Registros e averbações relativos à pessoa do incorporador ou referentes a direitos reais de garantias, cessões ou demais negócios jurídicos que envolvam o empreendimento devem ser realizados tanto na matrícula de origem do imóvel, quanto em cada uma das matrículas das unidades autônomas eventualmente abertas, independentemente da quantidade, estando, entretanto, o registrador limitado à cobrança simples de emolumentos, como se ato único de registro fossem.
Esse é o procedimento estabelecido pelo art. 237-A da Lei de Registros Públicos, referendado pelo Superior Tribunal de Justiça em acórdão publicado, em Recurso Especial interposto por Registrador de Brasília que insiste em cobrança contra legem.
A prática registral, no que tange às incorporações imobiliárias, sempre gerou impasse nos diferentes estados da Federação. Ao passo que alguns concentram todos os registros e averbações em uma única matrícula (“matrícula-mãe”), outros optam pela abertura de matrículas autônomas para cada unidade futura, procedimento esse que acaba por multiplicar, também, o número de atos registrais a serem realizados, onerando, consequentemente, os empreendimentos.
Com efeito, a abertura de matrículas autônomas tem o condão de organizar e facilitar o acesso à informação registral de empreendimentos que agregam muitas unidades autônomas, evitando que a “matrícula-mãe” fique poluída por inúmeros atos de interesse de apenas uma unidade futura. No entanto, a necessidade de múltiplas averbações/registros daqueles atos que interessam a todas as unidades futuras passou a encarecer os empreendimentos, uma vez que passaram a ser repetidos tantas vezes quantas fosse o número de unidades autônomas.
Diante disso, a Lei 11.977 adicionou à Lei de Registros Públicos o art. 237-A, estabelecendo que os atos ali descritos deveriam ser realizados tanto na matrícula de origem, quanto nas matrículas das unidades autônomas, estabelecendo, no entanto, que essas repetidas averbações/registros, para efeito de cobrança de custas e emolumentos, até a emissão da carta de habite-se, devem ser consideradas como um único ato, independentemente da quantidade de unidades autônomas envolvidas.
Eis o caso analisado pelo Superior Tribunal de Justiça em acórdão publicado nesta semana: o 3º Ofício de Registro de Imóveis do Distrito Federal, com sede em Taguatinga, cobrou da incorporadora o pagamento de emolumentos referentes a 415 averbações de quitação do preço do imóvel destinado ao empreendimento de incorporação imobiliária efetuadas nas matrículas de cada uma das unidades autônomas.
O valor em litígio, referente a 415 averbações, ultrapassa o importe de R$ 90.000,00. (Considerando-se as inúmeras averbações/registros realizados ao longo da incorporação, torna-se mais fácil compreender o impacto que a referida norma tem nos empreendimentos)
O Ministro Marco Aurélio Bellizze, acompanhado, à unanimidade, pelos Ministros da Terceira Turma, deu plena aplicabilidade ao art. 237-A da Lei de Registros Públicos, para julgar improcedente o pedido de cobrança dos referidos emolumentos.
Anote-se que o Conselho Nacional de Justiça, acompanhado pelo Supremo Tribunal Federal em juízo de prelibação, já firmou o entendimento de que o referido dispositivo tem aplicabilidade a toda e qualquer incorporação imobiliária ou parcelamento de solo, não se limitando àquelas do Programa Minha Casa, Minha Vida. É dizer, a despeito de a Lei 11.977 dispor sobre o PMCMV, diversas alterações foram por ela inseridas no ordenamento registral, tendo o diploma apontado de maneira expressa quando as inovações se restringem ao Programa, como o fez nos arts. 42 e 43.
Do ponto de vista sistemático, o dispositivo é apto para o fim pretendido, devendo prevalecer sobre eventuais normas estaduais, uma vez tratar-se de competência legislativa privativa da União (art. 22, XXV, CF/88).
Sem mais, esclarecedora se faz a leitura do dispositivo, de sua exposição de motivos e da ementa do REsp 1.522.874/DF:
Art. 237-A. Após o registro do parcelamento do solo ou da incorporação imobiliária, até a emissão da carta de habite-se, as averbações e registros relativos à pessoa do incorporador ou referentes a direitos reais de garantias, cessões ou demais negócios jurídicos que envolvam o empreendimento serão realizados na matrícula de origem do imóvel e em cada uma das matrículas das unidades autônomas eventualmente abertas.
§ 1º Para efeito de cobrança de custas e emolumentos, as averbações e os registros relativos ao mesmo ato jurídico ou negócio jurídico e realizado com base no caput serão considerados como ato de registro único, não importando a quantidade de unidades autônomas envolvidas ou de atos intermediários existentes.
“No mesmo artigo 48 insere-se o artigo 237-A à Lei n.° 6.015/73, com o propósito de tornar homogênea a sistemática de cobrança de registros efetuados nas matrículas de empreendimentos imobiliários. Importa destacar que não há atualmente unicidade de tratamento no processo de abertura de matrículas durante a fase de incorporação. A maioria dos Estados abre uma única matrícula, fazendo os registros e averbações necessários nesta matrícula. Outros Estados possibilitam que os cartórios abram tantas matrículas quantas forem as unidades que comporão a incorporação. Neste caso, os registros e averbações e, consequentemente, suas custas, passam a ser multiplicados pelo número de matrículas abertas. Embora possa haver a argumentação de que os cartórios que abrem múltiplas matrículas têm custas de registro e averbação diferentes daqueles que abrem uma única matrícula, a falta de homogeneidade no procedimento possibilita a ocorrência de práticas de custos que podem onerar os empreendimentos.”.
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. EMOLUMENTOS. ATO NOTARIAL DE AVERBAÇÃO RELATIVO À QUITAÇÃO DA AQUISIÇÃO DE LOTES (DESTINADOS A CONSTRUÇÃO SOB O REGIME DE INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA), EFETIVADO NA MATRÍCULA DE ORIGEM, BEM COMO NAS MATRÍCULAS DAS UNIDADES IMOBILIÁRIAS ADVINDAS DO EMPREENDIMENTO. ART. 237-A DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS. OBSERVÂNCIA. ATO DE REGISTRO ÚNICO, PARA FINS DE COBRANÇA DE CUSTAS E EMOLUMENTOS. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. O art. 237-A da LRP determina que, após o registro da incorporação imobiliária, até o "habite-se", todos os subsequentes registros e averbações relacionados à pessoa do incorporador ou aos negócios jurídicos alusivos ao empreendimento sejam realizados na matrícula de origem, assim como nas matrículas das unidades imobiliárias eventualmente abertas, consubstanciando, para efeito de cobrança de custas e emolumentos, ato de registro único.
2. Para a específica finalidade de cobrança de custas e emolumentos, tem-se que o ato notarial de averbação relativa à quitação dos três lotes em que se deu a construção sob o regime de incorporação imobiliária, efetuado na matrícula originária, assim como em todas as matrículas das unidades imobiliárias daí advindas, relaciona-se, inequivocamente, com o aludido empreendimento.
3. Nos termos da lei regência (Lei n. 4.591/64), em seu art. 32, é condição sine qua non ao registro da incorporação imobiliária e, por via de consequência, à negociação das futuras unidades imobiliárias, que o incorporador demonstre a qualidade de proprietário, de promitente comprador, de cessionário, ou de promitente cessionário do imóvel no qual se edificará a construção sob o regime de incorporação imobiliária 3.1 Nas hipóteses em que o incorporador não detém título definitivo de propriedade, o negócio jurídico estabelecido entre ele e o então proprietário do terreno assume contornos de irrevogabilidade e de irretratabilidade, havendo, necessariamente, expressa vinculação do bem imóvel ao empreendimento sob o regime de incorporação imobiliária.
4. Levando-se em conta que o objeto da relação contratual ajustada entre o então proprietário do terreno e o incorporador (ou quem vier a sucedê-lo) encontra-se indissociavelmente ligado à incorporação imobiliária, a matrícula do imóvel no qual se erigirá o empreendimento conterá, necessariamente, o título pelo qual o incorporador adquiriu o imóvel, bem como toda e qualquer ocorrência que importe alteração desse específico registro, no que se insere, inarredavelmente, a averbação de quitação da promessa de compra do terreno.
5. Recurso especial improvido.
(REsp 1522874/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/06/2015, DJe 22/06/2015)
Alberto Malta - Sócio-fundador do escritório Malta & Valle Advogados; Mestrando em Direito, Estado e Constituição, com ênfase em Direito Imobiliário Registral, pela Universidade de Brasília - UnB; Pós-graduando em Direito Imobiliário pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP.
Fonte: Artigos Jus Navigandi
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