domingo, 26 de julho de 2015

MUNDO: POR QUE O "MINHA CASA, MINHA VIDA DA VENEZUELA SUPERA PROGRAMA BRASILEIRO?

Prensa Presidencial/Divulgação
O presidente Nicolás Maduro entrega a casa 700 mil de seu programa habitacional

Alvo de críticas internacionais devido à violência e intimidação com que trata oposicionistas e por ter um sistema de governo muitas vezes classificado como populista, a Venezuela conseguiu desenvolver o mais eficiente programa de habitação popular da América Latina. Foi o que concluiu uma tese de doutorado, apresentada na Universidade de Campinas (Unicamp), feita pela economista Beatriz Mioto,. A pesquisadora comparou os diferentes modelos aplicados em países de dimensões econômicas e demográficas semelhantes – além da Venezuela, Brasil, Colômbia e México.

"Não foi propriamente uma surpresa para mim a política habitacional venezuelana ter atendido a maior base social do governo e de maneira mais abrangente do que as demais", analisa Beatriz em entrevista ao iG. "A política habitacional venezuelana responde a uma conjuntura política única, de ascensão de um importante líder popular [Hugo Chávez], aliada ao aumento do preço do petróleo no mercado internacional, que permitiu inversões importantes no campo social."

Para chegar à conclusão, Beatriz realizou uma ampla pesquisa a respeito da história econômica e dos modelos de política habitacional na América Latina, que resultou na tese “As Políticas Habitacionais no Subdesenvolvimento: os Casos do Brasil, Colômbia, México e Venezuela (1980/2013)". O estudo foi feito ao longo de quatro anos e incluiu, além da pesquisa documental, visitas aos países inseridos para realizar pesquisas em bibliotecas, órgãos de planejamento e conjuntos habitacionais.

De acordo com Beatriz, as mudanças que levaram ao que chama de uma "política habitacional única na América Latina" vieram no momento em que a boa fase econômica se encontrou com um governo mais voltado para as classes mais baixas, com uma série de programas sociais.

Parte do Sistema Nacional de Missões – também conhecido como Missões Bolivarianas –, o programa, batizado de Gran Misión Vivienda (Grande Missão Moradia), começou de fato em 2011, após grandes enchentes desabrigarem e matarem milhares de pessoas no país, sempre em áreas periféricas, onde a estrutura é, assim como no Brasil, precária. Desde o início, o foco foi no atendimento àqueles de baixa renda que sofreram prejuízos. Segundo informações oficiais, até 25 mil venezuelanos morreram como consequência das chuvas no país no final de 2010.

A partir de então, foi realizada uma ampla política iniciada com o mapeamento de terrenos vagos e irregulares, que, quando consideradas abandonados ou com uso inadequado – como ocorre para se justificar boa parte das ocupações realizadas por movimentos sem-teto no Brasil –, passaram a ser desapropriados, em um verdadeiro enfrentamento contra a especulação imobiliária.

Desta forma, o programa foi capaz de viabilizar a parte da população não só imóveis em terrenos mais bem localizados (em áreas centrais ou próximas a estações de metrô, por exemplo), mas residências voltadas especialmente às pessoas que realmente necessitavam – em sua maioria, prejudicadas pelas enchentes de 2010 –, não àquelas que teriam condições de comprar suas casas por meio de crédito no mercado.

"A periferização também é muito cristalizada na paisagem urbana em Caracas [capital da Venezuela], por exemplo, que visitei. Mas a política atual mitigou o problema, principalmente daqueles que se encontravam desabrigados e em áreas de risco iminente", ressalta Batriz. "Isso não significa que o problema esteja perto de ser resolvido, mas que a experiência venezuelana serve para a reflexão de como aproximar a casa não só do direito à moradia como, especialmente, do direito à cidade."

O caso brasileiro

Único programa federal de habitação popular do Brasil, o Minha Casa Minha Vida entregou um total de 2 milhões de residências desde seu lançamento, em 2009, número amplamente superior às cerca de 700 mil unidades entregues na Venezuela nos últimos quatro anos, segundo dados oficiais. Apesar disso, qualitativamente, as ações federais estão distantes das necessidades da população de baixa renda.

Apesar de dependentes do programa, grupos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) criticam o fato de, diferente do que ocorreu na Venezuela, o modelo brasileiro não enfrentar de fato a especulação imobiliária no País, jogando as populações pobres às periferias em casas mal acabadas e distantes dos grandes centros.

"O programa que temos no Brasil resolve os problemas das construtoras, não da moradia", ataca Natalia Szermeta, uma das coordenadoras nacionais do MTST. "O governo entrega a condição da moradia às empreiteiras, que constroem no pior local possível, do pior jeito possível. Se não existe enfrentamento a esses grupos, não existe forma de melhora social no País."

É este justamente um dos pontos que coloca os programas brasileiro, mexicano e colombiano – países com projetos marcados por políticas neoliberais, que condicionam subsídios à dinâmica do mercado de crédito e dão liberdade de atuação do setor imobiliário sobre o mercado fundiário – abaixos do venezuelano.

Mesmo o programa mais voltado para a participação direta das populações necessitadas no planejamento e construção de moradias – caso do Minha Casa Minha Vida Entidades, defendido pelo MTST e outros grupos sem-teto, modelo bastante difundido na Venezuela – encontra limitações no Brasil, pois os subsídios entregues a ele são amplamente inferiores àqueles cedidos ao mercado privado.

"Aqui, o desenho da política passa antes pelos interesses e ganhos das incorporadoras, construtoras e proprietários fundiários do que pela transformação do espaço urbano e garantia do direito à moradia digna. Além disso, a ausência de uma política fundiária concomitante acirra esse conflito, com parte dos recursos destinados ao programa sendo drenados pela especulação", afirma Beatriz.

"O aumento do teto do financiamento dos imóveis, por exemplo, responde muito mais ao aumento do preço dos terrenos do que dos insumos e mão de obra. Essa renda gerada pela especulação é a mais nociva tanto para a construção quanto para a qualidade dos imóveis e sua localização, já que ela é 'estéril' se comparada à renda gerada pelo aumento do emprego, da compra de insumos e capitalização da esfera produtiva das empresas."

Direito à cidade

O programa venezuelano está longe de ser perfeito. Como um dos países mais pobres e violentos da América Latina, seu território segue com grandes populações vivendo em áreas periféricas insalubres, distantes de oportunidades de emprego e de inserção no modo de vida urbano. Além disso, a crise econômica atual, conforme aponta Beatriz, tende a prejudicar os programas sociais – assim como tem ocorrido no Brasil, com os sucessíveis adiamentos do lançamento da terceira fase do Minha Casa Minha Vida, atualmente previsto para o segundo semestre de 2015.

No entanto, como conclui a pesquisadora, o modelo serve para a reflexão de como aproximar a habitação popular não só ao direito à moradia, de ter um teto, "como, especialmente, ao direito à cidade". "O problema maior nos casos comparados é a inexistência de mecanismos de controle do aumento dos preços dos terrenos, que acabam drenando parte dos recursos, impactando nos preços de aluguéis", diz Beatriz.

"Isso também contribui para o aumento do déficit habitacional, já que há um aumento do número de famílias que comprometem mais de 30% da sua renda com aluguel e, por conseguinte, seu nível de consumo com alimentação, educação e lazer."

Procurado pelo iG para comentar as críticas ao Minha Casa Minha Vida, o Ministério das Cidades não se manifestou até a publicação desta reportagem.

Fonte: Mundo IG

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