As prefeituras brasileiras vivem um enorme dilema que já foi superado no próprio Código Tributário Nacional, a inserção, no cadastro imobiliário, que são os contribuintes do IPTU, do nome do possuidor do imóvel, na condição de responsável tributário pelos débitos deste imposto.
No passado era muito comum as prefeituras não adotarem este procedimento, sob o temor de que o "carnê" do imposto fosse utilizado como prova em ações de usucapião ou como instrumento para o pagador se apossar do imóvel. Nossa prática assessorando municípios permite afirmar que esse temor ainda existe. Servidores da área de cadastro evitam a inserção de nomes de possuidor como responsável tributário do imóvel em que residem.
E isso gera um enorme prejuízo para as municipalidades. Haja vista que o processo sucessório brasileiro é complexo e de longo prazo. Há ações de inventário correndo há dezenas de anos na Justiça. E enquanto isso, o imóvel permanece registrado, junto ao fisco municipal, "em nome" do contribuinte falecido. A administração raramente consegue obter informações sobre o seu falecimento e não estabelece qualquer controle sobre tal.
O que de fato realmente acontece:
1) Processos de execução ficam parados, segundo o CNJ chegam a 12 anos até um fim, nem sempre favorável à administração.
2) A cobrança amigável não acontece, pois sequer sabemos quem é o devedor, gerando impossibilidade para a realização do protesto.
3) Há até dificuldade para a promoção da execução, vez que os sistemas eletrônicos dos tribunais não admitem ações de execução sem a inserção do CPF do devedor.
4) Resultado: a administração deixa de arrecadar e os investimentos no orçamento não são possíveis.
Fundamentação legal para a inserção do nome do possuidor como responsável tributário
A fundamentação legal está no próprio Código Tributário Nacional:
Vide o texto do artigo 34, da Lei nº 5.172/1966:
"Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título".
A lei ainda é ampla, ao definir como "possuidor a qualquer título", ou seja, aquele que reside no imóvel e é herdeiro, o que simplesmente invadiu o imóvel e se apropriou do mesmo, o inquilino, aquele que vive num imóvel "cedido" pelo proprietário. Ou seja, o possuidor.
A lei de execuções fiscais, que regula a cobrança da dívida ativa tributária, Lei nº 6830/1980, em seu artigo 4º, define quem são os personagens que podem figurar no polo passivo das ações:
"Art. 4º - A execução fiscal poderá ser promovida contra:
I - o devedor;
II - o fiador;
III - o espólio;
IV - a massa;
V - o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado; e
VI - os sucessores a qualquer título".
A Lei de Execuções Fiscais (LEF) referenda a norma do Código Tributário, permitindo que a execução seja promovida contra o responsável tributário.
Note-se que a posse é configurada pelo domínio do imóvel (animus domini), o indivíduo usa o imóvel para sua residência, para receber suas contas, a energia elétrica está em seu nome, o serviço de fornecimento de água está em seu nome, além do endereço constar em cadastros da Receita Federal e bancos de dados públicos e privados.
O domínio útil se configura como uma "quase propriedade", segundo a doutrina.
A atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é no sentido que o imóvel invadido, fato reconhecido e de conhecimento da administração, isenta o proprietário (aquele que consta no cartório) da cobrança do imposto. Note o que diz essa jurisprudência STJ, constante do Recurso Especial nº 1551.595-SP, cuja íntegra se encontra aqui.
"1. É inexigível a cobrança de tributos de proprietário que não detém a posse do imóvel, devendo o município, no caso, lançar o débito tributário em nome dos ocupantes da área invadida".
E nesse sentido encontramos diversas decisões, escoradas no STJ, no mesmíssimo sentido, refutando qualquer alegação contra a inserção do nome do possuidor no cadastro municipal na condição de responsável tributário.
E o que abre esse entendimento de possibilidades?
1) O Município pode atualizar o seu cadastro utilizando-se de informes advindos de outros cadastros, como cadastro da empresa fornecedora de água e esgoto, energia elétrica, Receita Federal, cadastros do Simples, cadastro do próprio município como serviços de assistência social, saúde, educação e até mesmo o cadastro mobiliário (ISS).
2) Há no mercado sistemas de informática ("data lake"), que fornecem esses serviços e eles auxiliam as municipalidades na atualização desses cadastros imobiliários, gerando economia, já que os recadastramentos são de alto valor e demorados. Se somados a serviços de geoprocessamento, também de custos inferiores ao recadastramento tradicional, podem trazer excelentes resultados em termos de melhoria da arrecadação.
José Souto Tostes - Advogado
Fonte: Artigos Jus Navigandi
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