Situação que pode gerar dúvidas, sobretudo a locatários, é sobre a locação de imóveis em shopping center. Este breve artigo pretende demonstrar como funcionam as locações comerciais nos shopping centers. De forma que as questões serão tratadas a seguir, em tópicos.
1 – Natureza das locações em Shopping Center
Inicialmente, para o entendimento da matéria é importante dizer que a relação locatícia estabelecida entre o empreendedor e o locatário é uma relação que resulta em um contrato atípico, permitido pela lei, veja-se o teor do art. 425 do Código Civil:
“É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.”
O que significa dizer que se trata de um contrato que não é regulamentado especificamente pela lei, mas que não é por ela proibido, quando não contraria-la.
Aliás, o Superior Tribunal de Justiça também possui o entendimento que os contratos de locação em shopping center são atípicos (REsp nº 178908).
Neste sentido, é importante observar o teor do art. 54 da Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91), segundo a qual:
“Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center , prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei”.
Desta forma, prevalecerão as condições livremente pactuadas entre lojistas e shopping center. As cláusulas contratuais são respeitadas com base no chamado princípio do “pacta sunt servanda“, segundo o qual deve-se cumprir exatamente o que foi estipulado em contrato.
Diante disso, é preciso entender exatamente o que pode e o que não pode ser tratado nessa espécie de contrato. O que será demonstrado a seguir.
2 – O que pode e o que não pode prever o contrato
Ultrapassada a análise da natureza do contrato de locação em shopping center e claro, sem pretender esgotar o assunto, é preciso salientar o que pode ou não estar previsto nesses contratos.
a) A cobrança de décimo terceiro aluguel ou aluguel dúplice
Como se sabe, nestes contratos os shopping center costumam cobrar um décimo terceiro mês a título de aluguel. Ou seja, normalmente existem cláusulas que dobram o valor do aluguel em dezembro de cada mês. Acerca da legalidade destas cláusulas, verifica-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO DE ESPAÇO EM SHOPPING CENTER. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 54 DA LEI DE LOCAÇÕES. COBRANÇA EM DOBRO DO ALUGUEL NO MÊS DE DEZEMBRO. CONCREÇÃO DO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PRIVADA. NECESSIDADE DE RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA OBRIGATORIEDADE (“PACTA SUNT SERVANDA”) E DA RELATIVIDADE DOS CONTRATOS (“INTER ALIOS ACTA”). MANUTENÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS LIVREMENTE PACTUADAS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (…) 3. Concreção do princípio da autonomia privada no plano do Direito Empresarial, com maior força do que em outros setores do Direito Privado, em face da necessidade de prevalência dos princípios da livre iniciativa, da livre concorrência e da função social da empresa. 4. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(STJ – REsp: 1409849 PR 2013/0342057-0, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 26/04/2016, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/05/2016)
Neste sentido, tendo sido a cláusula de cobrança do aluguel dúplice livremente pactuada, deve-se respeita-la. Assim, ao contrário das locações comuns previstas pela lei do inquilinato, nas locações de shopping center os empreendedores passam a gozar de vantagens como esta.
b) a cobrança de “luvas”
A Lei do Inquilinato (lei 8.245/91) prevê a possibilidade da cobrança das “luvas” na assinatura do contrato de locação, desde que seja dado ao locatário o direito à renovatória, conforme seu art. 45, veja-se:
“São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente lei, notadamente as que proíbam a prorrogação prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto”.
E a jurisprudência também possui o entendimento de que é possível a cobrança das chamadas “luvas”, de forma que,
“a Lei nº 8.245/91, em seu art. 45, veda, expressamente, a cobrança de “luvas” obrigações pecuniárias – quando da renovação do contrato. Contudo, silencia, ao contrário da legislação anterior (Dec. 24.150/34), no que se refere ao contrato inicial. Não há, pois, qualquer proibição, sequer implícita, quanto à sua cobrança. Não afasta esse entendimento o disposto no art. 43 da Lei nº 8.245/91, pois o dispositivo veda a cobrança de valores além dos encargos permitidos e não a expressamente elencados. Assim, apesar de não se fazer referência às “luvas” iniciais para permiti-las, tampouco se faz para proibi-las, o que, em termos obrigacionais, tendo em conta a liberdade contratual, faz concluir pela possibilidade da cobrança de valor sob esse título. Recurso provido. (REsp 406.934/RJ, Relator o Ministro Félix Fischer, QUINTA TURMA, DJ 22/04/2002, p. 253)
Ocorre que deve ser observado o prazo de 5 anos para a cobrança de “luvas”. Isto porque antes deste prazo não existe o direito a ação renovatória, razão pela qual não poderia haver a incidência das “luvas” em locação inferior a este prazo.
c) a cobrança de aluguel com base nas vendas do locatário
Nos contratos de imóveis em shopping center, normalmente o aluguel é determinado da seguinte forma: aluguel mínimo e aluguel em percentual sobre as vendas. Quanto ao aluguel mínimo, é aquele que normalmente se pratica no mercado imobiliário. Quanto ao aluguel por percentual sobre o faturamento, também chamado de “aluguel de desempenho” ou “aluguel percentual”, é aplicado sobre o faturamento bruto da loja, sendo devido quando exceder o aluguel mínimo e naquilo que o ultrapassar.
Quanto a esta forma de cobrança, se estiver prevista em contrato e se não houver ilegalidade, não há que se falar em proibição de sua cobrança, veja-se:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RENOVATÓRIA DE LOCAÇÃO EM SHOPPING CENTER. (..) 3 – Existindo expressa previsão contratual e não sobressaindo ilegalidade dos termos pactuados em avença de locação de unidade comercial no tocante à fórmula de cálculo do valor do aluguel mínimo nos casos de renovação do contrato, deve ser prestigiado o princípio da obrigatoriedade do contrato, pacta sunt servanda, não subsistindo a pretensão de declaração de nulidade das cláusulas impugnadas. (…) (TJ-DF – APC: 20100111362058 DF 0045336-09.2010.8.07.0001, Relator: ANGELO CANDUCCI PASSARELI, Data de Julgamento: 15/10/2014, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 20/10/2014 . Pág.: 223)
Portanto, é preciso que as cláusulas estejam previstas no contrato para sua validade.
Diante das colocações acima, surge a pergunta: A liberdade do empreendedor é irrestrita? Ou seja, pode ele estabelecer quaisquer cláusulas?
Esta liberdade que possui o empreendedor com base no chamado “pacta sunt servanda” encontra limitação no chamado princípio da “função social” do contrato. Este princípio, previsto no Código Civil de 2002, passou a elevar o interesse coletivo sobre o interesse individual.
Assim, a liberdade que o empreendedor possui nestas espécies de contrato podem ser restringidas quando houver, nestes contratos, cláusulas que coloquem uma das partes em desvantagem desproporcional e exagerada. Ou, ainda, quando houver qualquer cláusula que desequilibre o contrato.
Desta forma, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já se posicionou sobre a possibilidade de o Poder Judiciário reconhecer a abusividade de cláusulas previstas nestas espécies de contrato:
DIREITO CIVIL. SHOPPING CENTER. INSTALAÇÃO DE LOJA. PROPAGANDA DO EMPREENDIMENTO QUE INDICAVA A PRESENÇA DE TRÊS LOJAS-ÂNCORAS.DESCUMPRIMENTO DESSE COMPROMISSO. PEDIDO DE RESCISÃO DO CONTRATO. 1. Conquanto a relação entre lojistas e administradores de Shopping Center não seja regulada pelo CDC, é possível ao Poder Judiciário reconhecer a abusividade em cláusula inserida no contrato de adesão que regula a locação de espaço no estabelecimento, especialmente na hipótese de cláusula que isente a administradora de responsabilidade pela indenização de danos causados ao lojista.
(STJ – REsp: 1259210 RJ 2011/0061964-0, Relator: Ministro MASSAMI UYEDA, Data de Julgamento: 26/06/2012, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/08/2012)
Portanto, não obstante a liberdade do empreendedor estipular cláusulas que o beneficiem, é preciso ter cautela, de forma a não prejudicar o locatário. A não colocá-lo em desvantagem desproporcional.
Na dúvida, é importante a consulta de um advogado especialista em direito imobiliário. Profissional este que será capaz de analisar a legalidade do contrato e emitir um parecer sobre a negociação.
Fellipe Duarte - Especialista em Direito Imobiliário.
Fonte: Blog do Autor
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