sábado, 10 de julho de 2021

ESTUDO: Contrato de administração de imóveis


Trata-se de um contrato de larga utilização no mercado imobiliário, mas sem tipificação legal. Vamos analisar melhor esse contrato? Neste texto abordaremos seu surgimento, seus aspectos objetivos e subjetivos, apresentaremos seu conceito, discutiremos sua natureza jurídica e analisaremos sua atipicidade contratual, com formação por meio de outros tipos contratuais consagrados. Outros temas, como relação de consumo e responsabilidade civil do gestor imobiliário, não serão abordados, pois discorreremos sobre eles em outro texto.

Introdução e surgimento do contrato

Para entender o contrato de administração imobiliária, é importante dissertar antes sobre locação de imóveis urbanos. Tratando da locação da propriedade imobiliária nos centros urbanos, é necessário mencionar o processo de urbanização acelerada do país.

A urbanização é o processo de crescimento e desenvolvimento das cidades, com adensamento urbano, tendo no Brasil apresentado diversas causas, como a industrialização, e características próprias, como intensidade e rapidez. Iniciada no século passado, mais acentuada a partir das décadas de trinta e quarenta, teve como decorrência a profusão de negócios jurídicos imobiliários, cujas bases são a incorporação imobiliária e os condomínios dela decorrentes; a compra e venda de imóveis em construção e os já entregues, novos ou usados; e a locação dos imóveis decorrentes desses negócios imobiliários. Neste texto abordamos o contrato de administração de imóveis, fruto da locação de imóveis urbanos. O contrato de locação e o contrato de compra e venda são os de maior relevância social do Direito, posto que garantem o direito à moradia (Art. 6 da CRFB/88).

Contexto socioeconômico do contrato de administração de imóveis

A locação de imóveis começou a ser utilizada em larga escala no século passado, contribuindo para a especialização da atividade profissional de intermediação imobiliária. A especialização em negócios imobiliários, a relação de natureza profissional do intermediário e a complexidade da legislação ensejaram o advento do contrato de administração de imóveis. Pode-se afirmar, sem receio de erro, que, ao lado dos contratos de locação, de compra e venda, de corretagem e de alienação fiduciária imobiliária, o contrato de administração de imóveis já se revela um dos alicerces econômicos do mercado imobiliário.

Apesar de sua importância econômica, não é um contrato típico, ou seja, não está expressamente catalogado em lei. Por ser atípico, não constante no rol dos contratos previstos no Código Civil e legislação, o contrato de administração de imóveis poderia então ser livremente celebrado entre as partes? Neste contexto, nos ensina o jurista Orlando Gomes (2019, pp.18-19): “A vida econômica desdobra-se através de uma imensa rede dos contratos que a ordem jurídica oferece aos sujeitos de direito para que regulem com segurança seus interesses”.

Todo contrato tem uma função econômica, que é sua causa. Neste sentido, para que a circulação de riquezas flua nos ciclos econômicos, não bastam os contratos definidos e disciplinados na lei. Admitem-se arranjos e combinações, dignos de proteção, ampliando-se assim a esfera dos contratos com o acréscimo dos que são atípicos.

Aspectos objetivos e subjetivos do contrato de administração de imóveis

A atividade econômica de administração de imóveis apresenta algumas características que lhe são próprias. A administradora intermedeia os interesses do locatário, que almeja obter um imóvel para seu propósito de moradia, e os do locador, que deseja o rendimento de frutos civis por meio da cessão temporária da posse do imóvel, através do recebimento mensal do aluguel. A remuneração da administradora é a contrapartida aos serviços prestados, que em seu bojo trazem a premissa de mitigação dos riscos do negócio. O administrador de imóveis irá agregar valor à operação contratada ao celebrar uma locação com maior segurança, pela seleção do candidato com patrimônio, renda e apresentação de garantias locatícias compatíveis com a operação imobiliária contratada.

O proprietário busca o conhecimento técnico e a experiência negocial do gestor da propriedade na operação de administração de imóveis a ser celebrada. A contratação é o serviço, o ativo intangível que é o know-how da administradora de imóveis na operação imobiliária com um futuro locatário. Contrata-se a gestão da propriedade imobiliária, objetivando uma locação segura, em que a administradora de imóveis, por meio de sua expertise irá envidar todos os esforços no sentido de mitigar os riscos de inadimplência, bem como adotar ações pela manutenção e conservação do imóvel sob sua gestão.

Por outro lado, a administradora deseja locar o imóvel para pessoa idônea, avaliando capacidade de pagamento, bens, renda, patrimônio e garantias locatícias. Deve cumprir uma agenda de pagamentos de encargos incidentes sobre o imóvel (taxa de água, impostos, contribuição condominial, foro anual e seguro contra incêndio) e repasse mensal do aluguel.

Em seus aspectos subjetivos, a base da contratação é a confiança que o proprietário locador deve depositar no administrador do imóvel. Tradicionalmente é uma relação com tendência à estabilidade e permanência, em sentido oposto ao da relação de compra e venda, cuja natureza é substancialmente transitória.

Contratos típicos e atípicos

Os contratos são decorrentes das relações econômicas de comércio, troca, serviços e produção, cujos contornos foram delineados ao longo do tempo por meio dos usos e costumes, tendo sido então tipificados, adquirindo forma legal. A tipicidade então é a presença de tratamento legislativo específico. Outra definição é a trazida por Vilaça (2020): “os contratos são típicos, quando possuem regulamentação específica em lei, e atípicos, quando não a possuem”.

A seção do Código Civil sobre obrigações cataloga como típicos vinte e três contratos, como compra e venda, locação, doação e sociedade. Existem outros contratos típicos distribuídos pelo ordenamento jurídico, em legislação própria, como o contrato de alienação fiduciária. A atipicidade, nesse particular, é quando o contrato tem uma causa nova e diversa, relativamente ao disciplinado pela lei. Pontes de Miranda já nos dizia que “a vida é mais rica do que a tipificação jurídica”.

Segundo o jurista Rosenvald (2019), no mundo globalizado e informatizado, marcado pelo incessante tráfego econômico e jurídico, aflora a atipicidade na contratação. Afinal, contratos não são inventados em laboratório, são fruto das relações econômicas de troca, sendo cediço que o contrato supõe a liberdade.

Autonomia privada aos particulares e liberdade contratual

Restrições à liberdade contratual decorrem de disposições legais específicas e do princípio da nulidade das convenções contrárias à ordem pública e aos bons costumes. O Artigo 425 do Código Civil admite a utilização de contratos atípicos, observadas as normas gerais nele fixadas. No mesmo sentido temos o Enunciado 582 do Conselho de Justiça Federal: “com suporte na liberdade contratual e, portanto, em concretização da autonomia privada, as partes podem pactuar garantias contratuais atípicas”.

Definição legal do contrato de administração de imóveis

Causa-nos estranheza a escassez de artigos sobre o tema. Poucos doutrinadores abordam o contrato de administração imobiliária, o que poderia causar uma falsa impressão de irrelevância no mundo dos negócios e no ordenamento jurídico. Muito se fala sobre o contrato de locação, que é uma decorrência do contrato de administração de imóveis, com ele não se confundindo. No entanto, pouco se fala a respeito do contrato de administração imobiliária em si. Na definição da jurista Maria Helena Diniz (2002, p. 501):

Ter-se-á contrato de administração imobiliária se um dos contratantes, mediante mandato ou autorização, conferir ao outro a gestão de imóveis ou direção de negócios relativos a seus interesses imobiliários, comprometendo-se a pagar uma taxa pelos serviços prestados. O administrador deverá, então, praticar atos compreendidos nos negócios imobiliários, em razão de autorização ou mandato para esse fim outorgado pelo titular dos imóveis a serem administrados. Terá, portanto, a tarefa de gerir interesses incidentes sobre bens imóveis pertencentes a outrem, por estar autorizado para isso ou por ser mandatário. A atividade econômica designada administração imobiliária, em regra, tem sido exercida por firmas ou escritórios imobiliários, corretores ou advogados, que além da gestão de imóveis alheios, exercem intermediação na compra e venda de imóveis.

O conceito aborda temas importantes, como a prestação de serviços, que, como o mandato, é um contrato típico, amalgamado com o de corretagem de imóveis para formar o contrato de administração de imóveis.

Natureza jurídica

Em importante acórdão sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça trouxe alguns pontos relevantes, reconhecendo que o contrato de administração imobiliária é composto por diversos contratos previstos em lei, e separando as duas relações existentes com a presença da imobiliária.

STJ – RECURSO ESPECIAL: REsp 509304 PR 2003/0034681-0: [...] O contrato de administração imobiliária possui natureza jurídica complexa, em que convivem características de diversas modalidades contratuais típicas – corretagem, agenciamento, administração, mandato –, não se confundindo com um contrato de locação, nem necessariamente dele dependendo. [...] Isso porque no cenário caracterizado pela presença da administradora na atividade de locação imobiliária se sobressaem pelo menos duas relações jurídicas distintas: a de prestação de serviços, estabelecida entre o proprietário de um ou mais imóveis e essa administradora, e a locação propriamente dita, em que a imobiliária atua como intermediária de um contrato de locação [...].

Veremos a seguir os tipos contratuais principais que compõem o contrato de administração de imóveis, o que não exaure sua formação, nem a possibilidade de inclusão de cláusulas especiais que lhe confiram outra roupagem.

Contratos mistos

O contrato de administração de imóveis é um contrato misto, fruto da combinação indissociável dos contratos de prestação de serviços (Art. 593 do C.C.), mandato (Art. 653 C.C.) e corretagem (Art. 722 do C.C.).

Segundo definição de Orlando Gomes (2019, p.100), os contratos mistos são ordenados a atender interesses não disciplinados especificamente na lei. Caracterizam-se pela originalidade, em atendimento a interesses novos, oriundos da crescente complexidade da vida econômica. Por essas razões reclamam disciplina que as próprias partes estabelecem livremente. Os contratos mistos compõem-se de prestações típicas de outros contratos, ou de elementos mais simples, combinados pelas partes. A conexão econômica entre as diversas prestações forma, por subordinação ou coordenação, uma nova unidade.

Conforme visto, os contratos mistos formam uma nova espécie contratual não esquematizada na Lei. Segundo Álvaro Vilaça (2019), “os contratos atípicos mistos são fruto de várias avenças que se somam e que se integram de modo indissociável, não tendo cada qual vida própria; é, portanto, uma contratação única, complexa e indivisível”. No mesmo sentido, Rosenvald (2019, p.449) afirma que resultam da combinação de elementos de diferentes contratos, formando uma espécie contratual não sistematizada em lei. Não se confundem com os contratos coligados, pois nestes não resulta um contrato unitário.

Primeiro tipo contratual: corretagem de imóveis

A corretagem de imóveis em si não se confunde com o mandato, em que há a figura da representação de uma das partes por procuração, para administrar interesses. Embora a corretagem geral não necessite da prestação de serviços, por ser informal e solene, a corretagem de imóveis requer a elaboração de contrato padrão (Art. 16, inc. VI da Lei 6.530/78). O corretor, como mediador, deve aproximar pessoas interessadas em fazer negócios. A corretagem geral vem disciplinada nos artigos 722 a 729 do Código Civil, sendo a espécie corretagem imobiliária, como atividade profissional regulamentada, disciplinada pela Lei 6.530/78, que em seu Artigo 3º estabelece as competências do corretor de imóveis.

Por este contrato o corretor deve realizar operações imobiliárias, como compra e venda ou locação, operando como agente facilitador ao estabelecer o contato de pessoas que desejam realizar negócios imobiliários. O corretor pode ser contratado por uma das partes, para obter um ou mais negócios, sendo remunerado em razão do resultado útil que seu trabalho venha a proporcionar.

Segundo tipo contratual: mandato

O Art. 653 do Código Civil dispõe que a representação é elemento essencial do mandado, de sorte que se pode conceituar o mandato como relação contratual mediante a qual uma das partes (o mandatário) se obriga a praticar em nome e por conta da outra parte (mandante), um ou mais atos jurídicos. Na definição legal do Código Civil, temos: “Art. 653. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato”.

Terceiro tipo contratual: prestação de serviços

Os serviços contratados são os de administração de imóveis ou, em outras palavras, de gestão da propriedade imobiliária. O Código Civil permite a contratação de qualquer prestação de serviços lícitos, conforme redação do Artigo 593 que assim dispõe: “a prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo”.

O prazo máximo do contrato de prestação de serviços é de quatro anos, conforme dispõe o Art. 598 do C.C.. Importante não confundir o prazo do contrato de administração de imóveis com o do contrato de locação que ele busca obter, de modo que é possível celebrar o primeiro sem a locação, ou manter a locação rescindindo o contrato de administração de imóveis.

Este último pode prever multa em caso de rescisão antecipada, sem culpa da administradora de imóveis. Geralmente trazem multa equivalente a três vezes a taxa de administração, quando ausente a justa causa. Nesse caso, se houver previsão expressa de multa pela rescisão sem culpa, ficará afastada a multa do Artigo 603, que na maior parte dos casos, sobretudo naqueles em que o contrato está no início, é mais benéfica ao administrador. O Artigo 603 dispõe que, se o prestador de serviço for despedido sem justa causa, a outra parte será obrigada a pagar-lhe por inteiro a retribuição vencida, e por metade a que lhe caberia desde então até o termo legal do contrato.

Conclusão

A locação de imóveis é um contrato de larga utilização na sociedade, de grande alcance social, contribuindo para a realização do direito constitucional de moradia. Decorre de outros negócios imobiliários, como incorporação e venda, que, a seu turno, são motivados pelo crescimento populacional e da urbanização do país. A locação de imóveis foi se tornando complexa, gerando especialização negocial, contribuindo para o surgimento do profissional imobiliário.

A profissionalização da atividade imobiliária impulsionou o nascimento do contrato de administração de imóveis, que não é típico, ou seja, não está elencado no rol de contratos previstos no Código Civil e legislação esparsa. Trata-se de um contrato atípico, criado pela necessidade de disciplinar as trocas econômicas de serviços especializados de gestão da propriedade imobiliária. É um tipo misto, composto pelos contratos de corretagem, mandato e prestação de serviços de administração imobiliária. Não depende do contrato de locação, podendo existir sem ele, embora muitas vezes caminhem lado a lado. O contrato de locação é uma decorrência do contrato de administração de imóveis, nos casos em que a administradora é contratada, pois passa a ser a intermediária entre o locador e o locatário.

Bibliografia

DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. V.3., 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: contratos, teoria geral e contratos em espécie. 15ª ed. Salvador: JusPodvm, 2019.

GOMES, Orlando. Contratos, 27ª ed., revista e atualizada. Rio de Janeiro: GEN, 2019.

MARIN, Luiz Fernando. “Reflexões sobre os contratos de administração de imóvel”. In AMORIM, José Roberto e ELIAS FILHO, Rubens. Estudos avançados de direito imobiliário. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.

Francisco Machado Egito é Advogado com Pós-Graduação em Direito Imobiliário e Direito Notarial e Registral; MBA em Negócios Imobiliários; Especialização em Controladoria e Finanças. Formação acadêmica em outras áreas de negócios, como: Contabilidade, Administração e Gestão de negócios imobiliários. Sólida experiência de negócios na área imobiliária, como empresário proprietário de empresas de Administração de Condomínios e Imobiliária. Inscrito na OAB/RJ sob o n. 128.972. É Delegado da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/Niterói e Rio de Janeiro, triênio 2019-2022.
Diretor do APRIMORA Treinamento & Qualificação Empresarial. Coordenador do Grupo de trabalho de Condomínios da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/Niterói. Coordenador adjunto da Comissão de Contabilidade Condominial do CRC – RJ. Professor da Pós-Graduação em Direito Imobiliário da CBEPJUR/Cândido Mendes. Coordenador da Pós-Graduação em Direito e Gestão condominial da CBEPJUR/Cândido Mendes.
É Autor colaborador do “Diário da Leis” e do “Jornal do Brasil”. Graduando em Ciências Econômicas e Mestrando de Administração pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Membro da Comissão de Direito Imobiliário da ABA Nacional. E Vice-Coordenador da Comissão de Contabilidade em Condomínios do CRC.
Fonte: Jornal do Brasil

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