domingo, 14 de março de 2021

Utilização de Sociedade em Conta de Participação (SCP) para empreendimentos imobiliários


As características das Sociedade em Conta de Participação SCPs estimulam sua utilização para a viabilização de empreendimentos imobiliários.

Observa-se que, em muitas ocasiões, construtoras têm oferecido a participação em SCPs para a aquisição de imóveis, como se fosse um bem de consumo do mercado.

Todavia, alguns juristas entendem que a utilização indiscriminada de SCPs para tal fim, por muitas vezes, num contrato que possui características de outros tipos contratuais, desnatura o instituto, descaracterizando a SCP, até mesmo em virtude da ausência de affectio societatis.

Segundo o Código Civil em seu art. 981, o contrato de sociedade é aquele em que as pessoas “reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”. Desta forma, por ser tratada como espécie de sociedade pela Legislação (arts. 991 e seguintes do Código Civil), os sócios de uma SCP devem manter tal essência, sob pena de descaracterizá-la, dissimulando outra espécie de relação jurídica.

A finalidade da SCP é a de criar um investidor (Sócio Participante) para um negócio específico sobre o qual não detenha o conhecimento necessário, mas que outro detém, o Sócio Ostensivo (geralmente um especialista no ramo), e fica responsável pela administração da sociedade, para que seja lucrativa. Porém, o negócio de compra e venda de imóveis não possui este intento.

A teor do art. 991 do Código Civil, o Sócio Ostensivo é quem ostenta e pratica todos os atos empresariais, possui responsabilidade perante terceiros, utiliza sua própria personalidade jurídica para a prática dos atos empresariais para os quais a SCP foi criada[1], é responsável pela construção, bem como se compromete por todas as obrigações a ela correlatas, haja vista que é este quem tem a expertise do mercado e se apresente a ele.

O Sócio Participante não possui obrigações perante terceiros, nem pratica a atividade empresarial – sendo o chamado “sócio oculto” –, apenas realizando investimentos (“aportes”) para a consecução do objetivo do contrato (construção da unidade autônoma pela qual se interessa)[2].

Entretanto, a pessoa física, geralmente, ao buscar a aquisição de um imóvel, não o faz para tornar-se sócia de uma construtora, mas somente de adquirir um bem imóvel (geralmente um apartamento, flat, unidade em hotel etc.). Sendo assim, consiste, em essência, numa relação de consumo ou de compra e venda de bens imóveis regida pelo Direito Civil.

Deste modo, com um contrato de SCP, muitas incorporadoras/construtoras podem camuflar o objetivo de realizar promessas de venda e compra de imóveis na planta, consórcios imobiliários, dentre outros negócios imobiliários por excelência.

Outras características que podem desnaturar a SCP são a natureza adesiva do contrato e a ausência de poder de fiscalização dos Sócios Participantes sobre a gestão do Sócio Ostensivo.

Contudo, para a concretização de incorporações imobiliárias, a SCP revela-se um tipo societário regular e vantajoso, tanto para aquele que deseja investir e auferir lucros de determinado empreendimento – mas não possui a totalidade dos recursos necessários ou não quer se arriscar sozinho para a consecução do projeto, tampouco quer correr riscos e contrair obrigações –, quanto para Construtora/Incorporadora, que se vale de uma forma societária criação rápida, desburocratizada e sem deveres sociais (como as pessoas jurídicas convencionais).

Assim, a análise da jurisprudência revela que se deve analisar caso a caso para verificar se é hipótese de descaracterização ou não de SCP em sede de negociação imobiliária, haja vista que os Tribunais reconhecem, muitas vezes, que não estão presentes os requisitos da SCP[3], mas em outras a SCP é mantida[4].

Alguns pontos que indicam a existência normal de SCP para fins imobiliários, conforme admitido pelos Tribunais, são os seguintes:

a) o Sócio Ostensivo deve, sempre que solicitado, apresentar demonstrativo da execução das obras do empreendimento para o Sócio Participante, revelando poder de fiscalização por parte desta;

b) o Sócio Participante não toma parte nas relações do Sócio Ostensivo com terceiros, nos termos do art. 993, parágrafo único do Código Civil;

c) não ocorrência de diminuição exacerbada de direitos do comprador no contrato, necessitando, por exemplo, de disposições sobre multas (compensatória e moratória) no caso de atraso na entrega do imóvel pela Construtora/Incorporadora.

Alguns pontos que podem indicar desnaturação da SCP são:

a) contrato de natureza adesiva;

b) interesse do Sócio Participante estar numa única unidade imobiliária especificada no contrato.

Notas:

[1] Tendo em vista que uma SCP não possui personalidade jurídica – Art. 9933 doCódigo Civill.

[2] Vale salientar que o Sócio Participante, em regra, também tem o direito de fiscalizar as contas da SCP (até mesmo através do Poder Judiciário por meio de ação de prestação de contas) e participar dos lucros.

[3] Por exemplo: “RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM DEVOLUÇÃO DE QUANTIAS PAGAS. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. Contrato de admissão em “sociedade em conta de participação” visando à captação de recursos para a compra, venda, construção, reforma e incorporação de bens imóveis Extrai-se das cláusulas contratuais tratar-se de verdadeiro contrato de consórcio. Nessa linha, é admissível a exclusão do participante, autorizando a restituição das parcelas pagas, com correção monetária a partir de cada desembolso Aplicação da Súmula35, do STJ A correção monetária não representa qualquer acréscimo, mas apenas a recomposição do valor da moeda Sentença mantida Recurso desprovido.” (TJ-SP, Apelação 9096601-71.2007.8.26.0000 (991.07.006245-6), 23ª Câmara de Direito Privado, Relator Sérgio Shimura, julgado em 16/11/2011, publicado em 17/11/2011)

[4] Por exemplo: “COMERCIAL. SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO. RESPONSABILIDADE PARA COM TERCEIROS. SÓCIO OSTENSIVO. Na Sociedade em Conta de Participação o sócio ostensivo é quem se obriga para com terceiros pelos resultados das transações e das obrigações sociais, realizadas ou empreendidas em decorrência da sociedade, nunca o sócio participante ou oculto que nem é conhecido dos terceiros nem com estes nada trata. Hipótese de exploração de flat em condomínio. Recurso conhecido e provido.” (STJ - REsp: 168028 SP 1998/0019947-0, Relator: Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Data de Julgamento: 7/8/2001, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 22/10/2001 p. 326).

Renata ValeraAdvogada - OAB/SP 340.169. Graduada na FDSBC. Pós graduada em Direito Civil e Empresarial (Faculdade Damásio), Direito Imobiliário (Universidade Cândido Mendes), Direito Processual Civil (Universidade Cândido Mendes), Direito Médico e da Saúde (Faculdade Legale) e Pós Graduanda em Direito do Trabalho e Previdenciário com foco em Acidente de Trabalho (Faculdade Legale). Graduada em Gestão Empresarial (FATEC). Mestranda em Comércio Internacional (Escola de Negócios de Barcelona). Avaliadora Imobiliária (CNAI/COFECI n° 19.306).
Fonte: Artigos JusBrasil

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