terça-feira, 20 de abril de 2021

Imobiliário: Troca do IGP-M para o IPCA nos contratos de aluguel e venda de imóveis


Desde o meio do ano passado, quando se agravou a crise sanitária que assola o planeta, vem se discutindo as consequências jurídico-econômicas em âmbito privado. Naquele início, os vários setores econômicos se mobilizaram para encontrar uma fórmula possível que permitisse a preservação dos contratos negociados.

No setor imobiliário, diante da paralisação parcial de algumas atividades empresariais e comerciais, os contratos de locação e aquisição foram os protagonistas de discussões para revisão e redução dos valores contratados para aluguéis e parcelas decorrentes de financiamento.

Com o decorrer dos meses e a expansão da crise, os índices econômicos também começaram a ser atingidos. Em junho de 2020, o IGP-M/FGV, principal e mais comum índice utilizado para correção monetária dos contratos imobiliários, que vinha na média mensal de 0,55% subiu para 1,56%, em setembro atingiu a marca de 4,34% e em novembro de 3,28%, acumulando no ano o percentual de 21,9682% - o maior índice acumulado desde dezembro de 2002, quando obteve uma variação anual acumulada de 25,31% - o que impactou novamente no equilíbrio econômico-financeiro dos contratos vigentes.

Em 2021 o índice continua instável, em março subiu 2,94% acumulando 8,26% no ano e 31,10% em 12 meses, sendo que em março de 2020 o índice acumulava alta de 6,81% em 12 meses, contribuindo com a discussão sobre a necessidade de revisão dos contratos celebrados para alteração do índice estabelecido, aplicando as teorias da imprevisão, caso fortuito e força maior e onerosidade excessiva, previstas no Código Civil Brasileiro. Com a publicação de março, André Braz, Coordenador dos Índices de Preços, esclareceu que todos os índices que compõem o IGP-M tiveram aumento.

"Todos os índices componentes do IGP-M registraram aceleração. No índice ao produtor, os aumentos recentes dos preços das matérias-primas continuam a influenciar a aceleração de bens intermediários (4,67% para 6,33%) e de bens finais (1,25% para 2,50%). Além disso, os aumentos dos combustíveis também contribuíram para o avanço da inflação ao produtor e ao consumidor. Na construção civil, os materiais para a construção seguem em aceleração impulsionados pela alta dos preços dos insumos básicos"

Diante deste cenário de grande instabilidade, deu-se início a conflitos e ações judiciais em que se busca substituir o indicador do IGP-M/DI pelo IPCA - índice oficial utilizado pelo Governo Federal para calcular metas de inflação e alterações na taxa de juros, medido pela variação de nove categorias de preços de produtos e serviços, que refletem os hábitos de consumo.

Das existentes análises judiciais, a maioria ainda em sede de liminar, é possível perceber que não há jurisprudência pacífica. Verificadas seis decisões publicadas no estado de São Paulo, quatro concederam liminar 3 aos requerentes para substituição do índice IGP-M/DI para IPCA, e outras duas negaram 4 o pedido. No Rio Grande do Sul, o Tribunal suspendeu 5 uma decisão de primeiro grau que concedeu a modificação do índice. Já em Goiânia-GO, uma recente decisão da 3ª Vara Cível deferiu 6 a tutela de urgência para revisar provisoriamente o reajuste do aluguel com base no percentual de 7%, que corresponde a um pouco mais do valor acumulado durante o ano de 2019 para o IGP-DI.

O fundamento do pedido para substituição do IGP-M/DI passa pela explicação de sua composição, que corresponde a uma média ponderada aritmética entre os índices IPA (produtor), IPC (consumidor) e INCC (construção civil), que estão ligados aos preços das produções de matérias-primas, agronegócio, materiais de construção e commodities do setor industrial, que sofrem forte influência do dólar, se propondo a avaliar o cenário de inflação.

E por consequência da pandemia houve uma desvalorização do real e alta do dólar, além da falta de matéria-prima para o setor industrial que acabou elevando os preços dos insumos, o que conjuntamente influenciou diretamente no aumento extraordinário do IGP-M/DI.

Diante desta realidade superveniente, sustenta-se a aplicação da teoria da imprevisão, prevista no artigo 317 do Código Civil, para justificar o pedido judicial de revisão contratual para substituição do índice, na medida em que o reajuste integral do IGP-M/DI, neste momento, não representa mera reposição da moeda e causa distorção em relação ao poder de compra, evidenciando flagrante onerosidade excessiva para uma das partes - artigo 478 do Código Civil, em razão de mudanças ocorridas após a negociação inicial, alterando consequentemente a base econômica do contrato.

Por outro lado, utilizando-se do mesmo fundamento, é possível compreender que o desequilíbrio causado pela imprevisível crise sanitária - afastada a culpa por inadimplemento - pode atingir ambas as partes da relação, não devendo incumbir o ônus total à apenas uma delas, sob pena de novamente desequilibrar as relações contratuais. Ademais, sustenta-se ainda o perigo de interpretação relativa do princípio da autonomia da vontade privada e do pacta sunt servanda, principais regramento do direito contratual privado, que autorizam e obrigam as partes a regularem e cumprirem os seus interesses por intermédio do contrato, prevendo a interferência judicial do Estado apenas para assegurar o cumprimento do quanto prometido, limitando-se a uma posição supletiva em relação ao conteúdo contratado.

Percebe-se, então, que apesar de previstos na legislação e doutrina, os fatos supervenientes, fortuitos e de força maior quando aplicados à realidade fática de crise econômica não alcançam, por si só, o poder de solução ideal e equilibrada para os contratantes, dependendo de ajustes negociais e, eventualmente, intervenção judicial.

Além disso, diante desta realidade e buscando soluções viáveis, verificamos que nos casos judicializados e nos inúmeros contratos locação impactados com o aumento do IGP-M/DI, não previam a necessidade ou mesmo a definição de um ambiente de negociação prévia a um embate judicial, o que poderia não apenas preservar as relações locatícias e negociais, mas também evitar a intervenção judicial e os enormes custos e insegurança jurídica dessas relações.

Nesta esteira, a Lei da Mediação (Lei 13.140/15) prevê a possibilidade das partes inserir nos contratos de locação cláusulas contratuais prevendo expressamente a mediação extrajudicial em caso de qualquer conflito, cláusula esta que deve ser respeitada pelo Judiciário caso algum dos contratantes tente ignorar esta disposição e iniciar um procedimento judicial ou arbitral (caso exista) sem a mediação prévia. A lei ainda traz outras vantagens, como possibilidade de confidencialidade das negociações e princípios a busca pelo consenso e isonomia entre as partes.

Vale lembrar que na hipótese de existir previsão contratual de cláusula de mediação, as partes deverão comparecer à primeira reunião de mediação, mas não são obrigadas a permanecer em procedimento de mediação, o que não retira a possibilidade de eventual análise do conflito pelo Poder Judiciário. Nossa experiência e parceria com Câmaras de Mediação devidamente homologadas pelos Tribunais, mostram as vantagens destas cláusulas e temos orientado nossos clientes neste sentido.

Em paralelo e muito por conta das discussões que se iniciaram sobre o assunto, a Câmara dos Deputados aprovou, por 402 votos a 54, o regime de urgência de votação para o PL - Projeto de Lei nº 1026/21 apresentado pelo deputado Vinicius Carvalho (Republicanos-SP), proposto para alteração da Lei do Inquilinato (lei 8.245/91) e a consequente inclusão do parágrafo único ao artigo 18, prevendo a limitação do índice de reajuste do valor do aluguel ao índice IPCA, acompanhando a inflação do país, e permitindo o estabelecimento de índice a maior desde que conste a anuência do locatário. Desta maneira, o projeto deve ser objeto de votação em meados de maio, seguindo posteriormente para votação pelo Senado:

"Art. 1º Esta lei altera a Lei nº 8.245, de 18 de novembro de 1991, que, "Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes", para determinar que o índice de correção dos contratos de locação residencial e comercial não poderão ser superiores ao índice oficial de inflação no País. Art. 2º ° inclua-se o seguinte parágrafo único ao Art. 18 da lei 8.245, de 18 de novembro de 1991: "Art. 18 [...] Parágrafo único. O índice de reajuste previsto nos contratos de locação residencial e comercial não poderá ser superior ao índice oficial de inflação do País medido pelo IPCA (Índice de Preço ao Consumidor Amplo), ou outro que venha substitui-lo em caso de sua extinção. É permitida a cobrança de valor acima do índice convencionado, desde que com anuência do locatário" Art. 3º Fica revogado o parágrafo único do Art. 17 da Lei n º 8.245, de 18 de novembro de 1991. Art. 4º Esta lei entra em vigor na data da sua publicação."

No entanto, em que pese a boa intenção do legislador, entendemos que a simples substituição de um índice por outro, neste momento, não seja capaz de sanar a controvérsia que se apresenta, pois da mesma forma que os reflexos econômicos da pandemia atingiram o IGPM e seus componentes, em um futuro próximo, inevitavelmente, irá atingir os demais índices, inclusive o IPCA, trazendo à tona novamente a raiz da discussão.

Diante do exposto e sem nenhuma pretensão de esgotar o tema, entendemos, por ora, que a solução deve caminhar por uma análise casuística dos contratos vigentes, aplicando-se um reajuste baseado no próprio índice estabelecido contratualmente, entretanto, mediante identificação do percentual médio publicado nos períodos anteriores ao fato imprevisível - pandemia, e a partir da verificação e análise dos impactos sofridos no período, contando também com a colaboração de ambos os contratantes para a melhor adequação.

E por fim, pensando na prevenção futura das experiências jurídicas que estamos enfrentando neste momento, sugerimos que na estruturação e desenvolvimento de novos negócios, além da orientação para previsão das Câmaras de Mediação, objetivando a boa-fé e o dever de negociar para manutenção dos contratos, sugerimos também a inclusão de um teto máximo para aplicação do índice de reajuste escolhido, objetivando prever e prevenir desequilíbrios supervenientes.

Atualizado em: 20/4/2021 16:00

Natália Maria Miquelino Leal - Advogada do Morais Andrade Leandrin Molina Advogados. Especialista em Regularizações Imobiliárias com ênfase em Direito Notarial e Registral. Membro da Comissão de Negócios Imobiliários do IBRADIM. Pós-graduada em Direito Imobiliário.
Fonte: Migalhas de Peso

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