O Novo Código de Processo Civil (L. 13.105/2015) trouxe diversas e importantes mudanças na nossa sistemática processual, com a finalidade de otimizar o andamento dos processos e buscar soluções alternativas para resolução do conflito, como a mediação e conciliação, valendo-se, inclusive, da desjudicialização, concedendo novos instrumentos às atividades extrajudiciais (registral e notarial). Dentre estas mudanças, destaca-se a introdução (ou ampliação) da usucapião extrajudicial no ordenamento pátrio, como veremos adiante.
Como é cediço, a usucapião é, em apertada síntese, uma forma de aquisição da propriedade de determinado bem, seja ela móvel ou imóvel, pelo exercício prolongado no tempo da posse e pelo preenchimento de alguns requisitos legais.
No caso dos bens imóveis, em regra, o lapso temporal pode variar entre 5, 10 ou 15 anos, dependendo das características do imóvel (tamanho, de uso coletivo ou individual, rural ou urbano, etc.) e do tipo de posse exercida (mansa, com justo título, de boa-fé, etc.).
Assim, verifica-se que a usucapião é um importante instrumento não só jurídico, mas de política social, especialmente para garantir a famosa função social da propriedade, garantia constitucional prevista nos artigos 5, XXIII, e 170, III, da Carta Republicana.
Em razão da importância social da usucapião e, principalmente, da diminuição das suas exigências nos últimos (diminuição no tempo de posse, etc.), houve um considerável incremento nas ações judiciais sobre o tema, gerando mais demandas para o nosso já assoberbado Poder Judiciário.
Com isso, em que pese os valorosos esforços dos servidores e magistrados, criou-se também relação às ações de usucapião uma morosidade muito grande, principalmente no Estado de São Paulo, desencadeando a espera por anos pela decisão definitiva de aquisição da propriedade.
Diante de tal situação, os juristas que compuseram a comissão de elaboração do NCPC buscaram uma solução alternativa ao conflito judicial, quase que nos mesmos moldes da que foi aplicada ao inventários, divórcios e separações, introduzindo, ou melhor dizendo, ampliando, a usucapião extrajudicial em nosso sistema jurídico.
Neste ponto, vale destacar que a usucapião extrajudicial foi, em verdade, introduzida em nosso ordenamento pela lei que criou o Programa Minha Casa Minha Vida (L.11.977/09 alterada pela L. 12.424/2011), sendo esta, no entanto, aplicável somente aos projetos de regularização fundiária de interesse social e com diversos requisitos específicos.
No entanto, a usucapião extrajudicial trazida pelo NCPC é muito mais ampla e contempla as mais diversas espécies de usucapião esculpidas no direito material, facilitando, ao menos em tese, a aquisição da propriedade pelo possuidor.
Pois bem. O procedimento da usucapião extrajudicial está previsto no artigo 1.071 do Novo Código de Processo Civil, o qual acrescentou o artigo 216-A na Lei de Registros Publicos (L. 6.015/73), estabelecendo que o interessado, representado pelo advogado, poderá apresentar requerimento ao Cartório de Registro de Imóveis da comarca onde estiver situado o imóvel usucapiendo, devendo tal requerimento estar instruído com a seguinte documentação:
Ata notarial lavrada pelo Tabelião de Notas da regiaão de localização do Imóvel, contendo (i) o tempo de posse do requerente; (ii) se for o caso, o tempo de posse dos antecessores e (iii) circunstâncias;
Planta e Memorial Descritivo do profissional legalmente habilitado, com reponsabilidade técnica e registro no respectivo Conselho de Fiscalização profissional, e pelos confinantes, titulares de domínio;
Certidões Negativas dos Distribuidores da Comarca da Situação do Imóvel e do domicílio do requerente;
Justo Título ou outra documentação que comprove: (i) origem da posse, (ii)continuidade, (iii) natureza e tempo; ex.: pagamento de impostos e taxas.
Após ser conferida a documentação, o requerimento de usucapião será autuado pelo registrador e o prazo para a prenotação do registro pode ser prorrogado até o acolhimento ou a rejeição deste pedido.
Além disso, o registrador imobiliário deverá notificar os confinantes e titulares de domínio ou direito real que não assinaram a planta, que possuem prazo máximo de 15 (quinze) dias para manifestação. Esta notificação poderá ser pessoal pelo próprio registrador (ou seu preposto) ou por meio dos Correios com AR.
Posteriormente, o oficial de registro dará ciência à União, ao Estado, Distrito Federal e Município para manifestação, também, em 15 (quinze) dias sobre o pedido, neste caso a comunicação poderá se dar pessoalmente, por meio do correio com AR ou ainda do pelo Cartório de Registro de Títulos e Documentos.
Realizadas as notificações estabelecidas na nova lei, o registrador deve realizar a publicação de Edital em jornal de grande circulação na região do imóvel, sendo certo que, neste momento, os terceiros interessados poderão se manifestar no mesmo prazo de 15 (quinze) dias.
É facultado ao oficial registrador realizar diligências para a elucidação de dúvidas em relação ao imóvel usucapiendo. Após o decurso de todos os prazos acima indicados, achando-se a documentação em ordem, inclusive com a concordância expressa dos titulares de direitos reais e outros averbados na matrícula do imóvel e na matrícula dos imóveis confinantes, o registrador procederá com o registro da aquisição imóvel, sendo permitida a abertura de nova matrícula se for necessário.
Caso o registrador entenda que a documentação não está em ordem poderá indeferir o requerimento, sendo certo que este indeferimento não impede a propositura da ação de usucapião. Do mesmo modo, em havendo qualquer impugnação do processo por terceiros, o oficial obrigatoriamente remeterá os autos ao juízo da comarca do imóvel e o requerente deverá emendar a inicial para adequá-la aos moldes do quanto estabelecido na lei adjetiva.
Verifica-se, portanto, que, assim como no inventário[1], divórcio, e separação, só haverá a necessidade de judicialização do procedimento somente se houver lide, ou seja, se houver a impugnação por um interessado ou se não houver a concordância dos titulares de direitos reais do imóvel usucapiendo e dos imóveis confinantes.
Em resumo, em que pese a discussão casuística – se na prática este novo procedimento estabelecido pelo NCPC trará maior agilidade ou se será somente acréscimo de uma fase preliminar da Jurisdição –, tem-se que a inovação trazida é uma verdadeira adaptação histórica ao direito de propriedade, vez que é possível concluir que, cada vez mais, tanto o direito material quanto o processual buscam facilitar a transformação da posse em propriedade, garantindo, assim, a efetivação deste viés social da propriedade.
[1] com exceção dos casos que envolvam incapazes.
Lucas Bento Sampaio - Advogado em São Paulo, especialista em direito imobiliário, cível e condominial. Sócio do escritório Lucas Bento Sampaio Advogados.
Fonte: Artigos JusBrasil
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