cuja ausência tornaria o exercício individual do direito um verdadeiro risco aos demais integrantes da coletividade. E nessa perspectiva que a expressão "atendidas as qualificações profissionais", constante do inciso XIII do art. 5º da Constituição, deve ser entendida.
Nesta esteira, pergunta-se: a restrição ao exercício da profissão de corretor pode ser limitada atualmente somente aos que possuem registro no CRECI? É indispensável tal restrição legal?
O registro no CRECI traz segurança ao negócio imobiliário realizado, ainda mais frente à complexidade de tais relações, por isso entendemos ser exigido tal registro.
Muito embora haja exigência do CRECI para o exercício da atividade / profissão de corretor, é cediço que se o contratante conhecia do intermediador que este não possuía registro no CRECI e mesmo assim contratou os seus serviços, não poderá vir o contratante posteriormente à conclusão do negócio em virtude do trabalho daquele intermediador e alegar que a comissão é indevida e que haveria contravenção penal de exercício ilegal da profissão. Isso em razão dos princípio da boa-fé objetiva, do valor social do trabalho e da proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium). Com relação ao venire contra factum proprium, se o contratante incumbiu os serviços a alguém que sabia não ser credenciado no CRECI não poderá posteriormente e contraditoriamente invocar eventual ilegalidade da profissão daquele intermediador de negócios para não honrar com o pagamento da comissão devida.
Ademais, no parágrafo anterior não há nem que se falar em contravenção penal, pois sequer foi o contratante ludibriado (escopo da norma incriminadora), aliás era conhecedor da condição de não inscrição do CRECI daquele corretor. Correu o contratante risco de um eventual negócio mal sucedido daquele negociador, assim como poderia o próprio proprietário incorrer em tal risco se tivesse realizado o negócio imobiliário diretamente (sem intermediação).
Por estas e outras razões, consideramos também incorreta a decisão do STJ em condenar o corretor que teve sua inscrição cancelada no CRECI por inadimplência pela contravenção penal do exercício ilegal da profissão, fato este que deveria ter sido resolvida na seara administrativa e civil, não podendo ter sido utilizado o direito penal em tal situação face aos princípios da intervenção mínima, da fragmentariedade e da ofensividade.
Luiz Antônio Scavone Júnior entende que há ato ilícito na conduta da pessoa que faz intermediação de negócios imobiliários sem registro no CRECI, e acrescenta que:
[...] a cobrança não poderia ser admitida, vez que a regra comezinha de direito que os atos devem ter objeto lícito (CC, 166, II), e a corretagem levada a efeito por pessoa não inscrita no CRECI seria contrato de prestação de serviços com objeto ilícito e, demais disso, confissão de delito[3].
Em que pese o brilhante posicionamento de SCAVONE, ousamos discordar, pois o objeto não se torna ilícito pelo fato de o contratado não ter inscrição no CRECI, afinal o objeto (negócio a ser intermediado) não se confunde com a pessoa com quem se contratou. Se o intermediador não inscrito no CRECI conseguiu o negócio pretendido (e este negócio era lícito) não há que se falar em objeto ilícito.
[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas – volume 1. 7 ed. São Paulo: RT. 2013. P. 163.
[2] STJ – 4ª T., REsp 185.823/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ 14.10.2008
[3] JUNIOR, Luiz Antonio Scavone. Op. Cit. P. 283.
Marcelo Rodrigues da Silva - LL.M em Direito Civil pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Especialista em Direito Público pela Escola Paulista da Magistratura (EPM). Especialista em Direito Público pelo Damásio em convênio com a Faculdade Potiguar.
Fonte: Artigos JusBrasil
NOTA DO EDITOR: LL.M é uma abreviação do Latin Legum Magister, que significa Master of Laws, Trata-se de um diploma de pós graduação em direito reconhecido internacionalmente
NOTA DO EDITOR: LL.M é uma abreviação do Latin Legum Magister, que significa Master of Laws, Trata-se de um diploma de pós graduação em direito reconhecido internacionalmente
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