O contrato preliminar deve conter todos os requisitos essenciais do contrato definitivo, sendo dispensada apenas a forma exigida por lei para sua celebração. Sendo assim, desde o ajuste preliminar está determinado o conteúdo essencial do contrato definitivo.
Apesar do contrato preliminar e do contrato definitivo serem figuras distintas, há autores que questionam a autonomia do contrato preliminar em relação ao definitivo, já que por si vem a encerrar todos os elementos constitutivos do contrato futuro que se pretende celebrar. Dizem esses autores que, nesse caso, bastaria a sua existência para que o contrato definitivo fosse considerado celebrado, evitando, com isso, o circuitus inutilis. Ainda, dizem que esse questionamento é inevitável, considerando que, substancialmente, o contrato preliminar e o definitivo encerram um mesmo acordo de vontades.
Com efeito, como bem apontou Orlando Gomes, há duas correntes que tratam da autonomia do contrato preliminar em relação ao contrato definitivo. A primeira corrente, com influência do direito francês, nega autonomia ao contrato preliminar argumentando que uma vez tendo as partes consentido no preço e na coisa, obrigando-se a certo dia, neste dia estarão obrigados. Fazer se obrigarem novamente é mera inutilidade, valendo então a promessa de venda como se venda fosse (2008, p. 159).
Por outro lado, há uma segunda corrente, predominante, que reconhece a independência do contrato preliminar em relação ao contrato definitivo por entender que os mesmos produzem efeitos distintos. No caso da compra e venda, por exemplo, o contrato preliminar objetiva a realização do contrato definitivo, mediante a promessa de contratar. Já o próprio contrato definitivo, que é a escritura de compra e venda, tem por obrigação típica a transmissão da propriedade e o pagamento do preço.
Valter Farid Antonio Junior conclui que nos dias atuais não se questiona mais sobre a autonomia do contrato preliminar, exceção feita ao direito francês, considerando que seria incoerente admitir que as partes, “sem razão alguma, optassem por duas modalidades contratuais sucessivas para atingir um mesmo objetivo”. O autor preceitua que se as partes “decidem pela celebração de dois contratos, é porque têm razões suficientes para exercer essa opção” (2009, p. 11).
E isso ocorre porque corriqueiramente “há várias situações que indicam não ser oportuna a imediata concretização do negócio jurídico, pela necessidade das partes amadurecerem a idéia da contratação definitiva”. Há casos, ainda, que nem mesmo é possível juridicamente realizar a contratação definitiva, a exemplo da escritura de compra e venda no caso da aquisição de bens de herdeiros na constância de inventário (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 641).
Maria Helena Diniz adota posicionamento semelhante ao afirmar que o contrato preliminar é autônomo em relação ao definitivo e que, especificamente na compra e venda de imóveis, é comum que as partes deixem a transmissão do domínio para um momento posterior visando conceder um certo tempo para, por exemplo, quitação do preço ou apresentação de documentos e guia de impostos necessários à transmissão (2006, p. 332).
Dessa forma, nos filiamos à corrente predominante em nosso ordenamento jurídico, pela qual o contrato preliminar é autônomo, e não se confunde com o contrato definitivo. Se as partes deixaram a celebração do contrato definitivo para um segundo momento, como é comum principalmente nos contratos imobiliários, certamente há razões de conveniência ou impossibilidade para tanto. Ainda, as causas de ambos diferem. O contrato preliminar tem como causa precípua a realização de outro contrato, dito definitivo, que apesar de não ter sido celebrado naquele determinado momento, já se encontra delineado. Por outro lado, a causa do contrato definitivo varia conforme a sua própria função econômico-social, que na compra e venda, por exemplo, é a circulação de bens.
E qual a distinção entre o contrato preliminar e o definitivo? Destacaremos a seguir as suas principais diferenças no tocante ao objeto, efeitos e função.
Pois bem, o objeto do contrato preliminar é a obrigação de contratar, enquanto no contrato definitivo são as prestações próprias do contrato principal. Especificamente no caso da compra e venda de imóveis, por exemplo, a obrigação do contrato preliminar é de fazer e a do contrato definitivo é a de dar a coisa que lhe serve de objeto.
Os efeitos produzidos pelos contratos também diferem. Como bem observou Valter Farid Antonio Junior, “no direito brasileiro o contrato preliminar é inapto a gerar os efeitos jurídicos típicos do contrato definitivo almejado, ainda que concentre grande parte ou todo o conteúdo do negócio projetado” (2009, p. 12).
Fácil visualizar tal afirmativa quando se trata de compromisso de compra e venda de imóvel, típico contrato preliminar. A transferência da propriedade somente ocorrerá após o pagamento integral do preço e mediante a outorga da escritura pública definitiva levada a registro, conforme preceitua os artigos 108 e 1.245 do Código Civil.
Por fim, a função dos contratos também difere, tendo o contrato preliminar uma finalidade preparatória, de garantia e também de tornar obrigatória a celebração do contrato definitivo.
Sendo assim, a não-celebração imediata do contrato definitivo tem como função, dentre outras, a segurança das partes, “que aguardarão a normal execução do contrato preliminar para que só depois da sua extinção pelo adimplemento venham a cumprir suas obrigações e exigir seus direitos correspondentes” (ANTONIO JUNIOR, 2007, p. 12).
No caso do compromisso de compra e venda, o vendedor, por segurança, guarda para si a propriedade do bem, realizando a transmissão do domínio apenas quanto quitado integralmente o preço, ainda que desde a contratação preliminar tenha transferido ao promissário comprador o direito de usar e gozar do bem, bem como parte do direito de dispor. Caso o negócio venha a ser desfeito, o promitente vendedor recupera a plenitude dos poderes do domínio, voltando as partes ao status quo ante.
Conforme restou demonstrado, o contrato preliminar difere, portanto, do contrato definitivo, tanto em razão da sua causa, como do seu objeto, efeitos e função.
REFERÊNCIAS
ANTONIO JUNIOR, Valter Farid. Compromisso de Compra e Venda. São Paulo: Atlas, 2009.
DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1.
FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010.
GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008
Ana Luiza Gurgel - Advogada
Fonte: Artigos JusBrasil
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