Aqueles que acompanham o mercado imobiliário vêm observando o movimento do projeto de lei 68/18 da Câmara dos Deputados e iniciativa do dep. federal Celso Russomano que, de certo, implicará grandes controvérsias e debates não só acadêmicos, mas no âmbito do judiciário e da mídia. De um lado as incorporadoras lutam para manter a saúde de seus negócios enquanto que de outro os consumidores temem a supressão de seus direitos. Mas será que a discussão se exaure apenas nesses dois polos? Parece que não.
Primeiramente importa destacar algumas das principais alterações propostas pelo PLC 68/18:
1) No caso de inadimplemento do vendedor:
- O atraso de até 180 dias para a entrega do imóvel vendido na planta não gerará ônus para a construtora.
- Se o atraso na entrega das chaves for maior que 180 dias, o comprador poderá desfazer o negócio e terá direito a receber tudo o que pagou de volta, além da multa prevista em contrato, em até 60 dias.
- O comprador pode optar por manter o contrato no caso de atraso com direito a indenização de 1% do valor já pago.
- Veda a cumulação de multa moratória com a compensatória em favor do comprador.
2) No caso de inadimplemento do comprador:
- Pune o inadimplente com multa compensatória de 25% do valor pago ou, se houver patrimônio de afetação, com multa de até 50%.
- O comprador perderá integralmente os valores pagos a título de comissão de corretagem.
- O comprador inadimplente terá de arcar com despesas de fruição do imóvel, se já tiver sido disponibilizado.
- Em caso de arrependimento, o comprador terá prazo de 7 dias a partir da assinatura do contrato.
- A rescisão do contrato permitirá que o comprador só reaverá o valor pago, decrescido dos encargos decorrentes da inadimplência, após 180 dias do distrato ou, se houver patrimônio de afetação, após 30 dias da obtenção do “habite-se” da construção.
Disposições como a tolerância no caso de atraso de até 180 dias para a entrega do imóvel e a obrigatoriedade do pagamento integral da corretagem já foram objeto de Incidente de Resoluções de Demandas Repetitivas do Tribunal de Justiça de São Paulo1, bem como do STJ a partir do REsp 1.559.511/SP2, submetido ao regime de recurso repetitivo.
No entanto outros dispositivos inauguram situações claramente desfavoráveis aos adquirentes, tomamos como exemplo pontual a multa compensatória de 50% em caso de inadimplemento do consumidor. Sem embargo da necessária fixação de valor a ser retido pela incorporadora, o montante proposto claramente é abusivo, bem como tal percentual carece de justificativa.
Simples intuir que, decisões judiciais acerca de eventual multa compensatória de 50% do valor pago presente em contratos de quaisquer natureza, seriam em sua maioria no sentido d a sua abusividade, nos termos dos artigos 413 do CC, 6 e 51 do CDC, portanto, em breve análise do PLC 68/18, resta evidente a contramão do legislador na defesa dos interesses da coletividade.
Nos parece sequer ser de competência do legislativo a função de determinar ou especificar valores referentes às perdas e danos, sobretudo se ausente possibilidade de realizar qualquer prévia apuração. É recorrente o cenário no qual as incorporadoras ao serem demandadas não conseguem comprovar seus custos para justificar o pretenso montante a ser retido, o que é compreensível, pois há sim grande dificuldade em precisar a individualização dos gastos de cada unidade, sejam de natureza operacional, markenting, etc.
Nesse sentido, é possível que o PLC 68/2018 se justificasse a partir da segurança jurídica e da unificação das decisões em casos análogos, mas a que preço? Seriam somente esses os fundamentos ou teriam embutidas eventuais despesas tributárias não contabilizadas? Dessa forma todo o impacto financeiro se refletiria no bolso daquele adquirente que, por qualquer motivo, optou pela resilição unilateral do contrato.
Nessa esteira, façamos um paralelo com uma das últimas soluções de divergência da Receita Federal, a de número 2009, acerca do regime especial de tributação (RET) instituído quando a incorporação faz a opção pelo regime de patrimônio de afetação, previsto na lei 10.931/04.
A solução de consulta DISIT/SRRF02 2009, de 13 de agosto de 2018, estabeleceu que: “Não se sujeitam ao RET as receitas decorrentes das vendas de unidades imobiliárias realizadas após a conclusão da respectiva edificação”, logo, após a emissão do habite-se não será mais possível o uso do benefício tributário. Com o uso do RET o regime de caixa da empresa é tributado a uma alíquota de 4%, enquanto que no lucro presumido passa a ser de 6,73%, impacto de mais de 50% de tributação, ressalte-se após a conclusão da edificação, entenda-se habite-se/ entrega das chaves ao adquirente.
De certo que as incorporadoras são capazes de prever o aumento das despesas oriundas do impacto tributário relativo às vendas posteriores ao habite-se, mesmo que de forma aproximada, mas se somarmos tais perdas às das unidades distratadas e posteriormente revendidas, ainda seria possível?
Em meio ao tenebroso panorama vivido pelos empreendedores do ramo imobiliário não só em razão da crise econômica, mas agora também do ponto de vista tributário, surge o PLC 68/18 com escopo de “regulamentar” os distratos, o qual um de seus dispositivos impõe multas compensatórias de 25% do valor pago ou 50 % se houver patrimônio de afetação, seria repisar na teoria da conspiração relacionar o PLC à compensação financeira reflexa ao aumento da tributação ou apenas mera coincidência?
O liame entre a solução de divergência da Receita Federal 2009 e o PLC 68/18 pode ser detectado claramente se encarado do ponto de vista de compensação das despesas tributárias acrescidas em razão dos distratos. Esses imóveis agora serão revendidos e submetidos ao regime do lucro presumido com alíquotas superiores às anteriormente contabilizadas na vigência do RET.
Em nosso sentir, analisar eventual relação entre o PLC 68/18 e a solução de divergência 2009 da Receita Federal não poderia, melhor dizendo não deveria nem mesmo ser aventada, no entanto, haja vista a realidade do nosso país, as relações passam da seriedade à promiscuidade num piscar de olhos.
Dessa intelecção podemos concluir que o PLC 68/18, não só acaba por ferir princípios basilares de proteção aos direitos dos consumidores, mas ao que parece, não se presta apenas ao equilíbrio econômico do contrato, segurança jurídica ou retorno do ciclo econômico das incorporações, mas tende à equacionar contas a partir de compensações indiretas de perdas oriundas de futuras despesas tributárias já sinalizadas pelo órgão administrador dos tributos federais.
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Raul Petrilli Leme De Campos - Advogado do escritório LC Olivan advogados associados.
Fonte: Migalhas de Peso
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