sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Posso despejar o inquilino sem entrar na justiça?

O movimento da desjudicialização tem, ao longo do tempo, retirado do poder judiciário a exclusividade na solução das questões. Pode-se citar como exemplo a possibilidade de realização de divórcio e inventário através de escritura pública (Lei nº 11.441/97) ou, ainda, o procedimento extrajudicial de retomada do imóvel em garantia (Lei nº 9.514/97), sobre o qual já escrevi neste artigo.

Apesar de termos, no país, uma forte cultura de judicialização, o movimento da desjudicialização é, realmente, um caminho sem volta. A cada dia que passa, são publicadas novas legislações, que conferem a outras “classes” poderes de resolução de conflitos que não o judiciário.

Neste sentido, uma pergunta que se faz é: seria possível o locador despejar o locatário sem entrar na justiça? Seria isso viável? Por enquanto não, mas caso o Projeto de Lei nº 3.999/2020, de autoria do Deputado Federal Hugo Leal, se torne efetivamente lei, essa será uma feliz realidade. Assim, o presente artigo pretende demonstrar, didaticamente, como se dará o “despejo extrajudicial” com a conversão do projeto em lei.

I – Quando é possível se utilizar do despejo extrajudicial?

É importante verificar que o despejo extrajudicial só poderá ser utilizado no caso de o locatário deixar de pagar o aluguel e seus acessórios (condomínio, iptu, etc).

II – O que o locador deve fazer para despejar o locatário sem entrar na justiça?

O locador que estiver sem receber o aluguel deverá requerer ao tabelião de notas da comarca onde está localizado o imóvel a elaboração de uma ata notarial (saiba mais sobre ata notarial aqui), em que deverá constar o seguinte procedimento:

III – Quais os documentos necessário para o despejo extrajudicial?

Deverão ser apresentados:

- documento de identificação e comprovante de domicílio do locador;
- prova do contrato de locação;
- prova de tentativa de negociação por parte do locador, ou seu preposto, esclarecendo ao locatário o uso do despejo extrajudicial em caso de insucesso;
- planilha para fins de purga da mora;
- indicação de conta para depósito dos aluguéis e encargos, para fins de purga da mora.

IV – A notificação do locatário pelo locador

Em até 30 dias da lavratura da ata notarial pelo tabelionato de notas, o locador deverá notificar o locatário, para que o locatário pague o que deve em até 30 dias corridos ou para desocupar voluntariamente o imóvel, no mesmo prazo.

A notificação será realizada através do Cartório de Títulos e Documentos (que, atualmente, já é possível ser realizada on-line, em www.rtdbrasil.org.br).

É importante salientar que esta notificação deverá ser assinada também por advogado (art. 66-C, §1º), sob pena de nulidade.

Devem constar, na notificação, informações relativas a ata notarial lavrada pelo tabelião de notas.

Além disso, após realizada a notificação pela serventia competente, o locador deverá apresentar o comprovante de notificação do locatário. Exceto se este já tiver pago (purgado a mora).

V – E se o imóvel estiver ocupado por pessoas diversas do locatário?

Se o imóvel estiver ocupado por pessoas outras, que não o locatário ou seus familiares, essa informação constará da notificação sempre que possível. E os ocupantes serão tidos como efetivamente notificados.

VI – O que deve constar na notificação?

O projeto de lei traz algumas informações que deve, necessariamente, constar na notificação, sob pena de nulidade:
Os valores discriminados de aluguel, multas ou penalidades contratuais, juros de mora, custas e honorários de advogado do locador;
a indicação de banco, agência e conta para depósito dos aluguéis e encargos vinhedos, a partir da data do protocolo no Ofício de Notas;
a indicação de que a notificação se faz com fundamento no art. 66-A e seguintes da Lei nº 8.245/91.

VII – O que o locatário pode fazer ao receber a notificação?

Recebida a notificação pelo Registro de Títulos e Documentos, o locatário pode:
desocupar o imóvel, com a entrega das chaves ao tabelião de notas; ou
pagar o que deve (purgar a mora), com o depósito na conta indicada pelo locador.

Lembrando que, se o locatário entender que houve irregularidade no procedimento, ele poderá provocar o juiz competente. Aqui, leia-se, entrar na justiça para que o juiz aprecie irregularidade no procedimento ou erro na planilha apresentada pelo locador.

Por isso é muito importante que todo o procedimento seja devidamente analisado por um profissional experiente, sob pena de a desjudicialização cair por terra e a questão ter de ser, posteriormente, submetida ao judiciário.

VIII – E se o locatário não pagar?

Imagine-se que o locatário, após o recebimento da notificação e o prazo para pagamento (ou desocupação) não paga e continua no imóvel.

Neste caso, o tabelião de notas encerrará o procedimento, descrevendo minuciosamente os acontecimentos, ficando desde logo rescindida a locação e decretado o despejo compulsório.

O tabelião de notas enviará, assim, um ofício ao Tribunal de Justiça, informando todo o procedimento, anexando a ata notarial elaborada ao Ofício, para que seja distribuída ao juiz competente.

IX – A responsabilidade do tabelião no procedimento

Questão que não pode ser esquecida é a responsabilidade do Tabelião de Notas no procedimento do despejo extrajudicial. Segundo o projeto de lei, o envio do ofício ao juízo competente se dará em até 30 (trinta) dias corridos, sob pena de responsabilidade. Inicia-se a contagem da data de encerramento da ata notarial.

X – O direito de o locatário devolver o imóvel pagando multa

Assim como pode o locador despejar extrajudicialmente, pode também, segundo o projeto de lei, o locatário entregar as chaves perante o Tabelião de Notas.

Assim, o locatário que pretender entregar as chaves deverá, da mesma forma que o despejo, pedir a lavratura de ata notarial para este fim.

Lembrando a necessidade, também neste caso, da presença do advogado (art. 67-A, §1º).

XI – Já posso despejar ou entregar as chaves sem entrar na justiça?

O Projeto de Lei foi apresentado no dia 30/07/2020. Portanto, existe ainda todo um procedimento legislativo até sua aprovação. Isso se realmente for aprovado.

A nosso sentir, trata-se de uma evolução fomentada pelo movimento da desjudicialização, que vem ganhando espaço no ordenamento jurídico brasileiro.

Em que pese maiores discussões técnicas acerca do procedimento (como se sabe, toda lei nova é passível de diversos questionamentos e análises por juristas), é louvável a iniciativa.

Espera-se que um dia possamos, realmente, utilizar os cartórios para mais esse serviço.

Fellipe Duarte Advocacia e Consultoria Jurídica
Fonte: Blog do Autor

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