A tabela Price não é uma novidade no financiamento imobiliário e chegou a causar polêmica no Brasil por, supostamente, cobrar juros sobre juros – os chamados juros capitalizados, algo proibido por lei. Mas, nos últimos tempos, com quase R$ 30 bilhões em imóveis encalhados e vendas em queda, as incorporadoras esperam que os bancos olhem com mais atenção para duas vantagens da Price sobre seu principal concorrente, o Sistema de Amortização Constante (SAC), que poderiam reanimar as vendas: as prestações menores no início do pagamento, e a possibilidade de o comprador adquirir um imóvel mais caro.
A esperança das empresas do setor é que os bancos, responsáveis pelo financiamento da produção e aquisição de imóveis, passem a adotar mais a Price que a SAC. Segundo o presidente do Secovi-SP, Cláudio Bernardes, a entidade que representa quem constrói, negocia e administra imóveis no Estado de São Paulo, os outros fatores que poderiam ser revistos, para estimular as vendas, já chegaram ao limite. Não haveria mais espaço para reajuste de preços no setor; a demanda por imóveis está minguando; e a capacidade de pagamento dos brasileiros está menor, diante da inflação e do nível de endividamento geral da população.
Funil maior
“Esgotamos esses mecanismos que fizeram o mercado chegar até aqui”, afirma. “Não estamos pleiteando uma mudança na tabela, mas essa é a única alternativa que restou e precisa ser avaliada”, diz Bernardes. O primeiro argumento a favor da Price é que as prestações iniciais, nesse sistema de amortização, são cerca de 30% menores que as da SAC, para um mesmo imóvel e mantidas as outras condições, como prazos e juros. Como os bancos estabelecem que um interessado só pode comprometer entre 25% e 30% de sua renda mensal com a prestação da casa própria, oferecer parcelas menores permitiria que pessoas com renda insuficiente para financiar um imóvel pela SAC realizassem seu sonho pela Price. Traduzindo: ampliaria o mercado potencial de compradores.
O segundo argumento é que, com a mesma renda, uma pessoa pode comprar um imóvel com valor até 28% maior, pela tabela Price, do que conseguiria pela SAC. O motivo é o mesmo: como as primeiras parcelas são menores, o interessado poderia buscar uma casa mais cara, cuja prestação atingisse o limite permitido de comprometimento de renda, em vez de se contentar com uma mais barata, que lhe desse uma folga no orçamento.
Segundo o Secovi-SP, somente na capital paulista, as vendas acumulam uma queda de 49% no acumulado até agosto, baixando de 22.63 unidades para 11.587. Já os lançamentos baixaram 23% no mesmo período. De acordo com o jornal O Estado de S.Paulo, as maiores incorporadoras do País encerraram o primeiro semestre com um estoque de R$ 29 bilhões em imóveis. A combinação de queda de vendas com negócios encalhados faz a tabela Price parecer ainda mais atraente, mas os próprios incorporadores reconhecem que é preciso estudar mais a questão. “Os efeitos colaterais precisam ser analisados por quem financia o setor”, diz Bernardes.
Bomba-relógio?
O principal temor dos bancos é que a tabela Price gere mais inadimplência no futuro. O raciocínio é simples. Na tabela SAC, as prestações caem ao longo do tempo. Assim, se um comprador consegue pagar as primeiras, que são as mais altas, não terá muita dificuldade para quitar as últimas, que são mais baixas. Mesmo que sua renda caia com os anos, ele ainda poderia ter condições de quitar seu crédito. Na tabela Price, ocorre justamente o contrário. As prestações sobem com os anos, e qualquer imprevisto que rebaixe a renda do comprador, como passar a ganhar menos ou ter sua renda corroída pela inflação, pode levá-lo à inadimplência.
“Pela tabela Price, o comprador se expõe a mais risco”, afirma o diretor de Habitação da Caixa Econômica Federal, Teotonio Rezende. Não é por acaso que a instituição adota critérios mais rigorosos para aprovar um crédito por esse sistema: prazo máximo de 20 anos de financiamento, comprometimento de renda de até 25% e limite de 80% do valor do imóvel. Maior operadora de crédito imobiliário do País, a Caixa é um exemplo da postura cautelosa dos bancos sobre o assunto. Dos cerca de 5 milhões de contratos que a instituição possui, 97% seguem a tabela SAC. Apenas 2% são amortizados pela Price. O 1% é calculado por outros sistemas. Membro do conselho de administração da Abecip, associação que representa os agentes de crédito imobiliário no Brasil, Rezende afirma que a posição dos bancos privados “é radicalmente contrária à Price.”
Isso não significa que a Caixa esteja totalmente fora dessa tabela. Em maio de 2013, para impulsionar a faixa de renda até R$ 5 mil no Programa Minha Casa, Minha Vida, o banco passou a oferecer a opção de financiamento pela Price. O Banco do Brasil também adotou a mesma medida naquela época. Segundo Rezende, a demanda por esse sistema ficou “muito acima do esperado”. Quando se consideram apenas os contratos fechados em 2014, a Price já responde por 7% da carteira. O limite estipulado pelo banco é de 20% da média das operações. “Se atingirmos esse teto, podemos rever alguns critérios”, diz. Rezende ressalta, porém, que não há planos de estender a Price para além dessa faixa do Minha Casa, Minha Vida. Por enquanto, os incorporadores terão de buscar outros meios para aumentar as vendas.
Márcio Juliboni / ISTOÉ Dinheiro
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