São Paulo – A capital paulista já dá indícios de viver bolha imobiliária, situação semelhante à que começou a acontecer nos Estados Unidos em 2006 – embora os efeitos devastadores sobre a economia de boa parte do mundo tenham sido sentidos mais duramente dois anos depois. O alerta é de João da Rocha Lima Júnior, professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e consultor de investimentos imobiliários.
“Os preços de empreendimentos de renda média e de escritórios estão fora do eixo em São Paulo”, alertou, em entrevista à Rede Brasil Atual. O xis da questão é o valor excessivamente elevado desses imóveis, com altas para além do aumento da renda da população em alguns segmentos e bairros. O especialista participou da 11ª Conferência Internacional da Latin American Real Estate Society, nesta sexta-feira (16), na capital paulista.
Segundo ele, o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) tem mostrado crescimento muito grande, bem acima do apurado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), um dos indicadores de inflação medidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para mensurar a “gordura” – ou o quanto a especulação influi – na ação de empreendedores, Lima Junior lança mão do conceito de preço "justo" ou "adequado". Para esse cálculo, são incluídos custos, riscos do negócio e margens de lucro. Com base no critério, ele apresentou cálculo para um empreendimento hipotético na Vila Mariana, zona sul da capital paulista, um dos bairros que mais vê crescer arranha-céus.
A planilha de preço final do empreendimento simulado fica 17% menor do que o indicador de preços de imóveis da Fundação Instituto de Pesquisas econômicas (Fipe), desenvolvido para o portal de imóveis Zap para o mesmo local. Essa parcela é o indicativo da tal bolha.
Adrenalina
De acordo com Lima Júnior há "excesso de adrenalina" e até irracionalidade no mercado brasileiro. “O mercado de real estate (denominação internacional para mercado imobiliário) não deveria funcionar com adrenalina, deveria funcionar com Lexotan (medicamento contra ansiedade)”, brinca. Na prática, essa adrenalina toda pode levar a uma leitura errada do mercado e muitas vezes é motivada pelos empreendedores, que querem vender mais imóveis a preços maiores. "Imaginar que a alta do mercado e dos preços durará para sempre é ingênuo", analisa o especialista. No entanto, afirma, o estouro de uma eventual bolha imobiliária é sempre difícil de prever.
Como exemplo, o consultor descreve uma situação comum vivida por quem visita estandes de lançamentos ou feiras imobiliárias. Os corretores usam campainhas para marcar contratos de venda assinados ou avisam a operação aos gritos. “A cada venda, tocam o sino. Você está sentado, tentando negociar, e alguém grita: 'Fechou o 39, tira da tabela'. E lhe vem à mente: 'Vou perder o imóvel, fecha o negócio logo'. É um indutor porque deixa a pessoa sob pressão”, descreve.
Diferente mas nem tanto
O Brasil tem estrutura de financiamento imobiliário bastante diferente da norte-americana, mas nem por isso está livre de sofrer com valorização artificial de imóveis. Em solo brasileiro, o capital investido para se ter um imóvel é muito maior e o financiamento, classificado como “responsável”, é de, no máximo, 70% ou 80% do valor do bem. Em comparação aos Estados Unidos, o capital investido é maior, já que há mais crédito disponível para construções do gênero. No Brasil, embora os empréstimos sejam crescentes, há empreendimentos realizados sem recorrer a bancos, mas só com recursos da empreiteira.
Assim, uma bolha verde-amarela não seria de crédito, e sim de preço. “Crédito imobiliário irresponsável é um dos indutores de bolha. É preciso lidar com esse dado com cuidado.” O fato de os brasileiros terem crédito imobiliário responsável ajuda, mas não resolve tudo. "Pelo menos não será um fator de desarticulação do mercado." Mas isso não quer dizer que o mercado não está desarticulado por outros motivos, como a disparidade entre crescimento da renda e do valor dos imóveis.
Ética e informação
Também não faltaram críticas à ética e desinformação fabricada por empreendedores imobiliários. “É preciso ter ética nos negócios imobiliários. Não há necessidade de o empreendedor, para ganhar mais, desinformar o mercado. Ele pode até ganhar mais se o mercado aceitar o preço que ele está propondo, mas não por um viés de desinformação”, dispara o pesquisador brasileiro. “A tendência do empreendedor é desinformar”, completa.
João Manuel Carvalho, professor e pesquisador da Universidade Técnica de Lisboa, vê a falta de boa informação no mercado imobiliário e restrições à produção de informação independente como uma das raízes de bolhas imobiliárias.
Freio
A bolha imobiliária é criada pelo mercado que aceita altos preços, mas ele também tem condição de freá-la, diz Lima Júnior. “A questão é oferta e procura. Enquanto houver gente pagando o preço que está sendo proposto, vai ter transação acontecendo”.
Apesar da dificuldade de diagnosticar o fenômeno enquanto ele está ocorrendo, é preciso frear certos “booms” imobiliários, aponta o estudioso de Portugal. “Parece ser esta a altura de atuar, mas a experiência mostra inércia”, critica.
Outra forma de frear, mas bastante drástica e temerosa para a economia, é a incapacidade dos compradores de pagar, lembra o professor da USP. Nesse caso, porém, é sinal de que a bolha já estourou.
Fonte: Suzana Vier, Rede Brasil Atual
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