terça-feira, 19 de dezembro de 2017

PROBLEMA DA ENTREGA DE ESCRITURA DE IMÓVEL COMPRADO DE CONSTRUTORA


“Comprei meu imóvel da construtora, quitei o débito, recebi as chaves mas, quando me dei conta, percebi que não tinha a escritura. E agora?”

A pergunta acima, que pode ser comum a muitas pessoas que compraram imóveis de construtoras nesses últimos anos, quitaram seus respectivos débitos e não têm a escritura definitiva, é matéria antiga no Judiciário, mas que vem à tona apenas em épocas de crise econômica. E, coincidentemente, após através talvez o período mais turbulento de sua história recente, cresce nos tribunais discussão quanto à demora na obtenção da escritura definitiva e averbação na matrícula e quais desdobramentos isso pode ter para o consumidor.

Mas, antes de discorrer sobre esse tema, pergunta pertinente é: estando na posse do imóvel, porque buscar a escritura? Bom, a escritura e o registro na matrícula são os documentos que efetivamente demonstram a titularidade do imóvel, e são as formas mais eficazes e idôneas para comprovar propriedade. A ausência do registro na matrícula, por exemplo, pode levar à falsa impressão aos olhos de terceiros que aquele imóvel é de propriedade de outra pessoa que não o real adquirente (como no caso de contrato de gaveta). Assim, quitar o imóvel e não levar à registro na matrícula nem a escritura definitiva, tem o mesmo peso de não levar ao conhecimento do restante da sociedade que o imóvel é, de fato, seu.

Quando da incorporação imobiliária, a construtora, via de regra, dá um prazo para que a escritura definitiva e o registro sejam realizados, prazo este comumente acordado (ou imposto, dependendo do caso) em 180 dias da quitação e instalação de condomínio.

Ocorre que, como é o caso recente que começa a aparecer nos tribunais, nem sempre esse prazo é respeitado. Ou seja, caso o consumidor tenha comprado o imóvel na planta para, ao longo da construção, vê-lo valorizar-se e, assim, vender quando pronto, fica sem os documentos necessários ao registro da futura venda. Sem isso, perde o negócio.

Contudo, importante se perguntar porque a construtora não realizaria a entrega da escritura. E é aqui que a questão fica mais complicada. Ainda que abaixo tal ponto seja explicado, desde já deixamos a resposta: não há entrega de escritura imediata porque o seu imóvel está em garantia com um banco. Explicamos:

É muito comum, para construir um empreendimento, a incorporadora tomar dinheiro no mercado. Os bancos, como principais financiadores, emprestam essas vultosas quantias, sendo que, como garantia, constituem hipoteca no terreno do empreendimento. Edificada a obra, aquela primeira matrícula correspondente ao terreno desdobra-se nas várias matrículas das unidades, cada qual absorvendo e servindo como pequena garantia da imensa dívida inicial que a incorporadora tem junto ao banco.

Havendo o pagamento integral do promitente-comprador da unidade autônoma, agora com matrícula individualizada, a incorporadora deveria utilizar esse valor pago para quitar sua dívida parcial com o banco, e assim livrar essa unidade da dívida hipotecária. Conforme a incorporadora vende as unidades e recebe o dinheiro dos compradores, paga o banco e libera as hipotecas das matrículas.

Contudo, diante de dificuldades financeiras, algumas construtoras não têm honrado com seus compromissos perante os bancos. Assim, não há baixa da hipoteca e, portanto, não pode ser entregue a matrícula.

O Judiciário já se deparou com essa questão e formulou entendimento pacífico[1] no sentido de que o banco não pode executar essa dívida contra o comprador/consumidor. Contudo, muitos bancos demoram em reconhecer isso e não liberam a hipoteca espontaneamente. Assim, a unidade pela qual você pagou continua, para fins públicos, em nome da construtora e servindo de garantia ao empréstimo perante o banco.

A solução para essa questão é clara. Uma ação comumente conhecida de “obrigação de fazer” ou “adjudicação compulsória” que tem o objetivo de que o juiz determine ao banco o cancelamento da hipoteca e à construtora que entregue a escritura em seu nome. Pode parecer que o risco de não ajuizar a ação agora não é alto, contudo, no caso de recuperação judicial ou falência da construtora, a dor de cabeça pode ser maior. Ao contrário, fazendo o quanto antes, é possível obter a escritura e, mais ainda, pedir que seja feita sob pena de multa diária (prazos que nem sempre a construtora e banco cumprem e, portanto, tais quantias inevitavelmente acabam se revertendo ao comprador).

Acreditamos que, com base nesses apontamentos, as dúvidas sobre a matéria sejam resolvidas, bem como você, consumidor, fique ciente de seus direitos e das obrigações das construtoras e bancos com a propriedade pela qual você comprou, pagou e, agora, quer ver em seu nome.

[1] Súmula 308 do C. Superior Tribunal de Justiça: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.”

Ricardo Chabu Del Sole - Advogado
Fonte: Artigos JusBrasil

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