Nos últimos dois anos e meio, a correção do valor dos imóveis comprados na planta durante o período de construção foi superior ao aumento dos salários dos brasileiros.
Enquanto o Índice Nacional da Construção Civil (INCC), que corrige os imóveis na planta, subiu 21,34% no período, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que é usado como base para o reajuste dos salários, subiu 14,14% no período.
A discrepância entre os dois índices tem levado compradores de imóveis na planta a não conseguir pagar ou financiar o valor na entrega das chaves.
Quem comprou um imóvel na planta em março de 2012 e pagou 20% do valor para a construtora durante a obra - percentual normalmente exigido na compra na planta -, terá de encarar agora uma dívida 21,34% maior, em média, de acordo com simulação feita a pedido de EXAME.com pelo Canal do Crédito, site de comparação de produtos financeiros.
Isso significa que, quem comprou um imóvel de 350 mil reais na planta em março de 2012 terá de pagar agora, na entrega das chaves, 59,7 mil reais a mais. Quem optou por uma unidade de 750 mil reais terá de encarar uma diferença de 128 mil reais, e quem adquiriu uma unidade de 1 milhão terá de pagar 170 mil reais a mais agora.
O reajuste do INCC é aplicado sobre o saldo devedor da dívida, ou seja, sobre o que sobra da dívida depois de descontado o valor já pago à construtora.
Por exemplo, se um comprador de um imóvel de 350 mil reais já pagou 20% do valor para a construtora (70 mil reais) seu saldo devedor é de 280 mil reais.
Mas com o reajuste de 21,34% do INCC durante o período da construção do imóvel, o valor que o comprador passa a ter de pagar assim que recebe as chaves deixa de ser 280 mil reais e passa a ser 339,7 mil reais (280 mil reais, mais a correção de 21,34%).
Desde 2011, o INCC aumenta, em média, 7% ao ano. De 2006 a 2010, a média era de 4% ao ano. O índice chegou a atingir 8,4% entre janeiro de 2013 e janeiro deste ano, o dobro da média verificada no passado.
A inflação na construção aumentou por conta do aquecimento do mercado imobiliário no país, resultante da maior facilidade de acesso ao crédito e do aumento da renda média da população.
"A maior demanda provocou aumento no preço dos materiais e falta de mão de obra", diz Miguel de Oliveira, presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).
O problema é que os corretores não costumam projetar os reajustes ou alertar os compradores sobre a correção do valor na hora da compra do imóvel na planta, conta Marcelo Tapai, advogado especialista em mercado imobiliário e presidente do Comitê de Habitação da OAB/SP.
“Na maioria dos casos falta informação inicial. Os corretores dizem que o financiamento com a construtora não tem juros, apenas uma correção por mês. Mas não indicam que o reajuste é aplicado sobre o valor total da dívida”, diz Tapai.
A correção mensal do valor do imóvel pode ser maior do que o valor das parcelas pagas pelo comprador à construtora. “O importante é que as parcelas caibam no bolso na hora da compra. Depois, o comprador tem de se virar para conseguir pagar a dívida”, afirma o advogado.
Mesmo que o comprador do imóvel tenha verificado o porcentual médio do INCC nos anos anteriores à compra, ele pode não ter conseguido prever que a inflação iria subir tanto.
Portanto, ainda que o comprador tenha criado uma reserva financeira para compensar a correção ou incluído a correção monetária no valor que será necessário financiar no banco, a precaução pode não ser suficiente.
Como o comportamento passado do índice pode não se repetir no futuro, o monitoramento dos reajustes deve ser realizado todo mês. “Dessa forma, o comprador pode se preparar melhor para reajustes altos”, diz Marcelo Prata, diretor do Canal do Crédito.
Bancos podem negar o financiamento
O cenário econômico não ajuda quem comprou imóvel na planta e não se programou para o aumento da inflação.
Ainda que as taxas de juros praticadas pelos bancos no crédito imobiliário tenham se acomodado nos últimos meses, algumas instituições financeiras podem ter subido taxas por conta do aumento do risco da inadimplência. “Uma alta de 0,5 ponto porcentual faz uma grande diferença no valor que será pago pelo comprador”, diz Oliveira, da Anefac.
Além disso, os bancos estão mais seletivos na hora de conceder crédito, uma vez que, com o desaquecimento da economia aumenta o risco de desemprego e de inadimplência.
A instituição financeira pode, portanto, se recusar a financiar o imóvel pronto caso verifique que a correção do valor durante a obra comprometeu a capacidade de pagamento do comprador.
Ainda que o imóvel possa se valorizar durante a obra, o que amplia a garantia do banco que concede o financiamento, a capacidade de pagamento das prestações é um fator essencial, diz Miguel de Oliveira, presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (ANEFAC).
Segundo Oliveira, nesse caso o banco pode alongar o prazo do financiamento, o que pode diminuir o valor das parcelas e fazer com que o financiamento caiba na renda mensal do comprador. "Mas essa flexibilidade depende da idade do comprador e relacionamento dele com o banco”, afirma.
Se o comprador não se programou para o reajuste da dívida no final da obra, e ainda está endividado, a chance de não ter o financiamento aprovado pelo banco é maior, já que ele somente pode comprometer até 30% da sua renda com as prestações mensais.
Após a valorização registrada nos últimos anos no país, os preços dos imóveis passaram a se acomodar em algumas regiões. Algumas cidades apresentaram inclusive queda real de preços, ou seja, a variação do valor do imóvel ficou abaixo da alta da inflação no período.
A combinação entre a acomodação dos preços no mercado imobiliário e alta do INCC tem sido explosiva para quem compra do imóvel na planta: enquanto o reajuste na dívida do comprador está em alta, o preço que ele pode conseguir no imóvel está em baixa.
“No final da construção, o comprador pode ter uma dívida com a construtora maior do que o preço do imóvel pronto à venda. O prejuízo pode ser maior”, diz Oliveira, da Anefac.
Direitos
Quem tem o financiamento negado pelo banco na entrega das chaves e não tem dinheiro suficiente para quitar o imóvel pode desistir da compra, tentar vender o imóvel ou buscar financiar a unidade com a própria construtora.
Geralmente as construtoras dão o prazo de um a dois meses para que o comprador consiga o financiamento no banco após a conclusão da obra.
Caso o comprador não consiga obter o crédito nesse período, a construtora pode passar a cobrar multas de 1% ao mês e correção de preço pelo Índice Geral de Preços ao Mercado (IGP-M).
Tapai diz que essas taxas devem ser cobradas apenas quando a construtora conseguir obter a matrícula do imóvel. “Algumas empresas cobram as taxas a partir do momento em que conseguem o Habite-se, mas ele é apenas um documento burocrático. A obra pode se estender por meses, e o comprador só consegue financiamento no banco a partir do momento em que recebe a matrícula do imóvel”.
Caso opte pelo cancelamento da compra, o comprador pode receber de 85% a 90% do valor já pago à construtora durante a obra. “Nesse caso, ele fica com o prejuízo dos custos administrativos e não será beneficiado por uma eventual valorização do imóvel durante a obra”, diz o advogado.
Algumas construtoras podem realizar acordos e financiar o imóvel. Porém, o prazo do financiamento será menor do que o oferecido pelos bancos, diz Oliveira, da Anefac. “As empresas geralmente financiam o imóvel por até seis anos. As prestações ficam caras e muitos compradores não conseguem pagar”.
O diretor do Canal do Crédito afirma que algumas construtoras de menor porte permitem que o comprador faça o parcelamento da dívida diretamente com elas, mas por um período mais curto. "Nesse caso, o comprador não recebe as chaves até pagar a dívida ou conseguir o financiamento no banco”, diz.
Fonte: EXAME.com
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