Fruto da necessidade de maior aproveitamento econômico dos imóveis, a multipropriedade imobiliária é uma solução criativa do mercado para o problema do aumento dos custos necessários à manutenção e conservação dos bens imobiliários.
Instituto concebido na Europa no final dos anos 60, foi estudado a fundo no Brasil pelo eminente Professor Gustavo Tepedino, Titular de Direito Civil da UERJ, de quem tive o grande privilégio de ser aluno. Foi ele quem realmente desenvolveu as bases jurídicas do instituto em nosso País. Se hoje a multipropriedade alcançou inegável desenvolvimento, foi graças à pioneira e inovadora abordagem de Tepedino, que trouxe um conceito, simples e objetivo de multipropriedade imobiliária: "relação jurídica que traduz o aproveitamento econômico de uma coisa móvel ou imóvel, em unidades fixas de tempo, visando à utilização exclusiva de seu titular, cada qual a seu turno, ao longo das frações ideais que se sucedem".
Rios de tinta já foram escritos pela doutrina brasileira sobre a multipropriedade imobiliária. Contudo, pouquíssima atenção tem sido dada aos aspectos práticos do instituto. Como infelizmente as faculdades de Direito no Brasil, salvo raras exceções, não conferem ao aluno mínima noção do registro de imóveis, são poucos os profissionais do direito que costumam valorizar a prática registral, sem a qual não se conseguem nem atribuir eficácia e efetividade aos direitos reais tampouco segurança jurídica ao investidor e aos consumidores. Sem que seja possível a averbação ou registro na matrícula do imóvel, não há direito real que se firme.
Mas pode a multipropriedade imobiliária ser objeto de registro ou averbação na matrícula do imóvel?
Certamente, pode. Sucede, no entanto, que na prática registral, tem-se visto elevada dificuldade dos registradores de imóveis em dar à multipropriedade acesso ao fólio real. Isso porque, como todos sabemos, os direitos reais devem estar tipificados em lei em sentido formal, editada pelo Congresso Nacional (seja no próprio Código Civil, seja na legislação especial, seja em atos normativos que, editados antes de 5 de outubro de 1988, foram recepcionados pela Constituição da República com eficácia de lei).
Não há, contudo, previsão legal estrita da multipropriedade imobiliária como direito real na legislação em vigor.
Por força dessa lacuna legislativa, muitos registradores de imóveis têm evitado registrar a multipropriedade imobiliária e em alguns julgados tem-se negado até mesmo sua eficácia real, sob o fundamento de que sem previsão legal específica e própria, o direito dos proprietários teria natureza obrigacional.
Entretanto, a circunstância de a multipropriedade imobiliária não estar prevista expressamente no rol do art. 167, incisos I e II, da Lei de Registros Públicos ou do art. 1.225 do Código Civil não pode implicar a impossibilidade de averbá-la na matrícula do imóvel.
Na realidade, por força do art. 246 da própria Lei de Registros Públicos (LRP), "além dos casos expressamente indicados no item II do artigo 167, serão averbados na matrícula as subrogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro".
Diante da clareza do texto da norma do art. 246 da LRP, é indisputável que a multipropriedade não só pode como deve ser averbada na matrícula do imóvel, pouco importando, para tanto, sua natureza, de direito obrigacional ou real.
É certo que se o registro da propriedade ou de outro direito real pode ser alterado por certas "ocorrências" - que nada mais são do que fatos ou atos jurídicos – que deverão ser averbadas na matrícula do imóvel, com mais razão ainda os direitos e as respectivas restrições às faculdades a ele inerentes também merecem ser averbados.
Note-se que a jurisprudência tem admitido inclusive a averbação de união estável no registro de imóveis, mesmo sendo esta um fato jurídico, que, em linha de princípio, não teria acesso à matrícula do imóvel. O mesmo raciocínio aplica-se à multipropriedade imobiliária.
Desse modo, merece aplausos, por prestigiar sobremaneira a segurança jurídica de incorporadores e consumidores, a recente decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, da Relatoria do eminente Ministro João Otávio Noronha, segundo a qual “a multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se, portanto, com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil; e o multiproprietário, no caso de penhora do imóvel objeto de compartilhamento espaço-temporal (time-sharing), tem, nos embargos de terceiro, o instrumento judicial protetivo de sua fração ideal do bem objeto de constrição, (...)insubsistente a penhora sobre a integralidade do imóvel submetido ao regime de multipropriedade na hipótese em que a parte embargante é titular de fração ideal por conta de cessão de direitos em que figurou como cessionária”. (REsp 1546165/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/04/2016, DJe 06/09/2016).
Assim, diante da evolução da jurisprudência e da crescente necessidade de segurança jurídica de incorporadores, investidores e consumidores, está mais do que na hora de as Corregedorias-Gerais de Justiça ficarem atentas a essa realidade, para que os registradores de imóveis passem a averbar a multipropriedade imobiliária nas matrículas de imóveis e registrar as convenções de condomínio de multiproprietários no Livro 3. O desenvolvimento do nosso mercado imobiliário precisa muito disso!
Fonte: Migalhas Edilícias
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